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Aprofundamento da crise no Brasil: ascenção e queda de Palocci

Por Mário Y. de Almeida
30 Marzo 2006

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O Partidos dos Trabalhadores, PT, partido do presidente Luís Inácio Lula da Silva, nasceu nas grandes greves metalúrgicas de 1978-80. Lula, então dirigente do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo, cidade industrial do estado de São Paulo, liderou aquelas greves históricas que chegaram a realizar assembléias de aproximadamente 100.000 operários. A principal daquelas greves, a de 1980, estendeu-se por todo o estado de São Paulo atingindo as diversas regiões industriais, entre elas, aquela de Ribeirão Preto, um dos mais ricos pólos comerciais e industriais do Brasil. Nessa região situa-se um importante centro da Universidade de São Paulo, a principal do país. Em 1980, lá estudava medicina o jovem Antônio Palocci Filho, futuro ministro da economia do presidente Lula em 2003. Naquela época, no entanto, Palocci, apenas um jovem estudante, militava no grupo clandestino intitulado Organização Socialista Internacionalista (OSI), seção brasileira do CORQUI (Comitê de Reconstrução da Quarta Internacional), fração de Pierre Lambert, que se propunha "reconstruir" a IV Internacional fundada por Trotsky. Sabe-se que esse CORQUI nada fez para a construção da IV Internacional, mas, sem dúvida, foi o campeão entre os setores trotsquistas traidores que ajudaram a construir o Partido dos Trabalhadores liderado por Lula. Basta lembrar que do atual governo de Lula, participam ou participaram diversos ex-"trotsquistas" lambertistas como Palocci, entre eles, lembramos, Luís Gushiken, ex-ministro que recentemente também caiu por denúncias de corrupção.

Quem conheceu aquele Palocci dos anos 80, lembra de um estudante conciliador, bastante tímido, que nem sequer era apontado para falar nas assembléias estudantis em nome da tendência a que pertencia, a Liberdade e Luta. Porém, com o desenvolvimento do Partido dos Trabalhadores e com a adesão oportunista, sem críticas, da OSI a esse partido centrista, logo, o medíocre Palocci começou a sua brilhante carreira, sempre se mostrando hábil nos bastidores e sempre galgando cargos e poder. Disputou em 1988 as eleições para vereador de Ribeirão Preto e foi um dos mais votados. Dois anos depois, em 1990, sem cumprir integralmente o mandato de vereador de quatro anos, foi eleito deputado estadual. Em 1992, mais uma vez, sem cumprir o mandato, foi eleito prefeito de Ribeirão Preto. Esse foi o único mandato completado integralmente por Palocci. Em seu governo, logo aquele ex-seguidor de Lambert, surpreendeu a todos pela ousadia capitalista: privatizou parte da companhia telefônica local e concedeu à iniciativa privada o tratamento de esgoto da cidade, mostrando-se um grande negociador e amigo do empresariado local. Nessa época foi criando uma equipe de empresários e amigos que hoje são conhecidos como a "gangue de Ribeirão Preto". Palocci terminou a sua primeira gestão de prefeito em 1996. Naquele ano, ainda não era permitida a reeleição para cargos executivos, somente aprovada em 1998 pelo Congresso Nacional. Assim, em 1997, foi eleito presidente do PT do Estado de São Paulo. Nas eleições de 1998, já utilizando os recursos da "máquina partidária" do PT, Palocci foi eleito deputado federal com votação expressiva: cerca de 100.000 votos. Mais uma vez, não completou o mandato. Em 2000, candidatou-se novamente para a prefeitura de Ribeirão Preto, sendo eleito com grande facilidade. O uso da poderosa máquina partidária já transpareceu nessa eleição de maneira acintosa. Palocci venceu a eleição, no primeiro turno, tendo como publicitário de campanha, nada menos que Duda Mendonça, um dos mais caros propagandistas políticos do país. Os rumos ideológicos do ex-esquerdista ficavam já bem claros nessa campanha: o seu vice-prefeito era o presidente da Associação Comercial e Industrial, e quando assumiu o governo, colocou um banqueiro em uma das secretarias municipais. Cercado pela sua "gangue de empresários" que crescia sempre, Palocci transitava bem nos meios financeiros e ganhava fama de grande administrador.

Mas, a fase decisiva que o levaria ao ministério da Economia de Lula só começa em 2002. Celso Daniel, prefeito de Santo André, era o indicado para comandar a campanha presidencial do candidato Lula, mas eis que acontece o incidente até hoje não esclarecido: Celso Daniel foi assassinado em um seqüestro considerado crime comum pela polícia. Teria sido crime comum ou político? Até hoje pairam sérias dúvidas. Basta dizer que após a morte de Celso Daniel, seis testemunhas envolvidas no caso também foram assassinadas. Seja como for, com a morte de Celso Daniel, Palocci assume a coordenação da campanha do então candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva. Com a vitória de Lula, Palocci assume a coordenação da equipe de transição e, logo depois, para surpresa geral, já que ele é médico de formação, foi nomeado ministro da Economia.

Qual foi então a sua política econômica? Decepcionando totalmente os sindicatos, as bases do PT, e setores do empresariado nacional, surpreendeu favoravelmente até os mais otimistas técnicos e seguidores do Fundo Monetário Internacional: continuou a política econômica de grande austeridade do governo Fernando Henrique Cardoso, e até aprofundou todas as medidas impopulares já praticadas a mando do FMI, tais como os juros altos, o combate à inflação, os cortes sociais, a reforma da previdência, e o pagamento até adiantado da dívida externa. A tal ponto chegaram as suas medidas impopulares que setores do próprio PT, temendo pelo resultado das próximas eleições, começaram a pressionar pela sua saída. No entanto, sustentado pelos banqueiros e pelo capital internacional, Palocci continuava firme no seu cargo, sendo defendido pela oposição burguesa. Assim, no auge de crise do governo Lula, no segundo semestre de 2005, sob o fogo de denúncias de corrupção que ameaçavam até o impeachment do presidente, era ele, Palocci, que aparecia como o intocável: aquele que seria a melhor ou até a única parte boa do governo Lula. Assim é que caiu o ministro chefe da casa civil, José Dirceu, o outro homem forte de Lula, e Palocci, ao contrário, aparecia como até possível candidato à sucessão de Lula.

No entanto, paradoxalmente, o intocável Palocci, apoiado pelo sistema financeiro internacional e pelo grande capital, apoiado pelos partidos burgueses de oposição, apoiado e considerado intocável pelo próprio Lula, viria a tombar pela podridão do seu passado que transitou para o presente. Os primeiros ataques viriam da própria "gangue de Ribeirão Preto", aquela que o ajudou na sua subida meteórica, mas que, talvez, nos últimos tempos, tenha sido esquecida um pouco pelo poderoso ministro. Um ex-sócio da gangue, Burati, começou as denúncias. Palocci inicialmente resistiu e negou durante um certo tempo todas as denúncias, mas, fatos escandalosos começaram a surgir. Hoje se sabe que quando Lula chegou ao governo, em 2002/3, a "gangue" alugou uma mansão em Brasília que servia para fazer lobby de empresários junto ao governo e junto ao próprio ministério da Economia. Na casa da "gangue" se faziam negociatas, vendas de favores e corriam malas de dinheiro vivo. Além disso, ocorriam grandes festas, com empresários, políticos e prostitutas. Nildo, o empregado que cuidava da casa, testemunhou que no dia seguinte a cada festa, os quartos estavam cheios de garrafas vazias de vinho e de whisky importado, caixas vazias de preservativos e de Viagra. Nildo ainda relatou que Palocci vinha freqüentemente a essa casa e que chegou a levar um envelope de dinheiro para o ministro no próprio prédio do governo. Diante dessas denúncias do simples e humilde Nildo, a defesa do governo cometeu um grave erro: violou o sigilo bancário de Nildo para saber se o caseiro não estava recebendo dinheiro da oposição. Ora, pela legislação brasileira, violar o sigilo bancário sem autorização judicial é crime grave que pode levar a até seis anos de prisão. O escândalo chegou a tais proporções que Lula voltou a cair na opinião pública. As eleições se aproximam e era necessário estancar o escândalo a qualquer custo. Finalmente, apesar dos banqueiros e do capital internacional, Lula, contra a sua própria vontade, por uma questão de sobrevivência, foi obrigado a demitir o seu ministro mais forte e mais querido pela oposição e pela burguesia brasileira.

A trajetória de Palocci, desde 1980, sua subida meteórica e sua queda, desde a sua militância em um grupo que se dizia trotsquista, passando pela construção do PT, pelas sucessivas vitórias eleitorais no PT, pelas suas sucessivas traições e suspeitas de crimes, suas alianças com os banqueiros e com o capital internacional, até os escândalos da casa alugada pela "gangue de Ribeirão Preto", são uma pequena história e uma breve síntese da profunda crise que assola hoje tanto a chamada "esquerda" como a dominação burguesa no Brasil. Vive-se no Brasil o fim de um longo ciclo, do qual Palocci. é uma parte e um símbolo. Não será mais possível trair da mesma forma como fez esse ex-lambertista e os outros ditos "trotsquistas" que ajudaram a construir o Partido dos Trabalhadores. O PT, por outro lado, não será mais capaz de iludir os trabalhadores da mesma maneira como fez durante estes vinte e seis anos. Que fará a burguesia sem a ajuda do PT e dos seus palocci(s)? Um grande vazio se abre, chegou a hora da construção de uma nova direção no Brasil, uma direção verdadeiramente internacionalista e revolucionária.

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