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Alemanha: Decisões da Justiça a respeito do orçamento de Berlim aprofundam divisões sociais

Por Peter Schwarz
1 Noviembre 2006

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 25 de outubro de 2006.

O Süddeutsche Zeitung comparou uma decisão tomada na última semana pela Corte Constitucional Alemã, sobre o orçamento de Berlin, ao uso de uma prensa esmagando uvas. O jornalista Heribet Prantl afirmou que a decisão pressiona “Berlim (e, da mesma forma, outros estados pobres na República Federal) a aumentarem os cortes de gastos”. Ele esqueceu-se de dizer que as uvas que estão sendo prensadas neste caso são as crescentes camadas de pobres e miseráveis alemães.

Os juízes da Corte Constitucional tornaram pública sua decisão em 19 de Outubro. Eles concordaram de maneira unânime que Berlim não possui direito a um único euro dos fundos federais para contrabalancear seu monstruoso déficit orçamentário de 61,6 bilhões de euros. Os magistrados declararam que a cidade - que implementou há alguns anos um programa extremamente austero - é capaz de reduzir ainda mais as despesas e aumentar os rendimentos.

Esta decisão da mais alta corte da Alemanha é a última de uma série de ações que aprofundaram as desigualdades sociais e regionais, cujo meio é o aumento da disciplina orçamentária. Ela é parte integrante de um debate feroz e extremamente hipócrita sobre a possibilidade de caracterizar o crescente exército de pobres como pessoas “inferiores”. Certamente a decisão terá o apoio quase unânime dos círculos políticos e econômicos.

A decisão tomada pelos juízes representa um claro indício da política do senado de Berlin. A coalizão governista - composta pelo Partido Social Democrata (SPD) e pelo Partido Socialista - está atualmente envolvida num novo termo do acordo, que fez cortes drásticos nas esferas de educação, bem-estar social e serviços públicos, enquanto vendia dezenas de milhares de apartamentos públicos à investidores privados. Estas medidas foram necessárias, de acordo com o prefeito, Klaus Wowereit, e o senador aliado seu, Thilo Sarrazin, para demonstrar a disposição de Berlim em cortar gastos e receber subsídios federais adicionais, conseguindo assim melhorar, a longo prazo, a situação financeira da cidade.

Os juízes federais pensam de maneira contrária. Acompanhando a implementação dos drásticos cortes realizados pelo SPD e pelo Partido Socialista, que conseguiram amortecer a agitação social, os juízes concluíram que a cidade pode apertar muito mais os cintos. As políticas brutais de austeridade levadas à cabo pelo senado, dominado pelo SPD-Partido Socialista, fortaleceu a Corte para que esta exigisse que se realizem ataques muito maiores à população. Não há nenhuma dúvida de que o SPD e o Partido Socialista seguirão esta linha.

A decisão da Corte Constitucional Federal é importante por várias razões.

Em primeiro lugar, ela força todos os 16 estados da Alemanha a intensificar seus atuais programas de austeridade fiscal. Isso não se aplica somente a Berlim, mas também aos outros estados muito endividados, como Bremen e Sarre. Eles também devem deixar de lado qualquer esperança de receber subsídios federais adicionais ou ajuda de outros estados em melhor situação.

Evidentemente, os juízes possuem as mesmas opiniões do capital alemão, de que Berlim, que há muito tempo é atormentada pelo desemprego e miséria, não está tão pobre. Em seu relatório verbal do julgamento, um dos juízes, Winfried Hassemer, cinicamente lembrou as palavras antes usadas pelo prefeito Wowereit, que descreveu Berlim como “pobre, mas sensual”. Hassemer advertiu que “podemos concluir que talvez Berlim seja tão sexy justamente por não ser tão pobre.”

Em seu julgamento, a Corte indicou onde podem ser realizados mais cortes. Eles criticaram Berlim por investir consideravelmente mais em suas universidades e instituições de ciência e cultura do que Hamburgo, outra grande cidade alemã. Para complementar, a Corte sugeriu que Berlim venda os 270.000 apartamentos estatais restantes - uma medida que irá inevitavelmente resultar no aumento dos aluguéis e despejos, e privar o Senado de um importante meio de influenciar a política social.

Atualmente, Berlim é a líder alemã na privatização da propriedade do Estado. A fim de conseguir realizar as privatizações, foi desenvolvido na década de 1990 o chamado “modelo de Berlim”. Soma-se a isso uma política de garantia de lucro privado, impondo a responsabilidade pelos prejuízos ao governo. A conta deve ser paga pela população.

A privatização parcial da companhia de água de Berlim impôs uma despesa familiar anual média de 500 euros - por volta de 200 euros a mais do que a despesa em Munique ou Colônia. O salvamento do senado, utilizando o dinheiro dos contribuintes, para saldar a dívida bilionária contraída pela Companhia Bancária de Berlim, também são parte do “modelo de Berlim”.

Os juízes federais não criticaram de nenhuma forma políticas como essa, nem questionaram as ínfimas taxas governamentais cobradas dos mais ricos. Ao invés disso, sugeriram um aumento nas taxas comerciais, ainda que a cidade tenha experimentado uma drástica redução do parque industrial e igual redução do nível de emprego desde a reunificação da Alemanha, em 1990.

A decisão da Corte Constitucional teve outro importante aspecto: ela estimula as restrições sobre a autonomia financeira dos estados, enquanto mantém as condições existentes de competição entre os estados. Ela exige regras legais estipulando a escala das dívidas, uma reorganização da distribuição das finanças entre os estados, e a dissolução dos menores estados com problemas financeiros. Cidades-estado como Berlim, Hamburgo e Bremen, ou estados menores como Sarre, podem perder sua autonomia.

Aqueles estados com uma base financeira sólida, localizados no sul do país, estão exigindo, há muito tempo, uma redistribuição das finanças entre os estados. Eles deixaram claro que não estão preparados para dar qualquer auxílio aos estados mais pobres do norte e do leste da Alemanha. O Primeiro-Ministro da Bavária, Edmund Stoiber, entusiasmado, aprovou a decisão da Corte, caracterizando-a como um “claro indicador” rumo a uma reforma das relações financeiras entre a Federação Alemã e os estados.

Uma mudança nessas relações é a meta da segunda etapa da proposta da reforma do federalismo. De acordo com o ex-presidente alemão, Roman Herzog, ex-membro da Corte Constitucional, tal reforma poderá resultar em um tipo de taxa, sistema de orçamento e gastos baseados numa “responsabilidade mais direta por parte dos estados”.

“Responsabilidade direta” neste caso significa que os estados irão competir pelos investimentos e pela instalação de companhias, através da redução de taxas, uma atitude “flexível” com respeito às leis trabalhistas e ambientais, e outras “vantagens locais” - em vez de estabelecer um apoio mútuo entre os estados, como tem ocorrido até agora.

O resultado disso tudo poderia ser, por outro lado, o abandono de regiões inteiras e, na mesma proporção, o surgimento de centros de excelência, onde os aluguéis e os custos de vida são tão exorbitantes que os desempregados e outras camadas desfavorecidas estariam automaticamente excluídos - o que significa, em outras palavras, um aprofundamento das desigualdades sociais e regionais.

A última decisão da Corte Constitucional Federal segue exatamente a mesma linha daquela realizada em 25 de Agosto de 2005. Nesse episódio, a Corte ratificou a anterior dissolução do parlamento alemão pelo Chanceler Gehard Schröder, embora essa decisão violasse a constituição alemã. Ao tomar esta decisão, a Corte Constitucional fortaleceu o poder do executivo em relação ao parlamento e ao eleitorado.

Como resultado as novas eleições foram orientadas para trazer ao poder um governo de direita e neoliberal, liderado por Angela Merkel (União Democrática Cristã - CDU) e Guido Westerwelle (Partido Democrático Livre - FDP), depois que Schröder encontrou uma crescente resistência popular ao seu programa de cortes sociais e de bem-estar - a chamada “Agenda 2010”. O eleitorado interrompeu esses planos, e os partidos conservadores e o FDP não conseguiram maioria. O resultado foi uma grande coalizão (SPD, CDU e a União Social Cristã), que agora está enfrentando enormes dificuldades.

Este julgamento sobre o orçamento de Berlim abre as portas para uma nova onda de ataques sobre as condições sociais de amplas camadas sociais. Por muito tempo, durante o período pós-guerra, a Corte Constitucional Alemã atuou como uma força moderada, frequentemente derrotando políticos exaltados, defendendo e sustentando a harmonia social. No entanto, agora ela está, de forma crescente, assumindo o papel de agitador partidário da elite dominante, que está deflagrando uma guerra contra as massas trabalhadoras.