O texto abaixo é a segunda parte de uma exposição
realizada por Bill Van Auken no encontro do curso de verão
do Socialist Equality Party/World Socialist Web Site, ocorrido
entre 14 e 20 de agosto de 2005, em Ann Arbor, Michigan.
A campanha contra a revolução
permanente
A proposição desenvolvida por Bukkarin e Stalin,
em 1924, de que o socialismo poderia ser construído na
União Soviética embasado nas reservas nacionais
e independente do destino da revolução socialista
internacional representou uma revisão fundamental da perspectiva
que guiou a direção soviética e a Internacional
Comunista sob o comando de Lênin . Este desprendimento da
perspectiva futura da União Soviética do desenvolvimento
da revolução socialista mundial representou um ataque
direto à teoria da revolução permanente,
sobre a qual estava embasada a própria Revolução
de Outubro de 1917.
Trotsky escreveu em seu Resultados e Perspectivas: A
teoria do socialismo em um só país, que cresceu
no fermento da reação contra o Outubro, é
a única teoria que consistentemente e de forma conseqüente
se opõe à teoria da revolução permanente.
O que ele quis dizer com isto? Que a Revolução
Permanente era uma teoria que começou, desde o início,
a partir de uma perspectiva revolucionária internacional;
que o socialismo em um só país era uma receita utópica
e reformista para um estado nacional socialista.
A Revolução Permanente tomou como seu próprio
ponto de partida de socialismo a economia mundial e a revolução
mundial. O socialismo em um só país, ao contrário,
partiu do ponto de vista de socialismo como significando um certo
desenvolvimento nacional.
Esta questão é o ponto central da crítica
de Trotsky, em 1928, ao programa esboçado pela Internacional
Comunista. Esta crítica está contida no livro A
Terceira Internacional depois de Lênin. Gostaria de
citar em pormenores certas passagem desta crítica, que
esclarecem de forma precisa os fundamentos da aproximação
marxista para a elaboração de uma perspectiva. O
brilhantismo imperecível desta análise é
ainda hoje mais claroperante a mais ampla integração
global do capitalismo, que temos acompanhado com muita atenção
para o desenvolvimento da perspectiva do CI.
Em nossa época, escreveu Trotsky, que
é a época do imperialismo, isto é, da economia
mundial e da política mundial sob a hegemonia do capital
financeiro, nenhum partido comunista pode estabelecer o seu programa
procedendo somente ou principalmente das condições
e tendências dos desenvolvimentos de seu próprio
país. O mesmo se mantém inteiramente para o partido
que controla o poder de estado nas fronteiras da URSS. Em 4 de
agosto de 1914,[10] soou o sino funeral para os programas nacionais
de todos os tempos. O partido revolucionário do proletariado
pode apoiar-se somente sobre um programa internacional que corresponda
ao caráter da época atual, a época do apogeu
e do colapso do capitalismo. Um programa comunista internacional
não é, em caso algum, uma soma de programas nacionais
ou nem uma combinação de aspectos comuns. O programa
internacional deve proceder diretamente de uma análise
das condições e tendências da economia mundial
e do sistema político mundial como um todo, com todas as
suas conexões e contradições, isto é,
da interdependência contraditória mútua de
suas partes isoladas. Na época atual, em maior extensão
que no passado, a orientação nacional do proletariado
pode e deve resultar somente da orientação internacional
e não vice-versa. Nisto consiste a diferença básica
e primária entre o internacionalismo comunista e todas
as variantes do socialismo nacional.
Como continuava ele: Unindo países e continentes
que se situam em diferentes níveis de desenvolvimento,
unindo-os em um sistema de dependência mútua e antagonismo,
nivelando os vários estágios de seu desenvolvimento
e ao mesmo tempo aumentando as diferenças entre eles, e
brutalmente contrapondo um país a outro, a economia mundial
tornou-se uma realidade poderosa que sacode a vida econômica
de países individuais e continentes. Esta situação
fundamental, por si mesma, investe a idéia do partido comunista
mundial como sendo a suprema realidade.
Antes da morte de Lênin em 1924, ninguém na direção
de um Partido Comunista, nem na União Soviética
nem internacionalmente, havia proposto que uma sociedade socialista
auto-suficiente pudesse ser construída sobre solo soviético
ou sobre qualquer outro país.
Na verdade, ainda naquele mesmo ano, o próprio Stalin
resumiu ainda corretamente a visão de Lênin. Assim,
em Os Fundamentos do Leninismo, a respeito da construção
do socialismo, Stalin escreveu:
A derrubada do poder da burguesia e o estabelecimento
de um governo proletário em um país não constitui
ainda a garantia da completa vitória do socialismo. A principal
tarefa do socialismoa organização da produção
socialistapermanece adiante. Pode essa tarefa ser cumprida,
pode a vitória final do socialismo em um país ser
atingida, sem os esforços conjuntos do proletariado de
diversos países avançados? Não, isto é
impossível. Para derrubar a burguesia os esforços
de um país são suficientesa história
de nossa revolução manifestou isso. Para a vitória
final do socialismo, para a organização da produção
socialista, os esforços de um país, particularmente
de um país camponês como a Rússia, são
insuficientes. Por isso os esforços do proletariado de
muitos países avançados são necessários.
De uma maneira geral, tais são os aspectos característicos
da teoria leninista da revolução proletária.
Antes do fim daquele ano, no entanto, os Fundamentos
do Leninismo seriam republicados em uma edição
revisada. Justamente a passagem que citei foi reformulada para
o seu oposto, afirmando que o o proletariado pode e deve
construir a sociedade socialista em um país, e a
passagem foi seguida pela mesma garantia que isso constituía
a teoria leninista de revolução proletária.
Essa revisão abrupta e grosseira de perspectiva refletia
o crescimento do peso social da burocracia e seu despertar consciente
em relação aos seus próprios e específicos
interesses sociais, os quais a burocracia viu como associados
com o desenvolvimento firme de uma economia nacional.
Além disso, o chamado para a construção
do socialismo em um só país ecoou com
força entre uma classe operária soviética
exaurida que tinha visto seus elementos mais avançados
sacrificados na guerra civil ou atraídos para o aparato
de estado. A derrota sofrida na Alemanha como resultado da capitulação
do Partido Comunista Alemão durante a crise revolucionária
de 1923, reforçou a descrença nas esperanças
de uma ajuda próxima vinda da revolução mundial
e deixou os trabalhadores soviéticos suscetíveis
diante da promessa de uma solução nacional.
Como Trotsky esclareceu em sua crítica do esboço
de programa para o Sexto Congresso da Internacional Comunista
e em outros escritos, a teoria do socialismo em um só país
representou um ataque direto contra o programa da própria
revolução socialista mundial.
Trotsky esclareceu que se fosse realmente o caso de sustentar
que o socialismo poderia ser terminado na Rússia sem se
preocupar com o acontecia com a revolução socialista
em qualquer parte do mundo, a União Soviética deveria
voltar-se de uma política revolucionária internacionalista
para uma política puramente defensiva.
A lógica inevitável dessa mudança era
a transformação das seções da Internacional
Comunista em guardiãs de fronteirainstrumentos de
uma política externa soviética toda voltada para
a segurança da URSS, e conduzida através de meios
diplomáticos que preveniam o ataque imperialista enquanto
esta preservava o status quo global.
Como Trotsky preveniu profeticamente em 1928, a tese que o
socialismo podia ser construído na solitária Rússia,
caso se desse a ausência de uma agressão estrangeira,
era uma estratégia que levaria inevitavelmente a uma
política colaboracionista em relação à
burguesia estrangeira com o objetivo de prevenir a intervenção.
Essa mudança fundamental no eixo estratégico
do programa do partido foi acompanhado por uma substituição,
em grande escala, da velha direção no interior do
Comintern (a Internacional Comunista) e nas seções
nacionais. Através de uma série de purgas, expulsões
e golpes políticos, a burocracia de Moscou obteve uma equipe
que foi treinada para colocar a defesa do estado soviético
como seu eixo estratégico, muito menos do que a revolução
socialista mundial.
A URSS e a economia mundial
As diferenças sobre as relações entre
a Rússia e as revoluções no mundo eram inseparáveis
do conflito que tinha ocorrido anteriormente no interior da própria
União Soviética, aquele que vivenciara o partido
a respeito de política econômica.
A direção, sob o comando de Stalin, adaptando-se
pragmaticamente ao imediato crescimento produzido pela Nova Política
Econômica, sustentou a preservação do status
quo no interior das fronteiras soviéticas, assim como,
continuou a expandir concessões ao campesinato e comerciantes
privados.
Trotsky e a Oposição de Esquerda elaboraram uma
detalhada proposta para desenvolver a indústria pesada,
prevendo que sem um crescimento do setor industrial, haveria um
sério risco de que relações capitalistas
no campo inviabilizassem os fundamentos socialistas.
Acima de tudo, Trotsky rejeitou o argumento avançado
em conjunção com o socialismo em um só
país que o desenvolvimento econômico da União
Soviética, de alguma forma, poderia ocorrer separadamente
da economia mundial e da luta travada mundialmente entre capitalismo
e socialismo.
Bukharin havia declarado: Construiremos o socialismo
ainda que seja a passos de tartaruga, enquanto Stalin insistia
que não havia necessidade de injetar o fator internacional
no nosso desenvolvimento.
A falsa concepção stalinista que o único
perigo para a construção do socialismo na URSS era
aquele da intervenção militar ignorava a imensa
pressão exercida sobre o país pelo mercado capitalista
mundial.
Em oposição a essa pressão, o estado soviético
estabeleceu o monopólio do comércio exterior. Enquanto
um indispensável instrumento de defesa, o próprio
monopólio expressava a dependência soviética
do mercado mundial e sua relativa fragilidade em termos da produtividade
do trabalho em relação às principais potências
capitalistas.Embora o monopólio regulasse a pressão
de bens mais baratos vindos do capitalismo ocidental, esse monopólio
não eliminava tal pressão.
Trotsky lutou por um crescimento industrial mais rápido
para se opor a essa pressão, enquanto ao mesmo tempo rejeitava
a concepção de uma economia autárquica. O
desenvolvimento de um planejamento puramente nacional que falhasse
em levar em conta as relações entre a economia soviética
e o mercado mundial estava condenado ao fracasso. Insistiu que
a URSS tiraria vantagens da divisão mundial do trabalho,
ganhando acesso a tecnologia e recursos econômicos dos países
capitalistas avançados, para desenvolver a sua própria
economia.
A tentativa de desenvolver uma economia socialista
auto-suficiente baseada nos recursos da Rússia atrasada
estava condenada, não meramente pelo atraso da Rússia,
mas porque isso representava uma regressão em relação
à economia mundial já criada pelo capitalismo. Em
sua introdução à edição alemã
de A Revolução Permanente, Trotsky escreveu:
O marxismo toma o seu ponto de partida da economia mundial,
não como uma soma das partes, mas como uma realidade poderosa
e independente que foi criada pela divisão internacional
do trabalho e pelo mercado mundial, que na nossa época
domina de forma imperiosa os mercados nacionais. As forças
produtivas da sociedade capitalista há bom tempo têm
crescido além das fronteiras nacionais. A guerra imperialista
(de 1914-1918) foi uma das expressões deste fato. Nesse
sentido, a técnica produtiva da sociedade socialista deve
representar um estágio mais alto do que aquele atingido
pelo capitalismo. Visar construir uma sociedade socialista isolada
nacionalmente significa, apesar de todos os êxitos ocorridos,
impulsionar as forças produtivas para trás mesmo
em relação ao capitalismo. Independentemente, das
condições geográficas, culturais e históricas
de desenvolvimento do país, que constitui uma parte da
unidade mundial, tentar realizar um encerramento de todos os ramos
da economia no interior de uma estrutura nacional, significa perseguir
uma utopia reacionária.
A luta da direção stalinista para impor a ideologia
do socialismo em um só país inevitavelmente
tomou a forma de um luta viciosa contra o trotsquismo
e em particular contra a teoria da revolução permanente.
Em sua autobiografia, Minha Vida, Trotsky explicou a
psicologia política do que ele descreveu como o ataque
totalmente filisteu, ignorante e simplesmente estúpido
contra a teoria da revolução permanente:
Tagarelando ao lado de uma garrafa de vinho ou retornando
do balé um burocrata presunçoso diz ao outro: Aquele
tem sempre só a revolução permanente nacabeça. Conectadas cerradamente com esse humor
específico eram acrescentadas as acusações
de insociabilidade, de individualismo, de aristocratismo. O sentimento
de Não tudo e sempre pela revolução,
a gente deve pensar também em si próprio foi
traduzido como Abaixo a revolução permanente.
A revolta contra as reivindicações teoricamente
exatas do marxismo e contra as reivindicações políticas
rigorosas da revolução gradualmente assumiram, aos
olhos desses indivíduos, a forma de luta contra o trotskismo.
Sob esta bandeira procedeu-se a liberação do ignorante
no interior do bolchevique.
10. Em 4 de agosto de 1914 a Social-Democracia Alemã
votava os créditos para a guerra imperialista traindo o
programa internacionalista. Após essa traição
Lênin rompe com a II Internacional. Cf. artigo sobre o tema
no site do wsws: http://www.wsws.org/francais/hiscul/2004/septembre04/40804_
4aout04prn.shtml