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Inglaterra: nínguém responsabilizado pelo assassinato de Jean Charles de Menezes cometido pela polícia

Declaração do Socialist Equality Party (Inglaterra)
20 Julio 2006

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A declaração de que nenhum dos policiais é considerado culpado pelos disparos que mataram o inocente brasileiro Jean Charles de Menezes, justificadamente, foi recebida, como uma ofensa.

Em 22 de julho de 2005, Jean Charles foi baleado dentro do metrô, na estação Stockwell, por um esquadrão anti-terrorista que estava investigando as explosões ocorridas, no dia anterior, ocorridas sem grande sucesso, no sistema de transportes de Londres

Desde o momento que se tornara claro que a polícia havia assassinado um homem inocente, toda a máquina de acobertamento foi colocada em movimento. No entanto, as condições da morte de Jean Charles foram tão públicas e brutais que parecia ser necessário, de alguma maneira, prestar contas pelo ocorrido.

Ao invés disso, no entanto, o Serviço de Acusação da Coroa (Crown Prosecution Service -CPS) rejeitou qualquer procedimento criminal contra algum dos policiais envolvidos diretamente no tiroteio, assim como, contra aqueles que os comandavam, a partir da base de que “há insuficientes evidências para prover uma acusação com efetiva convicção”.

Para acrescentar insulto à injúria anterior, o CPS declarou que a Polícia Metropolitana enfrentará um processo a partir do “Health and Safety at Work Act 1974” (Decreto de 1974 de Saúde e Segurança no Trabalho) sendo enquadrada nesse ato “por haver falhado em prover saúde, segurança e bem-estar” a Jean Charles. Em resposta hipócrita, a polícia lamentou dizendo estar “claramente desapontada”, pois, tudo estava sendo posto contra ela.

Uma “falha de seguridade trabalhista”?

O grau de hipocrisia implicado por essa decisão é difícil de aceitar. O Decreto 1974 de Saúde e Segurança é mais normalmente associado com a regulação do local de trabalho e com o controle de substâncias perigosas e emissões de produtos tóxicos. Até mesmo se o processo prospere, a máxima punição que sofrerá a Polícia Metropolitana é uma multa que, no final das contas, será paga pelo contribuinte.

Ao recordarmos como Jean Charles foi tratado pela Polícia Metropolitana, fica ainda mais claro o caráter grotesco de fazer disso um processo de segurança no trabalho.

Ele foi seguido secretamente pela equipe de vigilância da polícia desde que saiu de sua casa fazendo o seu caminho rotineiro em direção ao emprego de eletricista em que trabalhava. Na estação Stockwell, cerca de 20 minutos mais tarde, quando ele estava entrando em um trem, sem qualquer aviso, policiais à paisana, armados, agarraram Jean Charles, o imobilizaram e o encheram com onze balas a queima-roupa, sendo sete diretamente na cabeça.

Esses atos não foram meramente negligentes. Foram atos deliberados. A CPS aceita isso, mas, argumenta que a acusação não é possível porque não pode ser provado, sem deixar dúvidas, de que polícia não acreditava que Jean Charles fosse um homem-bomba suicida.

Justificando a sua decisão, Stephen O'Doherty, da Divisão Especial de Crimes do CPS, disse: “ Os dois oficiais que atiraram disparos fatais, assim fizeram porque pensaram que o Sr. Menezes havia sido identificado como um homem-bomba suicida e caso eles não atirassem nele, ele explodiria o trem, matando muitas pessoas. Para acusar esses policiais, teríamos que provar, além de qualquer dúvida, que eles não possuíam tais convicções, honestamente e de forma genuína”.

Essa declaração é um amontoado de contradições, meias-verdades e evasivas. Os policiais disseram que agiram de boa-fé porque eles “pensavam” que alguém tinha identificado Jean Charles como um homem-bomba. Ou ele foi identificado como tal ou não foi. Se ninguém, de fato, o identificou como um terrorista, então os próprios policiais deveriam ser indiciados criminalmente. Se, no entanto, Jean Charles foi realmente identificado como um homem-bomba, então, a pessoa que fez tal identificação falsa deve ser processada.

A única justificativa para atingir Jean Charles que foi oferecida é que ele morava no mesmo bloco de apartamentos de alguém que estava sob vigilância e que tinha “olhos mongólicos”.

A declaração do CPS insiste que tudo o que ocorreu foram “erros individuais no planejamento e na comunicação” mas, “nenhum indivíduo foi culpado em grau suficiente para ser indiciado criminalmente”.

A decisão do CPS equivale a um pronunciamento de que não existe convicção de crime porque ninguém confessou um crime! O argumento é que nada pode ser provado porque ninguém aceitou a responsabilidade ou pela identificação de Jean Charles ou pela ordem de atirar. Porém, deve existir uma estrutura estabelecida de comando que, se investigada, provaria se foi dada ou não uma ordem para atirar, e caso a resposta seja negativa, atirou-se sem autorização.

O CPS recomendou um processo em numerosos casos onde nem ocorreu uma admissão de culpa e tampouco uma acusação baseada em convicção absoluta. Sua recusa de assim proceder neste caso é política. Isso reafirma uma verdade essencial: qualquer coisa que aconteça, o estado deixará claro que a polícia continua a gozar, de fato, da licença para matar. Existem somente dois exemplos em que policiais sofreram processos por homicídio não premeditado ou assassinato, nenhum deles resultou em condenação. Em muitos casos, como o de Jean Charles, o CPS decidiu que existe insuficiência de evidências para o indiciamento.

O fato que a polícia, para todos os intentos e propósitos, está acima da lei, é sublinhado pela decisão de invocar agora a “seção 33” do “Decreto de Saúde e Segurança”. Isso delata a falsificação da agenda da polícia. A agenda, na qual inicialmente estava anotado que Jean Charles tinha sido positivamente identificado como um terrorista suspeito, foi mudada para o sentido oposto, e isto com a simples inserção da palavra “não”. Ainda mais uma vez, ninguém será acusado por essa flagrante evidência de crime.

Relatório sobre assassinato retardado “por anos”

Apesar dessa falsificação ultrajante, a acusação feita através da legislação de Saúde e Segurança é um presente para a polícia. Isso não somente retarda os protestos fazendo com que o fato de atirar em Jean Charles seja considerado um mero “erro de procedimento”. Isso também previne, potencialmente por anos, que a investigação do tiroteio seja assumida pela Comissão de Reclamações da Polícia Independente (Independent Police Complaints Commission -IPCC).

Sabe-se que a IPCC não é genuinamente independente. Trata-se de um corpo fundado por Secretaria Estatal (Home Office), com comissionados apontados por outra Secretaria Estatal (Home Secretary).

Apesar disso, existem rumores de que algumas de suas descobertas causariam danos políticos tanto à liderança da Polícia Metropolitana como ao governo.

O acesso público ao relatório da IPCC foi negado, após o seu término, sob a alegação de ele poderia prejudicar uma potencial ação legal contra os policiais. Essa proibição pode ser agora mantida sob a alegação de que o processo vai ser avaliado pela legislação de Saúde e Segurança.

Desde o início, a Polícia Metropolitana se opôs a qualquer investigação do assassinato em Stockwell. O Comissário da Polícia Metropolitana, Sir Ian Blair, notoriamente tentou bloquear uma investigação do IPCC por cinco dias, chegando a negar que seus comissários tivessem acesso à cena do crime.

O IPCC, por sua vez, de fato, fez o que podia para encobrir os atos de Sir Ian, escolhendo não se encontrar com ele pessoalmente e encerrando suas investigações iniciais com Cressida Dick, o oficial encarregado da operação que levou ao assassinato de Jean Charles.

No entanto, o IPCC foi forçado a conduzir uma investigação separada sobre a conduta dos Comissários de polícia, atendendo às reclamações da família de Jean Charles. Sabe-se que ali aparece a campanha de desinformação conduzida pela polícia nas horas que se seguiram ao assassinato de Jean Charles: afirmou-se que ele estava vestindo um pesado casaco em um dia quente (como se estivesse escondendo uma bomba) e que teria tentado fugir no momento que foi abordado. A acusação mais séria foi que Sir Ian Blair contou na conferência de imprensa que o assassinato de Jean Charles estava “diretamente vinculado a uma avançada e grande operação anti-terrorista”, ainda que horas depois já tinha ficado claro que um inocente fora baleado”.