Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 3 de novembro de 2006.
Os dois maiores partidos do Sri Lanka - O Partido de Libertação
do Sri Lanka (SLFP), atualmente no poder, e o partido de oposição,
o Partido da União Nacional (UNP) - assinaram, pela primeira
vez, um tratado de coalizão formal na semana passada. A
grande aliança foi recebida pelos líderes das grandes
empresas e pela imprensa como um "grande acontecimento".
Na verdade, este é mais um sintoma da profunda crise política
do país.
O SLFP e a UNP foram rivais na luta pelo poder por mais de
50 anos. Sempre rejeitaram qualquer possibilidade de estabelecer
um governo de unidade nacional. A crença desesperada da
elite é que essa nova formação política
irá, de alguma forma, dar um fim à grave guerra
civil na ilha e fornecer meios de agilizar uma agenda de reformas
de mercado para impulsionar os investimentos estrangeiros.
O secretário-geral do SLFP, Maithripala Sirisena, e
o líder da UNP, Malik Samarawickrama, assinaram o memorando
de entendimento (MdE) em 23 de outubro na residência oficial
do presidente, Templo das Árvores. Sob o acordo, que é
válido por 2 anos, a UNP prometeu ajudar o governo a "resolver"
quatro assuntos principais - "conflitos no norte e no leste",
reforma eleitoral, "governabilidade" e desenvolvimento
social.
A "estrutura para colaboração" ainda
deve ser decidida entre Rajapakse e o líder da UNP, Ranil
Wickremesinghe. Um setor da direção da UNP, incluindo
Wickremesinghe, é extremamente relutante a aceitar qualquer
cargo no governo, por considerar que o partido enfrentará
a inevitável hostilidade gerada por políticas impopulares.
Wickremsinghe propôs que, por enquanto, a UNP permaneça
na oposição.
Os dois líderes dos partidos estão conscientes
do que está em jogo. Na cerimônia de assinatura do
acordo, Rajapakse alertou: "não deixaremos esta nação
cair no precipício devido a diferenças entre partidos
políticos". Wickremesinghe afirmou mais tarde, numa
entrevista coletiva à imprensa, que durante "uma crise,
quando as pessoas são afetadas, a oposição
e o governo trabalham juntos. É muito raro que uma oposição
apóie o governo... Nós chegamos a essa fase crucial
na história do nosso país".
O principal detonador da crise foi a retomada da guerra civil.
Rajapakse venceu Wickremesinghe na última eleição
presidencial de novembro por uma pequena margem de votos. O que
lhe garantiu a vitória foi a assinatura de pactos eleitorais
com dois partidos extremistas Sinhalas - o Janatha Vimukthi Peramuna
(JVP) e o Jathika Hela Urumaya (JHU). Logo após a vitória,
os militares iniciaram uma grande guerra secreta, assasinando
e provocando os Tigres da Libertação do Tamil Eelam
(LTTE). A guerra aberta explodiu em julho, quando Rajapakse ordenou
aos militares que iniciassem a ofensiva.
Antes de chegar a um acordo com a UNP, o SFLP estava negociando
uma coalizão com o JVP. Entretanto, essas conversações
falharam após o JVP insistir para o governo romper o cessar-fogo
de 2002 e travar uma guerra mais agressiva contra o LTTE. Rajapakse
sabia que declarar abertamente a guerra poderia criar grandes
dificuldades para o governo.Ele estava tentando justificar as
operações militares como sendo "defensivas",
a fim de controlar o sentimento anti-guerra da população
e manter o apoio internacional.
O SLFP se aproximou da UNP, que assinou o cessar-fogo de 2002
e realizou conversações de paz com o LTTE em 2003.
No entanto, o acordo entre o SLFP e a UNP pode não representar
um passo para a paz. O acordo não prevê um retorno
ao cessar-fogo de 2002 e, desse modo, continua a dar carta branca
aos militares. A UNP, que foi responsável por iniciar a
guerra em 1983, está afundada no chauvinismo Sinhala. A
atitude em iniciar negociações de paz em 2002 não
teve como objetivo diminuir o impacto da guerra sobre a classe
trabalhadora, mas foi um reflexo da diminuição dos
investimentos estrangeiros ocasionada pela instabilidade causada
pela guerra.
Nenhuma política contida no acordo foi anunciada. O
Sunday Leader publicou apenas alguns textos de discussão
esboçados pelos dois partidos. O documento sobre "conflitos
no norte e no leste" declara: "o Estado tem a obrigação
suprema de proteger a soberania do país através
de todos os meios que possuir, incluindo a ação
militar, quando esta for necessária." Ao mesmo tempo,
ele exige uma solução política para "a
questão étnica" - em outras palavras, para
a discriminação contra a minoria Tamil da ilha,
discriminação esta que foi a responsável
pela deflagração da guerra.
Essas formulações permitem ao governo se apresentar
como um pacificador, enquanto continua a executar uma guerra agressiva.
A UNP concordou em participar de uma conferência entre todos
os partidos patrocinada por Rajapakse para propor uma solução
política para o fim da guerra. Essa conferência,
que inclui representantes do JVP, não é nada mais
que uma camuflagem política para as ofensivas militares
contra o LTTE.
O acordo entre o SLFP e a UNP foi assinado alguns dias antes
do início das negociações de paz em Genebra,
realizado na semana passada. O acordo foi imediatamente saudado
pela embaixada dos EUA em Colombo como um sinal de que os dois
maiores partidos da ilha "estão determinados a trabalhar
em conjunto para achar uma solução política
para o conflito". Na realidade, como é de conhecimento
de Washington, as ações do governo contra o LTTE,
que tem o apoio da UNP, são muito mais violentas do que
as de 2002. Não é surpreendente que as negociações
em Genebra falharam, sem nem sequer ter sido marcada a próxima
rodada de negociações.
A direção do JVP, que está defendendo
uma guerra aberta contra o LTTE, condenou a nova coalizão
como sendo uma armadilha da UNP. Segundo a JVP, a UNP pretende
"diluir e limitar as ações que visam derrotar
o terrorismo separatista". O JVP planeja organizar encontros
em muitos distritos, incluindo Colombo, buscando capitalizar o
descontentamento anti-governo. Num comício realizado na
quarta-feira, o secretário do JVP, Tilvan Silva, alertou:
"se ele [Rajapakse] falhar em voltar ao caminho certo, nós
seremos forçados a derrubá-lo e substituí-lo
por algum outro."
A campanha do JVP é uma tentativa particularmente desesperada
em reconstruir as suas forças, após o grande desgaste
sofrido devido a sua entrada no governo de coalizão com
o SLFP, em 2004. Além de serem contrários à
guerra, os trabalhadores são profundamente hostis ao impacto
social das políticas econômicas do governo. O JVP
tem atacado a UNP, pois sabe muito bem que a UNP é extremamente
rejeitada pela população, devido às reformas
pró-mercado que implementou entre 2002 e 2004.
Políticas Econômicas
Os textos conjuntos de discussão do SLFP e da UNP sobre
as políticas social e econômica expõem uma
série de medidas de austeridade econômica, que ampliarão
inevitavelmente o abismo entre ricos e pobres. As medidas são
as seguintes:
* Um "fundo de saúde nacional" financiado
pelos "cidadãos" com taxas comerciais. O sistema
público gratuito de saúde, que foi estabelecido
nas décadas de 1950 e 1960, foi recebendo cortes por sucessivos
governos. Um fundo poderia aprofundar a diferença entre
os dois tipos atuais de sistema de saúde: o setor privado
em contínua expansão para os ricos e um sistema
público deteriorado para a maioria da população.
* O apoio limitado ao bem-estar dos pobres, que incluirá
agora "elementos de mercado social". Os subsídios
representarão, de forma crescente, o "foco" desse
novo esquema - ou seja, os subsídios serão limitados
às camadas mais miseráveis da sociedade. Esta política
está em sintonia com as declarações do FMI
de que os subsídios beneficiam apenas os ricos. Enquanto
os ricos, indubitavelmente, ganharam, o propósito das políticas
do FMI não é ajudar os pobres, mas diminuir os gastos
sociais em toda parte.
* O avanço na reestruturação e privatização
do setor público, incluindo transportes e comunicações.
O governo quer promover o "conceito de propriedade aberta",
em que "cada pessoa na sociedade será um parceiro
nessas iniciativas". Os beneficiários serão
aqueles que têm o dinheiro para comprar ações
em empresas privatizadas. A maioria das pessoas pagará
altas tarifas para ter acesso aos serviços essenciais.
* Um esquema de "agricultura para o mercado" a fim
de estimular exportações. Os beneficiários
serão os representantes do agro-negócio e os grandes
fazendeiros que produzem para o mercado mundial. A vasta maioria
dos fazendeiros do Sri Lanka não possui dinheiro, terra
e tecnologia suficientes para substituir as culturas atuais por
culturas mais lucrativas.
O grande capital reagiu com entusiasmo à notícia
da aliança entre a UNP e o SLFP. As ações
na bolsa de valores de Colombo apresentaram uma alta significativa.
O presidente da Federação das Câmaras de Comércio
e Indústrias (FCCI), Nawas Rajabdeen, explicou da seguinte
maneira as expectativas da elite empresarial: "políticos
extremistas e o jogo de poder entre os maiores partidos haviam
forçado os sucessivos governos a evitarem reformas duras
e impopulares. Refugiavam-se em políticas populistas com
efeitos de curto prazo".
A formação da coalizão SLFP-UNP marca
uma reviravolta na política do Sri Lanka. Enquanto a conservadora
UNP sempre foi defensora descarada dos interesses capitalistas,
o SLPF tentou, no passado, aplicar uma política populista,
voltada principalmente aos camponeses sinhaleses.
O SLFP se fortaleceu nos anos 1950 por meio do apoio às
comunas Sinhala, combinado a uma fraseologia socialista, sempre
associado a promessas de reformas. O partido nunca teve nada a
ver com o socialismo. Seu programa sempre esteve baseado na regulação
da economia nacional. Suas limitadas reformas sociais e o chauvinismo
Sinhala foram utilizados para conter e dividir a revolta da classe
trabalhadora.
Assim como em outros países, entretanto, a globalização
da produção que ocorreu nas últimas três
décadas destruiu qualquer base para uma economia nacionalmente
regulada. O SLFP seguiu a política da UNP, implementando
reformas de mercado. Seus programas são idênticos.
O contínuo e longo ataque às condições
sociais dos trabalhadores gerou uma ampla hostilidade e revolta.
A resposta do governo - tanto faz se liderado pela UNP ou pelo
SLFP - para a crescente oposição foi provocar o
chauvinismo anti-Tamil, a fim de confundir e dividir os trabalhadores.
Essa mesma política, que foi responsável por deflagrar
a guerra civil, está estimulando a sua renovação.
A UNP e o SLFP não são capazes de solucionar nenhum
destes problemas e transferem todas as conseqüências
da guerra e da crise econômica para a classe trabalhadora.