A declaração de que nenhum dos policiais é
considerado culpado pelos disparos que mataram o inocente brasileiro
Jean Charles de Menezes, justificadamente, foi recebida, como
uma ofensa.
Em 22 de julho de 2005, Jean Charles foi baleado dentro do
metrô, na estação Stockwell, por um esquadrão
anti-terrorista que estava investigando as explosões ocorridas,
no dia anterior, ocorridas sem grande sucesso, no sistema de transportes
de Londres
Desde o momento que se tornara claro que a polícia havia
assassinado um homem inocente, toda a máquina de acobertamento
foi colocada em movimento. No entanto, as condições
da morte de Jean Charles foram tão públicas e brutais
que parecia ser necessário, de alguma maneira, prestar
contas pelo ocorrido.
Ao invés disso, no entanto, o Serviço de Acusação
da Coroa (Crown Prosecution Service -CPS) rejeitou qualquer procedimento
criminal contra algum dos policiais envolvidos diretamente no
tiroteio, assim como, contra aqueles que os comandavam, a partir
da base de que há insuficientes evidências
para prover uma acusação com efetiva convicção.
Para acrescentar insulto à injúria anterior,
o CPS declarou que a Polícia Metropolitana enfrentará
um processo a partir do Health and Safety at Work Act 1974
(Decreto de 1974 de Saúde e Segurança no Trabalho)
sendo enquadrada nesse ato por haver falhado em prover saúde,
segurança e bem-estar a Jean Charles. Em resposta
hipócrita, a polícia lamentou dizendo estar claramente
desapontada, pois, tudo estava sendo posto contra ela.
Uma falha de seguridade trabalhista?
O grau de hipocrisia implicado por essa decisão é
difícil de aceitar. O Decreto 1974 de Saúde e Segurança
é mais normalmente associado com a regulação
do local de trabalho e com o controle de substâncias perigosas
e emissões de produtos tóxicos. Até mesmo
se o processo prospere, a máxima punição
que sofrerá a Polícia Metropolitana é uma
multa que, no final das contas, será paga pelo contribuinte.
Ao recordarmos como Jean Charles foi tratado pela Polícia
Metropolitana, fica ainda mais claro o caráter grotesco
de fazer disso um processo de segurança no trabalho.
Ele foi seguido secretamente pela equipe de vigilância
da polícia desde que saiu de sua casa fazendo o seu caminho
rotineiro em direção ao emprego de eletricista em
que trabalhava. Na estação Stockwell, cerca de 20
minutos mais tarde, quando ele estava entrando em um trem, sem
qualquer aviso, policiais à paisana, armados, agarraram
Jean Charles, o imobilizaram e o encheram com onze balas a queima-roupa,
sendo sete diretamente na cabeça.
Esses atos não foram meramente negligentes. Foram atos
deliberados. A CPS aceita isso, mas, argumenta que a acusação
não é possível porque não pode ser
provado, sem deixar dúvidas, de que polícia não
acreditava que Jean Charles fosse um homem-bomba suicida.
Justificando a sua decisão, Stephen O'Doherty, da Divisão
Especial de Crimes do CPS, disse: Os dois oficiais que
atiraram disparos fatais, assim fizeram porque pensaram que o
Sr. Menezes havia sido identificado como um homem-bomba suicida
e caso eles não atirassem nele, ele explodiria o trem,
matando muitas pessoas. Para acusar esses policiais, teríamos
que provar, além de qualquer dúvida, que eles não
possuíam tais convicções, honestamente e
de forma genuína.
Essa declaração é um amontoado de contradições,
meias-verdades e evasivas. Os policiais disseram que agiram de
boa-fé porque eles pensavam que alguém
tinha identificado Jean Charles como um homem-bomba. Ou ele foi
identificado como tal ou não foi. Se ninguém, de
fato, o identificou como um terrorista, então os próprios
policiais deveriam ser indiciados criminalmente. Se, no entanto,
Jean Charles foi realmente identificado como um homem-bomba, então,
a pessoa que fez tal identificação falsa deve ser
processada.
A única justificativa para atingir Jean Charles que
foi oferecida é que ele morava no mesmo bloco de apartamentos
de alguém que estava sob vigilância e que tinha olhos
mongólicos.
A declaração do CPS insiste que tudo o que ocorreu
foram erros individuais no planejamento e na comunicação
mas, nenhum indivíduo foi culpado em grau suficiente
para ser indiciado criminalmente.
A decisão do CPS equivale a um pronunciamento de que
não existe convicção de crime porque ninguém
confessou um crime! O argumento é que nada pode ser provado
porque ninguém aceitou a responsabilidade ou pela identificação
de Jean Charles ou pela ordem de atirar. Porém, deve existir
uma estrutura estabelecida de comando que, se investigada, provaria
se foi dada ou não uma ordem para atirar, e caso a resposta
seja negativa, atirou-se sem autorização.
O CPS recomendou um processo em numerosos casos onde nem ocorreu
uma admissão de culpa e tampouco uma acusação
baseada em convicção absoluta. Sua recusa de assim
proceder neste caso é política. Isso reafirma uma
verdade essencial: qualquer coisa que aconteça, o estado
deixará claro que a polícia continua a gozar, de
fato, da licença para matar. Existem somente dois exemplos
em que policiais sofreram processos por homicídio não
premeditado ou assassinato, nenhum deles resultou em condenação.
Em muitos casos, como o de Jean Charles, o CPS decidiu que existe
insuficiência de evidências para o indiciamento.
O fato que a polícia, para todos os intentos e propósitos,
está acima da lei, é sublinhado pela decisão
de invocar agora a seção 33 do Decreto
de Saúde e Segurança. Isso delata a falsificação
da agenda da polícia. A agenda, na qual inicialmente estava
anotado que Jean Charles tinha sido positivamente identificado
como um terrorista suspeito, foi mudada para o sentido oposto,
e isto com a simples inserção da palavra não.
Ainda mais uma vez, ninguém será acusado por essa
flagrante evidência de crime.
Relatório sobre assassinato retardado
por anos
Apesar dessa falsificação ultrajante, a acusação
feita através da legislação de Saúde
e Segurança é um presente para a polícia.
Isso não somente retarda os protestos fazendo com que o
fato de atirar em Jean Charles seja considerado um mero erro
de procedimento. Isso também previne, potencialmente
por anos, que a investigação do tiroteio seja assumida
pela Comissão de Reclamações da Polícia
Independente (Independent Police Complaints Commission -IPCC).
Sabe-se que a IPCC não é genuinamente independente.
Trata-se de um corpo fundado por Secretaria Estatal (Home Office),
com comissionados apontados por outra Secretaria Estatal (Home
Secretary).
Apesar disso, existem rumores de que algumas de suas descobertas
causariam danos políticos tanto à liderança
da Polícia Metropolitana como ao governo.
O acesso público ao relatório da IPCC foi negado,
após o seu término, sob a alegação
de ele poderia prejudicar uma potencial ação legal
contra os policiais. Essa proibição pode ser agora
mantida sob a alegação de que o processo vai ser
avaliado pela legislação de Saúde e Segurança.
Desde o início, a Polícia Metropolitana se opôs
a qualquer investigação do assassinato em Stockwell.
O Comissário da Polícia Metropolitana, Sir Ian Blair,
notoriamente tentou bloquear uma investigação do
IPCC por cinco dias, chegando a negar que seus comissários
tivessem acesso à cena do crime.
O IPCC, por sua vez, de fato, fez o que podia para encobrir
os atos de Sir Ian, escolhendo não se encontrar com ele
pessoalmente e encerrando suas investigações iniciais
com Cressida Dick, o oficial encarregado da operação
que levou ao assassinato de Jean Charles.
No entanto, o IPCC foi forçado a conduzir uma investigação
separada sobre a conduta dos Comissários de polícia,
atendendo às reclamações da família
de Jean Charles. Sabe-se que ali aparece a campanha de desinformação
conduzida pela polícia nas horas que se seguiram ao assassinato
de Jean Charles: afirmou-se que ele estava vestindo um pesado
casaco em um dia quente (como se estivesse escondendo uma bomba)
e que teria tentado fugir no momento que foi abordado. A acusação
mais séria foi que Sir Ian Blair contou na conferência
de imprensa que o assassinato de Jean Charles estava diretamente
vinculado a uma avançada e grande operação
anti-terrorista, ainda que horas depois já tinha
ficado claro que um inocente fora baleado.