World Socialist Web Site
 

WSWS : Portuguese

Socialismo em um só país ou revolução permanente

Parte 2

Por Bill Van Auken
29 de julho de 2006

Utilice esta versión para imprimir | Enviar por e-mail | Comunicar com o autor

O texto abaixo é a segunda parte de uma exposição realizada por Bill Van Auken no encontro do curso de verão do Socialist Equality Party/World Socialist Web Site, ocorrido entre 14 e 20 de agosto de 2005, em Ann Arbor, Michigan.

A campanha contra a revolução permanente

A proposição desenvolvida por Bukkarin e Stalin, em 1924, de que o socialismo poderia ser construído na União Soviética embasado nas reservas nacionais e independente do destino da revolução socialista internacional representou uma revisão fundamental da perspectiva que guiou a direção soviética e a Internacional Comunista sob o comando de Lênin . Este desprendimento da perspectiva futura da União Soviética do desenvolvimento da revolução socialista mundial representou um ataque direto à teoria da revolução permanente, sobre a qual estava embasada a própria Revolução de Outubro de 1917.

Trotsky escreveu em seu Resultados e Perspectivas: “A teoria do socialismo em um só país, que cresceu no fermento da reação contra o Outubro, é a única teoria que consistentemente e de forma conseqüente se opõe à teoria da revolução permanente”.

O que ele quis dizer com isto? Que a Revolução Permanente era uma teoria que começou, desde o início, a partir de uma perspectiva revolucionária internacional; que o socialismo em um só país era uma receita utópica e reformista para um estado nacional socialista.

A Revolução Permanente tomou como seu próprio ponto de partida de socialismo a economia mundial e a revolução mundial. O socialismo em um só país, ao contrário, partiu do ponto de vista de socialismo como significando um certo desenvolvimento nacional.

Esta questão é o ponto central da crítica de Trotsky, em 1928, ao programa esboçado pela Internacional Comunista. Esta crítica está contida no livro A Terceira Internacional depois de Lênin. Gostaria de citar em pormenores certas passagem desta crítica, que esclarecem de forma precisa os fundamentos da aproximação marxista para a elaboração de uma perspectiva. O brilhantismo imperecível desta análise é ainda hoje mais claro—perante a mais ampla integração global do capitalismo, que temos acompanhado com muita atenção para o desenvolvimento da perspectiva do CI.

“Em nossa época”, escreveu Trotsky, “que é a época do imperialismo, isto é, da economia mundial e da política mundial sob a hegemonia do capital financeiro, nenhum partido comunista pode estabelecer o seu programa procedendo somente ou principalmente das condições e tendências dos desenvolvimentos de seu próprio país. O mesmo se mantém inteiramente para o partido que controla o poder de estado nas fronteiras da URSS. Em 4 de agosto de 1914,[10] soou o sino funeral para os programas nacionais de todos os tempos. O partido revolucionário do proletariado pode apoiar-se somente sobre um programa internacional que corresponda ao caráter da época atual, a época do apogeu e do colapso do capitalismo. Um programa comunista internacional não é, em caso algum, uma soma de programas nacionais ou nem uma combinação de aspectos comuns. O programa internacional deve proceder diretamente de uma análise das condições e tendências da economia mundial e do sistema político mundial como um todo, com todas as suas conexões e contradições, isto é, da interdependência contraditória mútua de suas partes isoladas. Na época atual, em maior extensão que no passado, a orientação nacional do proletariado pode e deve resultar somente da orientação internacional e não vice-versa. Nisto consiste a diferença básica e primária entre o internacionalismo comunista e todas as variantes do socialismo nacional”.

Como continuava ele: “Unindo países e continentes que se situam em diferentes níveis de desenvolvimento, unindo-os em um sistema de dependência mútua e antagonismo, nivelando os vários estágios de seu desenvolvimento e ao mesmo tempo aumentando as diferenças entre eles, e brutalmente contrapondo um país a outro, a economia mundial tornou-se uma realidade poderosa que sacode a vida econômica de países individuais e continentes. Esta situação fundamental, por si mesma, investe a idéia do partido comunista mundial como sendo a suprema realidade”.

Antes da morte de Lênin em 1924, ninguém na direção de um Partido Comunista, nem na União Soviética nem internacionalmente, havia proposto que uma sociedade socialista auto-suficiente pudesse ser construída sobre solo soviético ou sobre qualquer outro país.

Na verdade, ainda naquele mesmo ano, o próprio Stalin resumiu ainda corretamente a visão de Lênin. Assim, em “Os Fundamentos do Leninismo”, a respeito da construção do socialismo, Stalin escreveu:

“A derrubada do poder da burguesia e o estabelecimento de um governo proletário em um país não constitui ainda a garantia da completa vitória do socialismo. A principal tarefa do socialismo—a organização da produção socialista—permanece adiante. Pode essa tarefa ser cumprida, pode a vitória final do socialismo em um país ser atingida, sem os esforços conjuntos do proletariado de diversos países avançados? Não, isto é impossível. Para derrubar a burguesia os esforços de um país são suficientes—a história de nossa revolução manifestou isso. Para a vitória final do socialismo, para a organização da produção socialista, os esforços de um país, particularmente de um país camponês como a Rússia, são insuficientes. Por isso os esforços do proletariado de muitos países avançados são necessários”.

“De uma maneira geral, tais são os aspectos característicos da teoria leninista da revolução proletária”.

Antes do fim daquele ano, no entanto, os “Fundamentos do Leninismo” seriam republicados em uma edição revisada. Justamente a passagem que citei foi reformulada para o seu oposto, afirmando que o “o proletariado pode e deve construir a sociedade socialista em um país,” e a passagem foi seguida pela mesma garantia que isso constituía a “teoria leninista de revolução proletária”.

Essa revisão abrupta e grosseira de perspectiva refletia o crescimento do peso social da burocracia e seu despertar consciente em relação aos seus próprios e específicos interesses sociais, os quais a burocracia viu como associados com o desenvolvimento firme de uma economia nacional.

Além disso, o chamado para a construção do “socialismo em um só país” ecoou com força entre uma classe operária soviética exaurida que tinha visto seus elementos mais avançados sacrificados na guerra civil ou atraídos para o aparato de estado. A derrota sofrida na Alemanha como resultado da capitulação do Partido Comunista Alemão durante a crise revolucionária de 1923, reforçou a descrença nas esperanças de uma ajuda próxima vinda da revolução mundial e deixou os trabalhadores soviéticos suscetíveis diante da promessa de uma solução nacional.

Como Trotsky esclareceu em sua crítica do esboço de programa para o Sexto Congresso da Internacional Comunista e em outros escritos, a teoria do socialismo em um só país representou um ataque direto contra o programa da própria revolução socialista mundial.

Trotsky esclareceu que se fosse realmente o caso de sustentar que o socialismo poderia ser terminado na Rússia sem se preocupar com o acontecia com a revolução socialista em qualquer parte do mundo, a União Soviética deveria voltar-se de uma política revolucionária internacionalista para uma política puramente defensiva.

A lógica inevitável dessa mudança era a transformação das seções da Internacional Comunista em guardiãs de fronteira—instrumentos de uma política externa soviética toda voltada para a segurança da URSS, e conduzida através de meios diplomáticos que preveniam o ataque imperialista enquanto esta preservava o status quo global.

Como Trotsky preveniu profeticamente em 1928, a tese que o socialismo podia ser construído na solitária Rússia, caso se desse a ausência de uma agressão estrangeira, era uma estratégia que levaria inevitavelmente a “uma política colaboracionista em relação à burguesia estrangeira com o objetivo de prevenir a intervenção”.

Essa mudança fundamental no eixo estratégico do programa do partido foi acompanhado por uma substituição, em grande escala, da velha direção no interior do Comintern (a Internacional Comunista) e nas seções nacionais. Através de uma série de purgas, expulsões e golpes políticos, a burocracia de Moscou obteve uma equipe que foi treinada para colocar a defesa do estado soviético como seu eixo estratégico, muito menos do que a revolução socialista mundial.

A URSS e a economia mundial

As diferenças sobre as relações entre a Rússia e as revoluções no mundo eram inseparáveis do conflito que tinha ocorrido anteriormente no interior da própria União Soviética, aquele que vivenciara o partido a respeito de política econômica.

A direção, sob o comando de Stalin, adaptando-se pragmaticamente ao imediato crescimento produzido pela Nova Política Econômica, sustentou a preservação do status quo no interior das fronteiras soviéticas, assim como, continuou a expandir concessões ao campesinato e comerciantes privados.

Trotsky e a Oposição de Esquerda elaboraram uma detalhada proposta para desenvolver a indústria pesada, prevendo que sem um crescimento do setor industrial, haveria um sério risco de que relações capitalistas no campo inviabilizassem os fundamentos socialistas.

Acima de tudo, Trotsky rejeitou o argumento avançado em conjunção com o “socialismo em um só país” que o desenvolvimento econômico da União Soviética, de alguma forma, poderia ocorrer separadamente da economia mundial e da luta travada mundialmente entre capitalismo e socialismo.

Bukharin havia declarado: “Construiremos o socialismo ainda que seja a passos de tartaruga”, enquanto Stalin insistia que não havia “necessidade de injetar o fator internacional no nosso desenvolvimento”.

A falsa concepção stalinista que o único perigo para a construção do socialismo na URSS era aquele da intervenção militar ignorava a imensa pressão exercida sobre o país pelo mercado capitalista mundial.

Em oposição a essa pressão, o estado soviético estabeleceu o monopólio do comércio exterior. Enquanto um indispensável instrumento de defesa, o próprio monopólio expressava a dependência soviética do mercado mundial e sua relativa fragilidade em termos da produtividade do trabalho em relação às principais potências capitalistas.Embora o monopólio regulasse a pressão de bens mais baratos vindos do capitalismo ocidental, esse monopólio não eliminava tal pressão.

Trotsky lutou por um crescimento industrial mais rápido para se opor a essa pressão, enquanto ao mesmo tempo rejeitava a concepção de uma economia autárquica. O desenvolvimento de um planejamento puramente nacional que falhasse em levar em conta as relações entre a economia soviética e o mercado mundial estava condenado ao fracasso. Insistiu que a URSS tiraria vantagens da divisão mundial do trabalho, ganhando acesso a tecnologia e recursos econômicos dos países capitalistas avançados, para desenvolver a sua própria economia.

A tentativa de desenvolver uma economia “socialista” auto-suficiente baseada nos recursos da Rússia atrasada estava condenada, não meramente pelo atraso da Rússia, mas porque isso representava uma regressão em relação à economia mundial já criada pelo capitalismo. Em sua introdução à edição alemã de A Revolução Permanente, Trotsky escreveu:

“O marxismo toma o seu ponto de partida da economia mundial, não como uma soma das partes, mas como uma realidade poderosa e independente que foi criada pela divisão internacional do trabalho e pelo mercado mundial, que na nossa época domina de forma imperiosa os mercados nacionais. As forças produtivas da sociedade capitalista há bom tempo têm crescido além das fronteiras nacionais. A guerra imperialista (de 1914-1918) foi uma das expressões deste fato. Nesse sentido, a técnica produtiva da sociedade socialista deve representar um estágio mais alto do que aquele atingido pelo capitalismo. Visar construir uma sociedade socialista isolada nacionalmente significa, apesar de todos os êxitos ocorridos, impulsionar as forças produtivas para trás mesmo em relação ao capitalismo. Independentemente, das condições geográficas, culturais e históricas de desenvolvimento do país, que constitui uma parte da unidade mundial, tentar realizar um encerramento de todos os ramos da economia no interior de uma estrutura nacional, significa perseguir uma utopia reacionária”.

A luta da direção stalinista para impor a ideologia do “socialismo em um só país” inevitavelmente tomou a forma de um luta viciosa contra o “trotsquismo” e em particular contra a teoria da revolução permanente.

Em sua autobiografia, Minha Vida, Trotsky explicou a psicologia política do que ele descreveu como “o ataque totalmente filisteu, ignorante e simplesmente estúpido contra a teoria da revolução permanente”:

“Tagarelando ao lado de uma garrafa de vinho ou retornando do balé um burocrata presunçoso diz ao outro: ‘Aquele tem sempre só a revolução permanente na cabeça’. Conectadas cerradamente com esse humor específico eram acrescentadas as acusações de insociabilidade, de individualismo, de aristocratismo. O sentimento de ‘Não tudo e sempre pela revolução, a gente deve pensar também em si próprio’ foi traduzido como ‘Abaixo a revolução permanente’. A revolta contra as reivindicações teoricamente exatas do marxismo e contra as reivindicações políticas rigorosas da revolução gradualmente assumiram, aos olhos desses indivíduos, a forma de luta contra o ‘trotskismo’. Sob esta bandeira procedeu-se a liberação do ignorante no interior do bolchevique.”

10. Em 4 de agosto de 1914 a Social-Democracia Alemã votava os créditos para a guerra imperialista traindo o programa internacionalista. Após essa traição Lênin rompe com a II Internacional. Cf. artigo sobre o tema no site do wsws:
http://www.wsws.org/francais/hiscul/2004/septembre04/40804_
4aout04prn.shtml