Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 27 de outubro de 2006
Numa assembléia de trabalhadores realizada na semana
passada, os interventores da fábrica BenQ Telefones Celulares
anunciaram a demissão de quase 2.000 dos 3.000 trabalhadores
da empresa. Logo depois da assembléia, a direção
distribuiu as cartas de demissão informando aos trabalhadores
que não viessem ao trabalho na semana seguinte.
Há um ano, a Siemens - uma das maiores companhias de
eletrônicos e engenharia do mundo, com uma história
de mais de 150 anos - vendeu sua seção de telefonia
celular à companhia de Taiwan BenQ, que cancelou, no fim
de setembro, todos os seus pagamentos à subsidiária
alemã.
Na fábrica da empresa em Kamp Lintfort, no estado de
North Rhine-Westphalia, 1.100 dos 1.800 trabalhadores foram demitidos
e, em Munique, 850 dos 1.300 trabalhadores perderam seus empregos.
Muitos trabalhavam há mais de 20 anos nas ex-fábricas
da Siemens.
Segundo o interventor, Martin Prager, o futuro é incerto
para aqueles que continuam trabalhando. Ele afirma que o
mercado decidirá se o conceito de enxugamento empresarial
tem alguma chance ou não.
A novidade não é a crueldade com que antigos
trabalhadores da fábrica são demitidos. O que aconteceu
em Kamp Lintfort e em Munique demonstra, acima de tudo, ao que
conduzem as políticas - compromissos permanentes, novas
concessões, promessas vazias - de curto prazo
dos sindicatos. A conseqüência é a aceleração
da destruição dos empregos, ao invés de assegurá-los.
A recompensa pela aceitação de todas as concessões,
incluindo jornadas de trabalho mais longas e cortes de benefícios,
é uma facada nas costas.
Os lamentos do Betriebsrat (comissão de fábrica
formada pela conciliação entre o sindicato e a empresa)
e dos diretores do sindicato, suas impotentes reivindicações
por responsabilidade social à ex-proprietária
Siemens, não conseguem esconder o fato de que a venda dos
serviços de telefonia celular à BenQ no ano passado
foi uma farsa. Os sindicatos e conselhos de fábrica integram
a comissão supervisora da companhia e sabiam de todos os
seus planos.
A BenQ e a Siemens só conseguem agir com tamanha dureza
porque podem contar com a cooperação do sindicato
IG Metall e dos conselhos de fábrica. O presidente do Conselho
Central de Fábricas da Siemens, Ralf Heckmann, ocupa uma
das três cadeiras da superintendência da comissão
supervisora, junto ao ex-presidente da comissão, Heinrich
von Pierer, e ao Presidente do Deutsche Bank, Josef Feldman. Existem
razões para que o representante do conselho de fábrica
não tenha passado qualquer informação sobre
a atitude dos assim chamados delegados dos trabalhadores
em relação ao aumento no milionário salário
do chefe-executivo da Siemens, aprovado pela comissão executiva
da empresa.
Há dois anos, quando o sindicato e o conselho de fábrica
assinaram um acordo que aumentava a jornada de trabalho semanal
de 35 para 40 horas, sem aumentar os salários, eliminava
o bônus de Natal e o pagamento de férias para os
trabalhadores do setor de telefonia celular da Siemens, seus dirigentes
falaram que os sacrifícios eram inevitáveis necessários
para preservar os empregos. Na realidade, esses cortes foram o
primeiro passo em direção à venda total do
setor, uma prática que vem sendo realizada permanentemente
em outras áreas pela nova administração,
que está sob a responsabilidade de Klaus Kleinfeld.
Kleinfeld foi indicado para substituir Heinrich von Pierer
como diretor da Siemens, a fim de forçar a reestruturação
da maior empresa industrial da Alemanha, buscando atender os interesses
dos acionistas, processo já iniciado por Pierer. Kleinfeld
já tratava disso nos EUA, onde lutou decididamente durante
anos pelo lucro do acionista.
Eu assumo a responsabilidade de garantir que dentro de
18 a 24 meses todos os setores da empresa estejam em ordem,
anunciou Kleinfeld em abril de 2005, três meses depois de
ter assumido a posição de CEO (Chief Executive Officer
- diretor-executivo). Para Kleinfeld, pôr em ordem
significa reestruturar de acordo com os interesses dos acionistas.
Nunca um chefe da Siemens seguiu as exigências dos
mercados de capital de maneira tão resoluta - e arriscou
sua sorte pessoal nisso, afirmou, no começo do ano,
o principal jornal financeiro da Alemanha, Das Handelsblatt.
Os analistas estão muito interessados, continuou o jornal.
Kleinfeld fez um bom trabalho até aqui, afirmou
um acionista. Áreas em crescimento, como energia, medicina
e tecnologia industrial, têm sido fortalecidas por aquisições
como a Austrian VA Tech, a especialista em geração
de energia eólica Flender, a companhia de tecnologia medicinal
CTI Molecular Imaging.
Na condição de chefe da Siemens, Kleinfeld gastou
mais de 4 bilhões de euros em aquisições
nos primeiros nove meses. O desmantelamento de empregos
em setores problemáticos, como o de Serviços de
Negócios Siemens (SBS) e o do grupo de comunicações,
está se desenvolvendo de maneira relativamente fácil,
comentou um analista.
Kleinfeld anunciou que a meta de lucratividade é de
5 a 11 por cento, sem incluir juros e taxas. Aqueles setores que
não atingirem essa meta serão vendidos e depois
fechados, evitando assim que a Siemens tenha que arcar com altos
custos originados pelas demissões.
Os acionistas agradecem. No último ano financeiro, a
Siemens elevou seus dividendos a 1,35 euro por ação,
repassando cerca de 1.2 bilhão de euros a seus acionistas.
A maioria das ações está nas mãos
de investidores institucionais internacionais.
Os sindicatos e conselhos de fábrica formam parte desta
política de consolidação em todos
os níveis. Mesmo quando iniciou o último capítulo
da falência da BenQ, o IG Metall estava andando de mãos
dadas com a Siemens, auxiliando a liquidação da
seção de telefonia celular.
O diretor do IG Metall em North Rhine-Westphalia, Detlef Wetzel,
exigiu que a Siemens apresentasse um abrangente programa de ajuda
emergencial aos trabalhadores da BenQ. Os governos dos estados
da North Rhine-Westphalia e da Bavária sustentarão
metade dos custos de reciclagem para aqueles que estiverem perdendo
seus empregos. Tal reciclagem, cujo financiamento
é estimado pelos interventores em 100 milhões de
euros, é apenas uma transição ao desemprego.
A Siemens está realizando a mesma sistemática
em outros setores da empresa. Na semana passada, a direção
da empresa anunciou que a subsidiária dos Serviços
de Negócios Siemens (SBS) será fundida com outras
seções e formará a IT Soluções
e Serviços Siemens (SIS). No ano que vem, aproximadamente
1,5 bilhão de euros serão economizados apoiando-se
sobre as costas de 43.000 trabalhadores. Somam-se a esses outros
5.400 empregos que deverão ser cortados em todo o mundo.
Ao longo das últimas semanas, a Siemens vem negociando
com o IG Metall o aumento de duas horas na jornada de trabalho
semanal de 12.000 trabalhadores na Alemanha e o corte de 10 por
cento do salário. Isso representará um ganho adicional
para a Siemens de algo em torno de 100 milhões de euros.
A maioria das discussões já foi finalizada, mas
seu anúncio foi adiado por causa do risco de uma reação
explosiva dos trabalhadores.
Divisões dos negócios dos SBS já foram
vendidas à Fujitsu Siemens Computers (FSC). Assim que a
companhia subsidiária FSC anunciou seus resultados, declarou-se
que empregos seriam cortados. Como o movimento de vendas e as
projeções de lucros para o próximo ano financeiro
estão em perigo, mais ou menos 300 empregos serão
extintos neste ano.
No último verão, o chefe da FSC, Bernd Bischoff,
exigiu que a jornada semanal de trabalho passasse de 35 para 40
horas nas fábricas alemãs da FSC, em Augsbourg e
Soemmerda, e que os bônus de férias e Natal fossem
eliminados. As negociações com os conselhos de fábrica
continuam.
Também está à venda a divisão de
Dispositivos para Casa e Escritório Siemens (SHC), que
fabrica telefones sem fio em Bocholt, onde 2.000 dos 3.000 trabalhadores
serão afetados.
Na fábrica de Berlim da Bosch Siemens Aparelhos Domésticos
(BSH), que também está sob a ameaça de ser
fechada, o sindicato e a direção da empresa chegaram
a um acordo que segue o mesmo modelo. Em maio de 2005, a companhia
anunciou que fechará a sua unidade produtiva em Berlim
até o final de 2006.
A BSH é considerada a líder da indústria
da Europa. Desde 2001, sua movimentação mundial
de mercadorias cresceu cerca de 25%, chegando a 7,3 bilhões
de euros, com um saldo positivo de 386 milhões de euros.
Apesar deste crescimento, custos com a folha de pagamento não
cresceram menos de 5 por cento.
A direção da BSH, como a de toda a empresa Siemens,
quer transferir a produção para países onde
a força de trabalho é mais barata. Em Berlim, um
trabalhador recebe aproximadamente 1.600 euros por mês.
Há apenas alguns quilômetros de distância,
em Nauen, na ex-Alemanha Oriental, os trabalhadores da fábrica
da BSH trabalham 43 horas semanais e seus salários são
25% mais baixos (cerca de 1.200 euros), tudo com o consentimento
do sindicato.
Um pouco mais adiante, na direção leste, a situação
torna-se ainda mais lucrativa para a BSH. Na fábrica em
Lodz, na Polônia, os salários são de aproximadamente
400 euros por mês. Em Wuxi, na China, onde a BSH fabrica
máquinas de lavar roupas, os trabalhadores recebem menos
de um décimo do salário dos trabalhadores de Berlim.
Os sindicatos rejeitam qualquer luta internacional. Eles não
são capazes nem mesmo de promover a solidariedade entre
os trabalhadores das diversas regiões da Alemanha. Todavia,
os trabalhadores de Berlim estão determinados a defender
seus empregos. Eles estão em greve desde o dia 25 de setembro
para impedir o fechamento da fábrica.
O IG Metall assinou agora um acordo com a direção
da empresa que prevê a demissão de 220 dos 570 trabalhadores
ligados à produção. Além dos 220,
80 trabalhadores continuarão trabalhando no setor de desenvolvimento
e em outros setores da matriz, na capital alemã.
Com base no conhecido argumento de assegurar seus empregos
até 2010, os trabalhadores que continuam trabalhando
são obrigados a aceitar o corte de 20% em sua renda, o
que inclui reduções nos pagamentos de férias
e bônus de natal. Em alguns setores, há o aumento
da jornada de trabalho para 40 horas semanais.
O sindicato se esforça em bloquear toda luta comum dos
trabalhadores da Siemens nos mais diversos setores da empresa.
Uma prova disso é a grande manifestação que
foi organizada na semana passada pelos trabalhadores de todas
as fábricas afetadas da Siemens - com a expectativa de
participação de mais ou menos 10.000 pessoas - depois
da assinatura do acordo entre o sindicato e a direção
da empresa.