Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 11 de março de 2006.
Sempre que novo presidente é eleito no Sri Lanka, ilha
independente situada no sul da Ásia, habitualmente aparecem
promessas de soluções para resolver todos os males
políticos e sociais, a partir de uma suposta "novo
programa". Quando Mahinda Rajapakse venceu por uma pequena
margem de votos a eleição em novembro, ele prometeu
implementar imediatamente seu grande planoMahinda Chinthana
ou Visão de Mahinda. Mais de cem dias após a posse
de Mahinda, no entanto, a situação no Sri Lanka
sofreu uma drástica virada para pior.
O Partido da Igualdade Socialista (PIS), vinculado ao
Comitê Internacional da Quarta Internacional, alertou em
seu manifesto eleitoral: "Por trás de Rajapakse existem
camadas da burocracia estatal, militar, da hierarquia budista
e empresarial, cujos interesses estão atrelados à
manutenção da supremacia do Sinhala e opostos a
qualquer concessão aos Tigres de Libertação
de Tamil Eelam (TLTE), organização vinculada
à minoria Tamil do país. Rajapakse se aliou aos
extremistas do Sinhala de Janatha Vimukthi Peramuna (JVP)
e Jathika Hela Urumaya (JHU), que estão exigindo
reforços militares, uma revisão do recente cessar
fogo e o abandono do acordo de P-TOMS com os Tigres da Libertação
de Tamil Eelam para a administração conjunta
das soluções para o Tsunami. A lógica destas
políticas é a de preparar o terreno para a guerra".
Já não é nenhum segredo, dado o desenrolar
dos fatos nos últimos três meses e meio, que nossa
previsão foi totalmente comprovada nessa questão
explosiva e central para os trabalhadores de toda a ilha. O país
dirigiu-se ao limiar da guerrafalta apenas uma declaração
oficial.
Nos primeiros dois meses da presidência de Rajapakse,
seqüestros e assassinatos dos dois lados resultaram no expressivo
número de 200 mortes. O último mês viu uma
relativa diminuição nos incidentes sangrentos, já
que o governo e os TLTE concordaram em conversar em Genebra. No
entanto, logo depois que ambas as partes assinaram um documento
conjunto em que declaravam o compromisso em assegurar o cessar-fogo
de 2002, as tensões se acirraram novamente.
O JVP e o JHU, com o apoio do comandante militar, denunciaram
o cessar-fogo questionando a validade do documento conjunto de
Genebrainsistem em dizer que o documento é inconstitucional
e uma traição à soberania de Estado do Sri
Lanka. Nas zonas de guerra do Norte e do Leste, a onda de assassinatos
está se reiniciando.
Os últimos acontecimentos não são uma
exceção, mas apenas uma continuação
da crise política das duas últimas décadas.
Novamente, a classe dominante provou ser organicamente incapaz
de assegurar o término da guerra que coincidiria com as
aspirações da vasta maioria da populaçãoSinhala
e Tamil, muçulmana, hindu e budista por paz, uma
vida decente e os direitos democráticos mais básicos.
O "processo de paz" imperialista
Para os trabalhadores, que desejam desesperadamente o fim do
interminável banho de sangue fratricida, existem dois importantes
problemas interrelacionados.
O primeiro é a inutilidade de se confiar na assim chamada
"comunidade internacional" (ou, para se colocar em termos
precisos, nos poderes imperialistas,) para se encontrar um acordo
que permita o fim da guerra. Assim como o Partido da Igualdade
Socialista tem repetidamente advertido, o "processo de
paz" promovido internacionalmente é uma ilusão
fatal propagada por todos os setores burgueses e pequeno-burgueses
que, com essa idéia da "paz", desorientam e desarmam
politicamente a classe trabalhadora.
Foram os mesmos poderes globais os principais responsáveis
por criar as condições que propiciaram a guerra
civil em fins da década de 70, ao reivindicar uma reestruturação
econômica. A implementação desse programa,
que significava o desmantelamento da economia do período
pós-independência, regulada nacionalmente, inevitavelmente
encontrou resistência pela classe trabalhadora. A elite
de Colombo respondeu, como em todas as ocasiões anteriores,
pondo fogo nos conflitos anti-Tamil e fortalecendo a máquina
do Estado para dividir e suprimir a força dos trabalhadores.
Até onde interessasse à "comunidade internacional",
a guerra civil que estourou em 1983 alcançou seus objetivos
ao fazer da ilha um dos primeiros expoentes da reforma do livre-mercado.
O total silêncio dos principais poderes por quase uma década
e meia, enquanto dezenas de milhares morriam na guerra, apenas
pode ser entendido sobre tal base.
A virada em fins dos anos 90 para o "processo de paz"
não se deu por uma preocupação com os trabalhadores
cujas vidas foram devastadas pela guerra. Como os padrões
globais de produção se tornaram dominantes e a Índia
assumiu maior importância nos anos 90 como fonte de mão-de-obra
barata, investidores passaram a considerar a guerra no Sri Lanka
uma ameaça à estabilidade regional que por isso
deveria ser terminada. Os governos de Colombo, sob forte pressão
internacional, realizaram um acordo de "divisão de
poderes" com os TLTE para transformar a ilha numa nova alternativa
barata de mão-de-obra para os investidores estrangeiros.
O processo de paz imperialista, seja no Sri Lanka, na Cachemira,
na província da Indonésia de Aceh ou no Oriente
Médio, não diz respeito à paz em si. Trata-se
de uma simples táticaum dos métodos utilizados
pelas forças dominantes para impor seus desígnios
predatórios. A face nua do imperialismo é revelada
nas ocupações neocoloniais do Afeganistão
e do Iraque pelos EUA e seus aliados.
A mudança de tática da paz à guerra pode
ser muito rápida. No meio dos esforços de Washington
para coagir os TLTE ao acordo de paz em janeiro, o embaixador
americano em Colombo, Jeffrey Lunstead, realizou uma ameaça
assustadora. Se os TLTE escolhessem o caminho da guerra, declarou
ele, deveriam "enfrentar um formidável exército",
treinado e equipado pelos EUA. As palavras têm o mesmo tom
agressivo que aquelas proferidas para justificar a ofensiva contra
o regime iraquiano pela ilegítima invasão americana
do Iraque em 2003.
O povo trabalhador não pode deixar a paz no Sri Lanka
na mão destes gangsteres. A verdadeira paz é indissociável
da luta pela igualdade social e pelos direitos democráticos
para as pessoas das diferentes comunidades por toda a ilha. Na
luta por estes objetivos básicos, os trabalhadores vão
descobrir rapidamente que seus maiores inimigos são os
atuais promotores do "processo de paz" em Washington,
Tókio e nas capitais da Europa.
O Partido da Igualdade Socialista chama todos os trabalhadores
para se voltar à única força social progressista
no mundo capaz de lutar contra o imperialismo: a classe trabalhadora
internacional. Um apelo dos trabalhadores do Sri Lanka que lutam
por paz, democracia e padrões de vida decentes, mesmo que
vindo de um país pequeno e historicamente atrasado, pode
ser um poderoso catalisador para um movimento de massas antiimperialista
feito por milhões de trabalhadores por todo o globo que
desprezam a agressão imperialista e o impacto regressivo
das políticas econômicas do capitalismo mundial.
Independência política da classe
trabalhadora
A segunda tarefa vital da classe trabalhadora do Sri Lanka
deve ser a busca de um programa político independente,
e a construção de uma direção que
coincida com seus interesses históricos e não com
aqueles da classe opressora.
A incapacidade de todos os governos de Colombo, qualquer que
tenha sido sua composição política, de chegar
a um acordo de paz baseado numa real solução das
contradições que levaram à guerra, surge
da política comum praticada por todas as facções
da burguesia do Sri Lanka. Desde o início, as classes dominantes,
temerosas da movimentação dos trabalhadores e de
sua capacidade de atrair as massas camponesas, têm jogado
com a questão racial.
"Dividir e reinar", a palavra de ordem do Raj Britânico
da época colonial, têm sido o princípio fundamental
de todo partido burguês após a independência
apenas formal da Ásia depois de 1947-48. As elites dominantes
na Índia e no Paquistão sancionaram a repartição
do continente e o banho de sangue subseqüente. No Sri Lanka,
a cidadania era decidida no solo comunal, e assim mais de um milhão
de trabalhadores do campo, de língua Tamil, perderam todos
os seus direitos em 1948.
A discriminação anti-Tamil adentrou a ilha através
do ato que instituiu o Sinhala como única língua
oficial, e da constituição de 1972, que fez do budismo
a religião do Estado. Toda vez que o Tamil procurava espaço
no governo, os partidos de oposiçãoseja o
PUN ou o PSLF provocavam objeções comunais.
Quando o Tamil protestou por seus direitos, foi confrontado com
uma repressão estatal feroz. Em 1983, gangues racistas
assassinas patrocinadas pelo Estado e acobertadas pelo exército
e pela polícia, mataram centenas de Tamiles, queimando
suas casas e negócios e desabrigando aproximadamente um
milhão de pessoas. Esse massacre sinalizou o início
da guerra civil.
Esses desastres, além de toda a guerra, poderiam ter
sido prevenidos pela classe trabalhadora através da construção
de um poderoso movimento independente, baseado numa política
socialista. Tratava-se de trazer os pobres do campo e da cidade
para seu lado. O obstáculo principal era o Partido Lanka
Sama Samaja (PLSS), que havia lutado pelos princípios do
socialismo internacionalista nos anos 1940 e 1950, mas que se
adaptou crescentemente à política da classe dominante.
Em 1964, o partido traiu abertamente a classe trabalhadora ao
aderir ao governo burguês do PSLF de Sirima Bandaranaike.
A mesma política desprezível de colaboração
de classe tem sido praticada pelo Partido de Nava Sama Samaja,
pela Frente Democrática de Esquerda e pelo Partido da União
Socialistagrupos que cindiram com o PLSS, mas que não
romperam com sua linha geral. Enquanto posam de "socialistas"
e declamam frases radicais, esses farsantes pequeno-burgueses
são organicamente hostis a qualquer passo da classe trabalhadora
em direção à sua independência. Em
toda crise política maior, esses oportunistas deram as
mãos com a elite dominante e ajudaram a salvar o poder
da burguesia.
Os líderes destes partidos apoiaram o acordo Indo-Lanka
de 1987, que trouxe os "guardiões da paz" indianos
para destruir a luta Tamil no Norte e permitiu que os militares
do Sri Lanka massacrassem dezenas de milhares de jovens Sinhala
no Sul rural. Após as eleições de 1994, os
mesmos partidos apoiaram o presidente Chandrika Kumaratunga que
posava de "pacifista", mas que iniciou assim que pôde
uma selvagem "guerra pela paz". Desde 2002, esses partidos
têm sido os mais ardentes defensores do "processo de
paz" imperialista, seja sob o PUN, sob o Presidente Kumaratunga
ou o agora presidente Rajapakse.
A grande ilusão política difundida por estes
partidos da "paz" no balanço dos últimos
60 anos, particularmente dos últimos quatro de negociações
pela paz completamente falsas, demonstram que nem a paz nem uma
solução democrática para o problema do Tamil
podem ser alcançadas sob o poder do capital. Todos os mais
variados planos de paz tramados com a cobertura dos poderes majoritários
para terminar com a guerra apenas intensificaram as tensões
comunais e o conflito.
A precariedade da divisão comunal, combinada à
deterioração da situação econômica,
propiciou o terreno para a formação de partidos
extremistas chauvinistas como o JVP e JHU, que se alimentam do
desespero e da frustração das mais alienadas e oprimidas
camadas da população. Longe de oferecerem qualquer
solução à cada vez mais profunda crise social,
sua campanha por uma "paz honrosa" é na realidade
um chamado para um retorno à guerra e à destruição
dos TLTE. Esses partidos representam uma grave ameaça não
apenas aos Tamiles, mas à classes trabalhadora em sua totalidade.
A alternativa socialista
A catástrofe que ameaça a ilha pode e deve ser
evitada. Para acabar com a guerra e estabelecer condições
sociais harmoniosas para todas as comunidades é necessária
a abolição do sistema de lucro que é responsável
pela injustiça social, conflito entre comunidades e guerra.
O Partido da Igualdade Socialista propõe um programa
claro para a classe trabalhadora assumir a iniciativa política
e alcançar esse objetivo.
Chamamos a classe trabalhadora para iniciar uma campanha por
uma imediata e incondicional retirada de todas as forças
de segurança do Sri-Lanka do norte e leste do país.
As dezenas de milhares de soldados e a polícia, nessas
áreas, funcionam como uma força de ocupação,
que é desprezada e odiada pela população
Tamil por suas perseguições sumárias, prisões
arbitrárias, torturas e assassinatos. A reivindicação
pelo fim desta opressão é uma pré-condição
essencial para o fim da guerra e serve, de forma poderosa, como
um pólo de atração para todos aqueles que
desejam a paz e defendem direitos democráticos básicos.
"A retirada das tropas significa a vitória para
os terroristas da LTTE, um Eelam separado e uma nação
dividida", berram os chauvinistas Sinhala, procurando causar
medo e pânico."Ao contrário", replica o
Partido da Igualdade Socialista, "esta é a
única base para estabelecer um esforço conjunto
dos trabalhadores Sinhala e Tamil contra as elites dominantes
de ambas as comunidades. Nós não podemos suportar
um estado burguês artificialmente unificado pela força
bruta. Nós estamos lutando pela República Socialista
do Sri Lanka e Eelam baseada na unificação da classe
trabalhadora."
A ausência de um movimento independente da classe trabalhadora
deixou a porta aberta para o LTTE, que representa os interesses
da burguesia Tamil, e não das massas. Sua reivindicação
por um estado separatista capitalista no norte e no leste é
uma perigosa armadilha para a classe trabalhadora Tamil. Nada
irá fortalecer mais a mão dos trabalhadores e camponeses
Tamil na sua luta contra a exploração e a selvageria
do LTTE do que o desenvolvimento de um movimento político
por todo o país, para o fim da ocupação militar
no leste e no norte.
Como resultado do desastre causado pelo tsunami em dezembro
de 2004, trabalhadores comuns - Shinhalas, Tamil e Muçulmanos
- deixaram de lado as desavenças que são constantemente
estimuladas e espontaneamente uniram-se para ajudar uns aos outros.
Essa foi a principal razão para que a presidente Kumaratunga
impusesse o estado de emergência e colocasse o exército
para realizar os insignificantes esforços de ajuda de seu
governo. As elites dominantes ficaram apavoradas com um movimento
unificado dos trabalhadores. Essa experiência revelou, ainda
de forma embrionária, o potencial que existe para a luta
unificada da classe trabalhadora por direitos sociais e democráticos
para todos.
Para resolver todos os constantes atentados aos direitos democráticos,
o Partido da Igualdade Socialista insiste que é
necessária uma nova constituição. Mas a redação
de uma constituição deve ser feita democraticamente.
Diferente daquela de 1972 e da de 1978, em que o parlamento existente
de forma fraudulenta tornou-se, ele próprio, uma assembléia
constituinte. Uma nova constituição deve ser escrita
e adotada por uma assembléia constituinte genuína,
democraticamente eleita pelos trabalhadores para esse propósito.
Uma democracia genuína significa mais do que a igualdade
formal do sistema legal burguês e eleições
parlamentares, que sempre favorecem os ricos e privilegiados.
A base econômica da sociedade deve ser transformada para
servir aos interesses da ampla massa de trabalhadores. É
por isso que o Partido da Igualdade Socialista defende
um programa verdadeiramente socialista: colocar todas as maiores
empresas financeiras, industriais e comerciais sob o democrático
controle e propriedade públicos, buscando atender as necessidades
da vasta maioria da população, e não os lucros
de uma minoria rica.
O socialismo não pode, porém, ser alcançado
em apenas uma pequena e única ilha no sul da Ásia,
e em nenhuma outra nação isolada, grande ou pequena.
A luta pelo socialismo é necessariamente internacional.
A única alternativa às atividades predatórias
do capitalismo é uma unificada contra-ofensiva internacional
feita pela classe trabalhadora para refazer a sociedade em linhas
socialistas. A luta por uma República Socialista do Sri
Lanka e Eelam é apenas um componente de uma luta mais ampla:
pela União dos Estados Socialistas do Sul da Ásia
e, internacionalmente, este é o programa defendido por
todas as seções do Comitê Internacional da
Quarta Internacional (ICFI), como expressa o seu site WSWS.
O Partido da Igualdade Socialista, fundado como a Liga
Revolucionária Comunista em 1968, é a seção
do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) no
Sri Lanka. Este partido vem defendendo de forma permanente os
direitos sociais e democráticos da classe trabalhadora
e dos oprimidos. Chamamos todos aqueles que desejam a paz e se
opõem ao assalto dos direitos sociais e democráticos
a juntar-se a nós e construir o Partido Socialista da
Igualdade Socialista, o CIQI e o seu site WSWS.