A revista de negócios americana Forbes publicou
recentemente sua lista de bilionários de 2005, que inclui
33 cidadãos russos, ilustrando uma vez mais como a vida
política da Rússia contemporânea, sob a liderança
do presidente Putin, visa primordialmente à satisfação
dos interesses dos grandes negócios e dos oligarcas pós-soviéticos.
A riqueza das pessoas mais ricas do planeta aumenta numa velocidade
sem precedentes. Em 2005, o número de bilionários
alcançou 793, contingente este acrescido de 102 indivíduos
sobre o total do ano precedente, e seus valores líquidos
excederam 2,3 trilhões de dólares, elevando-se,
assim, em 18%. A riqueza média de cada membro do privilegiado
elenco dos super-ricos da lista é de 3,3 bilhões
de dólares.
Os indicadores do "setor russo" na lista, que aumentou
em seis indivíduos desde o ano passado, correspondem exatamente
a esta tendência geral, e por vezes até a excede.
O montante líquido de recursos dos nouveauxx riches(a)
quase que dobrou no curso de um ano, passando de 91 bilhões
de dólares para 172 bilhões de dólares. Doze
deles figuram no topo dos 100 mundiais. No pico, acha-se Roman
Abramovich, o governador da Chukotka(b) proprietário do
clube de futebol britânico Chelsea(c). Sua fortuna cresceuespecialmente
por causa da venda da companhia Sibneft(d)aproximadamente
$5 bilhões, e é estimada em $18,2 bilhões.
Ele passou do 21º para o 11º lugar na lista mundial.
Depois dele vem o presidente da Lukoil(e) Vagit Alekperov,
ex-vice-ministro da indústria estatal de petróleo
russa, cuja riqueza mais do que dobrou, alcançando 11 bilhões
de dólares.
Em seguida, vêm Vladimir Lisin, diretor da aciaria Novolipetsk;
Viktor Vekselberg, comprador da Faberge(f) e pretendente ao governo
da Kamchatka, diretor da Sibéria-Ural Aluminium Company-SUAL
e da empresa petrolífera TNK-BP; Mikhail Fridman, diretor
principal do consórcio Alfa Group Consortium; e outros
conhecidos e não bem conhecidos "heróis".
Como referido em editorial do periódico Gazeta, a maioria
dos novos membros da "Lista Russa" tinha de dar informações
sobre sua faixa de renda (income public), inclusive sobre as vendas
iniciais de ações ordinárias. Como resultado,
verificou-se que o montante da riqueza do vice-presidente do Gupo
Evraz, Alexandr Frolov, representava 2,3 bilhões de dólares,
enquanto que o gerente geral da Novatek, Leonid Mikhelson, é
de 2,5 bilhões de dólares.
A Rússia subiu para o terceiro lugar no mundo, após
os Estados Unidos e a Alemanha, no número de bilionários.
Além disto, Moscou elevou-se para a classe de cidades com
o segundo maior número de bilionários, após
Nova Iorque: nesta última, há 40 deles; em Moscou,
25; em Londres, 23.
O número de russos fazendo parte da lista da Forbes
podia ser maior se muitas empresas dessa nacionalidade já
tivessem realizado uma venda inicial de ações ordinárias
ao público, e, de acordo com a "tradição",
preferissem não revelar seus verdadeiros donos e suas receitas.
Ademais, representantes do Gazprom e do Sistema Único de
Energia russos, monopólios gigantescos pertencentes ao
Estado, estão ausentes da lista. A lista Forbes
documenta uma tendência mundial que se manifesta com agudo
vigor nos anos recentes.
Consiste na maciça acumulação de riquezas
em poucas mãos, adquiridas não tanto por aquisições
no campo produtivo como também pela constante redistribuição
da riqueza nacional da base para o topo por meio da redução
de impostos dos ricos e favorecimento de novos privilégios
aos grandes negócios e, simultaneamente, destruindo mecanismos
e estruturas sociais criados no pós-Segunda Guerra Mundial.
O caráter especulativo e profundamente parasítico
das riquezas mundiais dos bilionários é acentuado
pelo fato de que a riqueza de muitos dos figurantes na lista incrementou
devido ao crescimento dos mercados financeiros. Na Índia,
onde o índice das ações elevou-se 54% no
período de 12 meses, 10 novos bilionários surgiram.
Na China, que atrai uma significativa fatia dos investimentos
internacionais, graças à mão-de-obra barata
e ao regime burocrático repressivo, o número de
bilionários era de apenas oito, quatro vezes superior ao
de 2004. Todavia, o mais impressionante aumento no número
de ricos foi registrado nos Estados Unidos, onde 44 novos milionários
apareceram no ano passado. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos são
o maior devedor do mundo, pois que detentor de tremendo saldo
negativo de sua balança comercial e financeira, mantendo
a estabilidade de sua economia num grau significativo por causa
do influxo diário de 2 bilhões de dólares
vindos do exterior e da crescente bolha de transações
especulativas imobiliárias.
De que forma a oligarquia russa amontoou tanto dinheiro no
ano passado? Principalmente através da pilhagem dos recursos
naturais, e como resultado da expansão do mercado financeiro.
Quase todos os bilionários russos controlam a exportação
de matérias primaspetróleo, gás e metais
básicos. As elevadas cotações mundiais das
matérias primas propiciaram a esses exportadores receitas
recordes. Noutras palavras, a incrementada riqueza dos russos
abastados não é reflexo do crescimento real da economia
e da elevação do padrão de vida, mas na verdade
evidencia a permanência da situação geral
do pais como exportador de matérias-primas e também
de apêndice do mercado capitalista mundial, além
de manter-se sua condição de miserabilidade da maioria
absoluta da população.
O histórico da venda no último ano da Sibneft,
comprada pela Gazprom por 13 bilhões de dólares,
constitui um exemplo instrutivo de como a oligarquia russa enriquece
sob o governo de Putin. Lembramos ao leitor que a privatização
da Sibneft num esquema de leilão para aquisição
de ações por meio de empréstimos ("loans-for-shares")
custou aos proprietários da companhiaB. Berezovsky(g)
e R. Abramovich -, à época, 100 milhões de
dólares. Às vésperas da venda à Gazprom,
a Sibneft foi uma das mais "opacas" companhias, implementando
os esquemas de sonegação de impostos similares aos
implementados pela Yukos.
Por exemplo, a taxa de lucro efetiva (effective tax rate) da
Sibneft em 2003 foi somente 7% (na primeira metade do ano apenas
4,8%), enquanto a taxa básica foi de 24%.
Por vários anos, a Câmara de Auditagem da Federação
russa tem sido constantemente advertida das violações
praticadas em larga escala pela Sibneft. Assim, em 2001 a Sibneft
subtraiu pagamentos no montante de 10 bilhões de rublos.
Em 2003, auditores da Câmara de Auditagem anunciaram que
a Sibneft tinha desviado 14 bilhões de rublos através
de sucursais ultramarinas componentes do feudo de Roman Abramovich,
a Chukotka. Ao mesmo tempo, o débito da Chukotka Corporation
para com o estado era de 9,3 bilhões de rublos (quantia
que excede em duas vezes e meia a capacidade geradora de receitas
do orçamento regional).
Vários meses antes de a transação da Gazprom-Sibneft
começar a ser delineada, a Inspetoria Federal de Tributação
(Federal Tax Service) detinha ainda um certo número de
queixas contra a companhia, totalizando cerca de 1 bilhão
de dólares. Às vésperas da transação
todas as reclamações respeitantes à empresa
foram retiradas, e, de acordo com informação que
circulou na mídia, a Sibneft esperneou e conseguiu pagar
apenas 300 milhões de dólares em lugar do bilhão
exigido.
A compra da Sibneft foi efetuada de acordo com o "esquema
cinza". Um registro de acionistas da companhia Millhouse
Capital, cujas contas absorveram o valor intergral, nunca foi
publicado. Dessa forma, os titulares recebedores dos fundos da
Gazprom permanecem desconhecidos do grande público.
Sabe-se que até a época da venda, o volume de
petróleo extraído pela companhia diminuía
como resultado da catastrófica deterioração
de seus ativos físicos e por causa da exaustão de
suas reservas e da queda da prospecção geológica.
Os analistas do mercado petrolífero predizem que é
improvável que tal tendência seja afastada, pelo
menos em futuro próximo, uma vez que os investimentos das
companhias petrolíferas russas para renovação
de suas infraestruturas e das explorações geológicas
são completamente inadequados.
É também necessário mencionar que em 2001
Abramovich adquiriu de B. Berezovsky metade das ações
da empresa - isto é, toda participação deste
acionista na companhiapor 1,3 bilhão de dólares.
Então, Abramovich considerou o valor de sua aquisição
um "preço justo".
Resumindo estes dados, pode-se supor que o preço pago
pela aquisição da Sibneft foi essencial e propositalmente
exagerado. Em particular, peritos do Instituto de Estratégias
Nacionais (National Strategy Institute), sob direção
do cientista político nacional-liberal Stanislav, chegaram
a esta conclusão espelhada num relatório intitulado
"O Poder do Dinheiro. A Estratégia Decisiva da Elite
Dirigente Russa", publicado em dezembro do ano passado.
A realidade é que a os oligarcas russos continuam a
determinar integralmente as decisões parlamentares e governamentais,
e, mesmo que eles estejam dispostos a desistir do domínio
dos mais lucrativos setores da economia russa, ainda assim receberão
enormes compensações. Todos os problemas restantes
são deixados por conta do orçamentoi.é,
serão pagos pelos contribuintes comuns. Paralelamente às
orgias do enriquecimento, a condição da maioria
dos habitantes do país agrava-se a cada instante, o que
é demonstrado pelos protestos maciços contra a monetarização
dos serviços sociais no último ano (a monetarização
reduziu drasticamente o dispêndio global do estado com as
camadas sociais mais vulneráveis da população),
e igualmente os protestos contra as reformas dos serviços
sociais urbanos residenciais (home utilities) este ano.
O objetivo da reforma dos encargos residenciais urbanos é
transferir a totalidade de seus custos públicos para seus
usuários, ao mesmo tempo em que estes dispêndios
se elevam. Os custos dos serviços públicos elevaram-se
entre 30% e 40% exatamente no começo do ano, enquanto a
inflação para janeiro e fevereiro, de acordo com
dados oficiais, elevou-se em apenas 4%. Isto é, a metade
do percentual que o governo estimou para todo ano.
As condições educacionais, de saúde pública,
auxílio moradia, e demais serviços assistenciais
para os idosos têm piorado sensivelmente. O jornal Izvestiya
em 10 de março publicou um artigo de acordo com o qual
o sistema de pensões russo está ameaçado
de colapso. Simultaneamente ao fracasso do sistema privado de
pensões, essencialmente por causa da falibilidade das instituições
financeiras privadas russas, o déficit do Fundo Estatal
de Pensões alcançou 112 bilhões de rublos
no ano passado. Uma redução de apenas uma única
taxa de impostos é apontada como uma das causas básicasuma
dentre uma série das medidas das reformas de mercados "institucionalizadas"
pelo governo de V. Putin.
De acordo com estimativas da Câmara de Auditagem, o déficit
orçamentário do Fundo de Pensão em 2008 alcançaria
1,3 bilhões de dólares, e por volta de 2012, na
opinião de especialistas, será de 23 bilhões
de dólares. Isto poderia significar o colapso de um sistema
de pensões incapaz de reagir adequadamente a uma situação
macroeconômica desfavorável diante de uma queda das
receitas petrolíferas estatais. A despeito dos esforços
dos ideólogos do Kremlin e de todos aqueles a insistirem
que as políticas do governo de Putin constituem a restauração
parcial da justiça social e a prática de alguma
oposição às condições vigentes
sob Boris Yeltsin na década de 1990, seu conteúdo
real representa a garantia ainda maior dos ilimitados privilégios
estabelecidos de uma minoria insignificante ao próprio
enriquecimento às expensas da maioria da sociedade. O chamado
nacionalismo é exatamente uma outra forma assumida pela
crescente desigualdade social.
Tradução de Odon Porto de Almeida.
N. do trad. (a) Novos ricos, em francês no original.
(b) Região autônoma situada no extremo oriente da
Federação Russa. Tem 721,7 mil quilômetros
quadrados, e apenas 55.000 habitantes. Subsolo muito rico em minérios.
(c) Clube de futebol britânico, fundado em 1905. (d) Maior
empresa petrolífera russa. Criada por decreto presidencial
em 1995. Privatizada através de uma série de leilões.
(e) A segunda maior empresa petrolífera russa. (f) Célebre
ourivesaria, fundada no século XVII por uma família
francesa do mesmo nome, da qual alguns membros se estabeleceram
em São Petersburgo. Suas jóias foram muito apreciadas
pela nobreza russa. Carlos Gustavovitch Faberge (1846-1920), de
nacionalidade russa, foi o mais famoso joalheiro da família.
(g) Boris Berezovsky nasceu em Moscou em 1946. Matemático.
Foi membro da Academia de Ciência da ex-URSS. Hoje é
m dos principais mafiosos russos. Sua fortuna, obtida através
de negociatas relacionadas com as privatizações
seqüentes à queda do regime burocrático soviético,
é avaliada em 3 bilhões de dólares. Contribuiu
para a ascensão de Putin, de quem se afastou posteriormente.
Vive na Inglaterra como exilado, após acusações
de uma série de crimes financeiros.