Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 25 de outubro de 2006.
O Süddeutsche Zeitung comparou uma decisão
tomada na última semana pela Corte Constitucional Alemã,
sobre o orçamento de Berlin, ao uso de uma prensa esmagando
uvas. O jornalista Heribet Prantl afirmou que a decisão
pressiona Berlim (e, da mesma forma, outros estados pobres
na República Federal) a aumentarem os cortes de gastos.
Ele esqueceu-se de dizer que as uvas que estão sendo prensadas
neste caso são as crescentes camadas de pobres e miseráveis
alemães.
Os juízes da Corte Constitucional tornaram pública
sua decisão em 19 de Outubro. Eles concordaram de maneira
unânime que Berlim não possui direito a um único
euro dos fundos federais para contrabalancear seu monstruoso déficit
orçamentário de 61,6 bilhões de euros. Os
magistrados declararam que a cidade - que implementou há
alguns anos um programa extremamente austero - é capaz
de reduzir ainda mais as despesas e aumentar os rendimentos.
Esta decisão da mais alta corte da Alemanha é
a última de uma série de ações que
aprofundaram as desigualdades sociais e regionais, cujo meio é
o aumento da disciplina orçamentária. Ela é
parte integrante de um debate feroz e extremamente hipócrita
sobre a possibilidade de caracterizar o crescente exército
de pobres como pessoas inferiores. Certamente a decisão
terá o apoio quase unânime dos círculos políticos
e econômicos.
A decisão tomada pelos juízes representa um claro
indício da política do senado de Berlin. A coalizão
governista - composta pelo Partido Social Democrata (SPD) e pelo
Partido Socialista - está atualmente envolvida num novo
termo do acordo, que fez cortes drásticos nas esferas de
educação, bem-estar social e serviços públicos,
enquanto vendia dezenas de milhares de apartamentos públicos
à investidores privados. Estas medidas foram necessárias,
de acordo com o prefeito, Klaus Wowereit, e o senador aliado seu,
Thilo Sarrazin, para demonstrar a disposição de
Berlim em cortar gastos e receber subsídios federais adicionais,
conseguindo assim melhorar, a longo prazo, a situação
financeira da cidade.
Os juízes federais pensam de maneira contrária.
Acompanhando a implementação dos drásticos
cortes realizados pelo SPD e pelo Partido Socialista, que conseguiram
amortecer a agitação social, os juízes concluíram
que a cidade pode apertar muito mais os cintos. As políticas
brutais de austeridade levadas à cabo pelo senado, dominado
pelo SPD-Partido Socialista, fortaleceu a Corte para que esta
exigisse que se realizem ataques muito maiores à população.
Não há nenhuma dúvida de que o SPD e o Partido
Socialista seguirão esta linha.
A decisão da Corte Constitucional Federal é importante
por várias razões.
Em primeiro lugar, ela força todos os 16 estados da
Alemanha a intensificar seus atuais programas de austeridade fiscal.
Isso não se aplica somente a Berlim, mas também
aos outros estados muito endividados, como Bremen e Sarre. Eles
também devem deixar de lado qualquer esperança de
receber subsídios federais adicionais ou ajuda de outros
estados em melhor situação.
Evidentemente, os juízes possuem as mesmas opiniões
do capital alemão, de que Berlim, que há muito tempo
é atormentada pelo desemprego e miséria, não
está tão pobre. Em seu relatório verbal do
julgamento, um dos juízes, Winfried Hassemer, cinicamente
lembrou as palavras antes usadas pelo prefeito Wowereit, que descreveu
Berlim como pobre, mas sensual. Hassemer advertiu
que podemos concluir que talvez Berlim seja tão sexy
justamente por não ser tão pobre.
Em seu julgamento, a Corte indicou onde podem ser realizados
mais cortes. Eles criticaram Berlim por investir consideravelmente
mais em suas universidades e instituições de ciência
e cultura do que Hamburgo, outra grande cidade alemã. Para
complementar, a Corte sugeriu que Berlim venda os 270.000 apartamentos
estatais restantes - uma medida que irá inevitavelmente
resultar no aumento dos aluguéis e despejos, e privar o
Senado de um importante meio de influenciar a política
social.
Atualmente, Berlim é a líder alemã na
privatização da propriedade do Estado. A fim de
conseguir realizar as privatizações, foi desenvolvido
na década de 1990 o chamado modelo de Berlim.
Soma-se a isso uma política de garantia de lucro privado,
impondo a responsabilidade pelos prejuízos ao governo.
A conta deve ser paga pela população.
A privatização parcial da companhia de água
de Berlim impôs uma despesa familiar anual média
de 500 euros - por volta de 200 euros a mais do que a despesa
em Munique ou Colônia. O salvamento do senado, utilizando
o dinheiro dos contribuintes, para saldar a dívida bilionária
contraída pela Companhia Bancária de Berlim, também
são parte do modelo de Berlim.
Os juízes federais não criticaram de nenhuma
forma políticas como essa, nem questionaram as ínfimas
taxas governamentais cobradas dos mais ricos. Ao invés
disso, sugeriram um aumento nas taxas comerciais, ainda que a
cidade tenha experimentado uma drástica redução
do parque industrial e igual redução do nível
de emprego desde a reunificação da Alemanha, em
1990.
A decisão da Corte Constitucional teve outro importante
aspecto: ela estimula as restrições sobre a autonomia
financeira dos estados, enquanto mantém as condições
existentes de competição entre os estados. Ela exige
regras legais estipulando a escala das dívidas, uma reorganização
da distribuição das finanças entre os estados,
e a dissolução dos menores estados com problemas
financeiros. Cidades-estado como Berlim, Hamburgo e Bremen, ou
estados menores como Sarre, podem perder sua autonomia.
Aqueles estados com uma base financeira sólida, localizados
no sul do país, estão exigindo, há muito
tempo, uma redistribuição das finanças entre
os estados. Eles deixaram claro que não estão preparados
para dar qualquer auxílio aos estados mais pobres do norte
e do leste da Alemanha. O Primeiro-Ministro da Bavária,
Edmund Stoiber, entusiasmado, aprovou a decisão da Corte,
caracterizando-a como um claro indicador rumo a uma
reforma das relações financeiras entre a Federação
Alemã e os estados.
Uma mudança nessas relações é a
meta da segunda etapa da proposta da reforma do federalismo. De
acordo com o ex-presidente alemão, Roman Herzog, ex-membro
da Corte Constitucional, tal reforma poderá resultar em
um tipo de taxa, sistema de orçamento e gastos baseados
numa responsabilidade mais direta por parte dos estados.
Responsabilidade direta neste caso significa que
os estados irão competir pelos investimentos e pela instalação
de companhias, através da redução de taxas,
uma atitude flexível com respeito às
leis trabalhistas e ambientais, e outras vantagens locais
- em vez de estabelecer um apoio mútuo entre os estados,
como tem ocorrido até agora.
O resultado disso tudo poderia ser, por outro lado, o abandono
de regiões inteiras e, na mesma proporção,
o surgimento de centros de excelência, onde os aluguéis
e os custos de vida são tão exorbitantes que os
desempregados e outras camadas desfavorecidas estariam automaticamente
excluídos - o que significa, em outras palavras, um aprofundamento
das desigualdades sociais e regionais.
A última decisão da Corte Constitucional Federal
segue exatamente a mesma linha daquela realizada em 25 de Agosto
de 2005. Nesse episódio, a Corte ratificou a anterior dissolução
do parlamento alemão pelo Chanceler Gehard Schröder,
embora essa decisão violasse a constituição
alemã. Ao tomar esta decisão, a Corte Constitucional
fortaleceu o poder do executivo em relação ao parlamento
e ao eleitorado.
Como resultado as novas eleições foram orientadas
para trazer ao poder um governo de direita e neoliberal, liderado
por Angela Merkel (União Democrática Cristã
- CDU) e Guido Westerwelle (Partido Democrático Livre -
FDP), depois que Schröder encontrou uma crescente resistência
popular ao seu programa de cortes sociais e de bem-estar - a chamada
Agenda 2010. O eleitorado interrompeu esses planos,
e os partidos conservadores e o FDP não conseguiram maioria.
O resultado foi uma grande coalizão (SPD, CDU e a União
Social Cristã), que agora está enfrentando enormes
dificuldades.
Este julgamento sobre o orçamento de Berlim abre as
portas para uma nova onda de ataques sobre as condições
sociais de amplas camadas sociais. Por muito tempo, durante o
período pós-guerra, a Corte Constitucional Alemã
atuou como uma força moderada, frequentemente derrotando
políticos exaltados, defendendo e sustentando a harmonia
social. No entanto, agora ela está, de forma crescente,
assumindo o papel de agitador partidário da elite dominante,
que está deflagrando uma guerra contra as massas trabalhadoras.