O texto abaixo é a primeira parte de uma exposição
realizada por Bill Van Auken no encontro do curso de verão
do Socialist Equality Party/ World Socialist Web Site, ocorrido
entre 14 e 20 de agosto de 2005, em Ann Arbor, Michigan.
20 anos desde a cisão no Comitê
Internacional
Considerando a questão do socialismo em um só
país contra a revolução permanente estamos
tratando dos próprios andaimes teóricos do movimento
trotsquista. A questão teórica essencial que nasceu
na luta entre estas duas perspectivas opostas apareceu não
só na segunda metade da década de 1920, quando Trotsky
conduziu a sua luta histórica contra a burocracia stalinista.
Mas, além disso, a mesma questão sempre ressurgiu
nas lutas posteriores dentro da própria Quarta Internacional
e desempenhou ali também papel fundamental.
Comecemos abordando a questão a partir do nosso próprio
movimento. Hoje, passaram-se vinte anos desde que o Comitê
Internacional da Quarta Internacional (CIQI) rompeu com a
direção da seção inglesa, aquela do
Workers Revolucionary Party (WRP) [1].
O próprio significado daquele rompimento somente pode
ser compreendido se partirmos da compreensão da luta originária
do Comitê Internacional. O CIQI foi fundado em 1953, na
luta contra o revisionismo pablista, tendência criada por
Michel Pablo.
O ICQI, na época de sua fundação, se opôs
veementemente à tese desenvolvida por Pablo e seus partidários
de que o stalinismo era capaz de uma auto-reforma e também
se opôs à tese de que o stalinismo poderia desempenhar
ainda qualquer papel revolucionário. Do mesmo modo, o CIQI
recusava, com isto, a concepção pablista relacionada
àquelas teses: a sustentação de que o nacionalismo
burguês nos países coloniais fosse capaz de comandar
a luta contra o imperialismo. A combinação dessas
teses pablistas, acima enumeradas, constituía uma perspectiva
de liquidação dos quadros historicamente reunidos
sobre a base da perspectiva revolucionária, a perspectiva
elaborada e construída por Leon Trotsky, quando fundou
a Quarta Internacional em 1938.
Em 1963, a direção da seção britânica
do CIQI então Socialist Labour League (SLL)conduziu
corretamente a luta contra a unificação do seção
americana, Socialist Workers Party (SWP), com a corrente
internacional dirigida por Pablo e Mandel [2]. Na época,
a seção americana se unificou com os pablistas [3].
Esta unificação se baseava sobre a aceitação
de que o movimento guerrilheiro nacionalista pequeno-burguês
de Fidel Castro havia estabelecido um estado operário em
Cuba. A aceitação de Cuba como estado operário,
para os pablistas, supostamente provava que mesmo forças
não-proletárias poderiam realizar uma revolução
socialista.
Naquela época, a Revolução Cubana teve
um grande impacto, e aparecia como impossível não
fazer o elogio a Che Guevara, à guerra de guerrilhas e
à revolução no chamado Terceiro Mundo.
A seção inglesa do CI, a SLL, no entanto, não
acompanhou tal caminho e combateu essas concepções,
justamente a partir da defesa da teoria da revolução
permanente de Trotsky [4].
Para rever os aspectos mais profundos dessa teoria, é
preciso compreendê-la como uma análise fundamental
da dinâmica revolucionária do capitalismo moderno
mundializado. Foi assim que tal teoria foi desenvolvida por Leon
Trotsky: o ponto de partida da Revolução Permanente
não é o desenvolvimento econômico ou as relações
internas de classes em um dado país, mas a luta de classes
em escala mundial e o desenvolvimento internacional da economia
capitalista. As condições nacionais são uma
expressão específica desta tendência. Este
é o significado histórico-mundial desta perspectiva,
e é isto que constitui o fundamento para a construção
de um verdadeiro partido revolucionário internacional.
Em relação aos países atrasados e outrora
coloniais, a perspectiva da Revolução Permanente
demonstrou que a burguesiavinculada ao imperialismo e temendo
a força da sua própria classe operárianão
podia levar muito longe a posição de realizar a
sua própria revolução burguesa
[5].
Somente a classe operária pode realizar as tarefas desta
revolução e somente esta classe pode levá-la
adiante através da implantação de sua própria
ditadura, aquela do proletariado. O caráter permanente
desta revolução jaz no fato que a classe operária,
havendo tomado o poder, não pode ela própria limitar-se
às tarefas democráticas, mas é obrigada a
levar adiante medidas de caráter socialista.
As limitações para a construção
do socialismo impostas pelo atraso e isolamento de um país,
somente podem ser superadas através do desenvolvimento
da revolução pela classe operária nos países
capitalistas avançados, culminando com a revolução
socialista mundial, assim assumindo a revolução
um caráter permanente em um segundo sentido.
Os princípios políticos essenciais que resultam
desta perspectivao internacionalismo proletário e
a independência política da classe trabalhadoraforam
rejeitados pelos pablistas em sua adaptação ao stalinismo
e nacionalismo burguês.
Já na década precedente à cisão
do CIQI [6], a liderança do WRP da Inglaterra vinha se
afastando bastante das conquistas teóricas importantes
que havia realizado, em sua anterior defesa do trotsquismo contra
os revisonistas pablistas [7].
No início dos anos 80, o afastamento dessa perspectiva
trosquista levada adiante pelo WRP começou a provocar uma
preocupação sempre crescente no interior Workers
League, a seção americana do Comitê Internacional
[8].
Como os pablistas no passado, a partir da década de
70, as lideranças do WRP, de forma crescente, também
foram abandonando a rigorosa avaliação científica
de que o stalinismo, a social-democracia e o nacionalismo burguês
representavam, em última instância, agências
do imperialismo no interior do movimento operário. Em sentido
contrário, começaram a atribuir um papel potencialmente
revolucionário, a pelo menos alguns aspectos dessas tendências
políticas.
Em 1982, a Workers League começou uma luta no
interior do Comitê Internacional, desenvolvendo uma extensa
crítica à degeneração política
do WRP, centrada na questão da revolução
permanente.
Em novembro de 1982, no apêndice à sua Crítica
dos Estudos de Materialismo Dialético de Gerry Healy,
o camarada David North recapitulou as relações políticas
estabelecidas pela direção do WRP, durante o período
precedente, no Oriente Médio. Lá escreve North:
A defesa marxista dos movimentos de libertação
nacional e a luta contra o imperialismo foram colocadas de maneira
oportunista, apoiando não criticamente os vários
regimes nacionalistas burgueses.
Em todas as tentativas e situações, continua
ele, a teoria da revolução permanente foi
tratada como inaplicável nas presentes circunstâncias.
A resposta da direção do WRP, que possuía
naquela época ainda uma imensa autoridade dentro do ICFI,
devido às suas lutas anteriores pelo trotskismo, não
foi uma defesa política de suas posições,
mas sim, uma ameaça de cisão organizativa.
Apesar disso, em 1984, a Workers League levantou novamente
esses problemas. Em uma carta ao secretário geral do WRP,
Michael Banda, o camarada North manifestou a crescente preocupação
da Workers League, quanto ao desenvolvimento de alianças,
pelo WRP, com movimentos de libertação nacional
e regimes nacionalistas burgueses:
O conteúdo desta aliança reflete muito
pouco uma orientação clara sobre o desenvolvimento
de nossas próprias forças como ponto central para
a luta de estabelecer o papel de direção do proletariado
na luta dos países anti-imperialistas. As concepções
similares sustentadas pelo SWP, com relação à
Argélia e Cuba, que atacamos tão vigorosamente no
começo dos anos sessenta, aparecem com crescente freqüência
no interior da nossa própria imprensa.
E, em fevereiro de 1984, North apresentou um relatório
político ao Comitê Internacional começando
com uma crítica a um discurso do dirigente do SWP, Jack
Barnes [9], que havia explicitamente repudiado a teoria da revolução
permanente, por outro lado, o texto de North concluía com
uma síntese das relações oportunistas do
WRP com o nacionalismo burguês, com os trabalhistas ingleses
(Labourities) e com a burocracia sindical, que na prática
chegavam a ter um resultado quase igual àquele de Barnes.
A direção do WRP opôs-se outra vez a uma
discussão e ameaçou com um rompimento. Contudo,
passado um pouco mais de um ano, irrompeu uma crise interna no
próprio WRP que arrebentou a organização,
conduzindo as diversas frações da antiga direção
inglesa a romperem com o CI e mesmo a repudiarem o trotskismo.
A perspectiva subjacente que guiou a liderança do WRP
foi aquela do anti-internacionalismo. No decurso da cisão
de 1985, Cliff Slaughter foi o campeão na defesa da autonomia
nacional da seção inglesa, rejeitando a necessidade
de subordinar a luta de frações no interior do WRP
a uma clarificação internacionalista que visasse
construir o partido mundial.
Nessa direção, em uma carta de dezembro de 1985,
Cliff Slaughter rejeitou a autoridade do Comitê Internacional
e declarou que o internacionalismo consiste precisamente
em estabelecer apenas linhas de classe e lutar por elas.
Em sua resposta, a Workers League colocou a seguinte
questão: Mas como determinar essas linhas de
classe? Para essa prática é necessária
a existência da Quarta Internacional? A definição
do camarada Slaughter sugeree este é o conteúdo
explícito do todo de sua cartade que qualquer organização
nacional pode elevar-se à plataforma do internacionalismo,
estabelecendo, por si própria, as linhas de classe
e lutar através delas.
Estas questões dirigem-se ao coração mesmo
da perspectiva do movimento trotskista. A tendência que
estava rompendo com o trotskismo reproduzia a percepção
nacionalista que caracterizou o stalinismo desde as suas origens,
ao passo que aqueles que defendem a perspectiva desenvolvida historicamente
pela Quarta Internacional agiram sempre do ponto de vista do internacionalismo.
Stalinismo e social-reformismo
É importante entender que as perspectivas que guiaram
o stalinismo não foram um fenômeno político
unicamente russo.
As origens do próprio stalinismo situam-se no surgimento
contraditório do primeiro estado dos trabalhadores em um
país isolado e atrasado.
A exaustão da classe trabalhadora russa, como uma conseqüência
da guerra civil, combinada com as derrotas sofridas pela classe
operária européia e a estabilização
temporária do capitalismo, contribuíram para o crescimento
de uma perspectiva nacionalista no interior do estado soviético
e de seu partido dirigente.
Esta perspectiva expressava os específicos interesses
materiais de uma burocracia, a qual emergiu como o administrador
da desigualdade social persistente, mesmo após a revolução,
como conseqüência do atraso econômico e isolamento
que atormentaram o primeiro estado operário.
Contudo, o stalinismo e sua perspectiva nacionalista estavam
inquestionavelmente relacionados com uma tendência política
internacional mais ampla, e sua ideologia se enraizava nas primeiras
formas do revisionismo. Em última análise, o stalinismo
representou uma forma determinada de reformismo trabalhista que
assumiu um caráter peculiar e nefasto enquanto uma reação
à Revolução de Outubro no interior do próprio
estado soviético dos trabalhadores.
No entanto, o stalinismo compartilhava muita coisa em comum
com o movimento trabalhista oficial dos países capitalistas,
visando o desenvolvimento do estado nacional e da indústria
e economia nacionais como a fonte de progresso e reformamas,
não o movimento revolucionário internacional da
classe operária.
A concepção da construção
do socialismo em um só país não se
originou na Rússia, mas sim na Alemanha, onde foi propagada
pelo social democrata de direita Georg Von Vollmar. Em 1879 publicou
um artigo intitulado O estado socialista isolado,
lançando os fundamentos ideológicos para o crescimento
posterior do social-patriotismo no interior da na Social-Democracia
Alemã. Finalmente, o Partido Social Democrata Alemão
deu apoio ao governo alemão na Primeira Guerra Mundial
sob a justificativa de que a Alemanha detinha as melhores condições
para a construção do socialismo.Vollmar previu um
período prolongado de coexistência pacífica
entre o estado socialista isolado e o mundo capitalista, durante
o qual o socialismo provaria sua superioridade através
do desenvolvimento tecnológico e do rebaixamento dos custos
de produção.
1. A cisão ocorreu em 1985, quando o
WRP optou pelo nacional-trotsquismo.
2. Em 1953, Cannon (do SWP americano), Lambert (França)
e Healy (Inglaterra) romperam com Pablo e Mandel. Os primeiros
fundaram o Comitê Internacional da QI. Os pablistas se denominavam
Secretariado Internacional.
3. Foi então, em 1963, a partir da unificação
do SWP com Pablo/Mandel que os pablistas passaram a se denominar
Secretariado Unificado da QI.
4. Portanto, naquela ocasião os healistas mantiveram as
posições principistas de 1953
5. Ainda que o Brasil não deva ser tratado como país
atrasado devido, sobretudo, à potencialidade
do seu proletariado, a questão ficou amplamente demonstrada
no Brasil. Na década de 1960, vimos como João Goulart
foi incapaz de realizar as chamadas reformas de base,
e depois vimos os limites da ditadura militar pseudo-nacionalista,
assim como, os limites, a seguir, dos múltiplos governos
civis. Nenhum deles conseguiu realizar nenhuma revolução
burguesa. Sendo que o governo do operário Lula
é última e derradeira demonstração
do fracasso absoluto da chamada revolução
burguesa brasileira.
6. A cisão que o autor se refere é aquela ocorrida
em 1985. Portanto, a década precedente seria aquela dos
anos 70.
7. Portanto, os healistas já nos anos 70 começaram
a se afastar dos ensinamentos de 1953 e 1963, quando, sem dúvida,
souberam defender o trotsquismo.e a teoria da revolução
permanente.
8. A Workers League surgiu de um combate contra a degeneração
do SWP, seção que outrora fora dirigida por Cannon.
9. Dirigente revisonista do SWP que foi um dos principais entusiastas
da Revolução Cubana.