Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 15 de julho de 2006
Na semana passada, o tribunal superior de Nova Iorque tomou
uma vergonhosa decisão confirmando a lei do estado que
barra casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Esta decisão
rejeitou a garantia constitucional de proteção igualitária
perante a lei e endossou fanatismo e discriminação
em nome da tradição.
Tão vergonhoso quanto esta sanção judicial
pela discriminação e pela negação
de direitos democráticos básicos foi o silêncio
da senadora de Nova Iorque pelo Partido Democrata Hillary Clinton,
que se recusou a condenar a sentença.
Esta não é meramente uma questão de Clinton
estar, de maneira oportunista, se adaptando aos ventos políticos
que prevalecem no estado de Nova York, ao invés de basear
sua posição em princípios democráticos
e constitucionais. Pelo contrário, pesquisas recentes indicaram
que uma clara maioria de novaiorquinos é a favor de conceder
aos casais de pessoas de mesmo sexo o mesmo direito ao casamento
que possuem os demais.
Particularmente, a senadora de Nova Iorque está se posicionando
para uma disputa na nomeação presidencial do Partido
Democrata em 2008 e buscando, portanto, apoio da direita política.
A decisão de Nova Iorque é uma em uma série
de ações judiciais e legislativas direcionadas nacionalmente
para negar aos gays e lésbicas o direito ao casamento.
No mesmo dia em que a Corte de Apelação do estado
de Nova Iorque (a corte mais alta do Poder Judiciário do
estado) publicou sua sentença, a Suprema Corte da Geórgia
confirmou a emenda que proibia tais casamentos, recentemente aprovada
na constituição do estado.
Nesta semana, em Massachussets, a Suprema Corte do Judiciário
- que legalizara, em 2003, uniões de pessoas do mesmo sexo
- deu sinal verde a uma emenda proposta para a constituição
do estado que as proibiria no futuro. O governado do estado Milt
Romney, do Partido Republicano e um potencial candidato à
nomeação presidencial do seu partido em 2008, tem
sido o mais proeminente defensor da proibição. O
poder legislativo do estado, controlado pelo Partido Democrata,
no entanto, prorrogou a votação da medida de lei,
impedindo-a de ser posta à votação em novembro.
Algo entre 8.000 casais homossexuais casou-se no estado - o primeiro
e único a expelir licenças para tais casamentos
- nos últimos dois anos.
Em torno de 20 estados já promulgaram emendas às
suas constituições banindo casamentos de pessoas
do mesmo sexo, enquanto que mais seis estão para votar
a respeito de tais proibições em novembro. Dois
estados - Nova Jersey e Washington - estão esperando as
decisões de suas cortes supremas a respeito da legalização
ou não de tais uniões. Em Washington, cortes inferiores
decidiram que o casamento seria um direito fundamental que não
poderia ser reduzido à base da orientação
sexual, enquanto que em Nova Jersey opinou-se que tais direitos
constitucionais não existem. Em ambos os casos, as decisões
foram rogadas.
Desafios legais procurando a legalização de casamentos
gays estão também pendentes na Califórnia,
Connecticut, Iowa, Maryland, Nebraska e Oklahoma.
Uma emenda à constituição dos EUA para
boicotar tais uniões pelo país inteiro foi derrotada
(por votos) no senado norte-americano no mês passado, mesmo
contando com o apoio da presença pública do presidente
Bush e das lideranças republicanas. A Câmara dos
Representantes está marcada para conduzir sua própria
votação na semana que vem.
Em pronunciamento feito por um porta-voz em resposta à
decisão da corte de Nova Iorque, Clinton declarou seu apoio
à completa igualdade entre as pessoas que possuem
relacionamentos comprometidos, incluindo seguro-saúde,
seguro de vida e pensões, visitas hospitalares e acredita
que precisamos continuar trabalhando para alcançar esses
objetivos.
Na ocasião, ela ainda reiterou declarando apoio às
uniões civis sancionadas pelo estado, como já existem
em Vermont e em Connecticut. Califórnia, Havaí,
Maine e Nova Jersey possuem estatutos mais limitados para aqueles
que vivem como parceiros domésticos. Esta forma de relacionamento
não é, de forma alguma, como um casamento, não
sendo, no entanto, muito distinta do mesmo. A discriminação
e tratamento desigual que fundamentam esta distinção
não são nada para além de simbólicas.
Uniões civis não são reconhecidas fora
dos estados nos quais são aprovadas e não possuem
validade federal, negando, dessa forma, àqueles que entram
nos estados (imigrantes), benefícios federais e proteções
advindas de 1.138 estatutos e políticas, incluindo segurança
social e licença médica familiar, sendo os mesmos
também cobrados através de políticas de taxa
e imigração.
O modelo para estatutos e emendas anti-casamento gay que estão
sendo decretadas pelo país é a Lei em Defesa do
Casamento, que foi assinada pelo presidente Bill Clinton em 1996.
A senadora Hillary Clinton continua a defender este estatuto decretado
por seu marido.
Os argumentos da maioria na decisão tomada às
pressas na suprema corte de Nova Iorque beiraram o absurdo. Concluindo
que o boicote ao casamento gay não era meramente uma questão
de ignorância e preconceito contra homossexuais,
a maioria especulou que, por um lado, a assembléia legislativa
pudesse acreditar - apesar da falta de evidências - que
crianças estariam numa situação melhor em
lares compostos por uma mãe e um pai do que naqueles formados
por pessoas do mesmo sexo. Por outro lado, avançou na declaração
novelesca de que se permitir direitos matrimoniais aos casais
heterossexuais ao mesmo tempo em que se negando os mesmos aos
gays e lésbicas poderia ser justificado por ser mais
importante promover estabilidade, e evitar instabilidade, antes
em relacionamentos heterossexuais do que em homossexuais
por causa da predisposição de gravidez não-planejada.
Discórdia: uma tradição
de discriminação
Manifestando sua discordância, a juíza-chefe Judith
Kaye, outra conhecedora do tema, escreveu que Limitar casamentos
àqueles que se dão entre pessoas de sexos opostos
impede, inegavelmente, gays e lésbicas de se casarem com
seus escolhidos do mesmo sexo... e dessa forma constitui-se discriminação
baseada na orientação sexual. Ela desmontou
a invocação da tradição
feita pela maioria para apoiar a proibição, comparando
a mesma à tradição de se deslegitimar
casamentos inter-raciais no sul de Jim Crow. Uma história
de tradição de discriminação não
faz da discriminação algo constitucional ... este
é um raciocínio cíclico ... para manter este
casamento é necessário que ele fique como uma instituição
heterossexual porque é assim que tem sido historicamente.
Kaye também atacou o argumento de que aquele tipo de
casamento era mais importante para proteger as crianças
que são criadas pelos casais heterossexuais, apontando
não haver argumento racional ao se negar a existência
da mesma proteção às crianças criadas
pelos seus responsáveis do mesmo sexo. Ela concluiu que
as futuras gerações veriam as deliberações
da corte como um passo em falso, adicionando, Este
estado possui uma grande tradição em dar direitos
iguais a todos os novaiorquinos. Infelizmente, a corte foge hoje
desta maravilhosa tradição.
Enquanto defensores do casamento gay juraram prosseguir o caso
nas assembléias legislativas federais, decisões
como esta da Suprema Corte de Nova Iorque, e o fracasso de Democratas
como Hillary Clinton ao não se oporem claramente a ela,
têm uma significância visível. Não há,
na elite que comanda nem em seus dois maiores partidos políticos,
uma seção substancial que mantém qualquer
comprometimento sério com os direitos democráticos
fundamentais.
A direita Republicana está, deliberada e cinicamente,
tentando estimular medo, insegurança e preconceito contra
o casamento gay entre camadas da população a fim
de desviar as atenções do desastre no Iraque e das
condições econômicas em processo de deterioração
que confrontam a maioria dos trabalhadores nos EUA.
Eles baseiam seu apelo reacionário muito diretamente
na religião, desprezando o fundamental princípio
constitucional de separação entre igreja e estado.
Por que Democratas como Clinton, que posam como liberais e
contam com gays em suas bases eleitorais, estão incapazes
de armar uma defesa baseada em princípios contra esta campanha?
Certamente, é o nada desprezível papel do cálculo
político de baixo nível que está aqui a operar.
Clinton sabe claramente que não precisa tomar uma posição
clara neste caso, usando a gastada pergunta Democrata, em
quem mais eles vão votar?
Porém, mais fundamentalmente, uma defesa efetiva de
direitos democráticos em qualquer âmbito é
impossível fora de um programa que procure mobilizar os
trabalhadores - a grande maioria da população -
contra todas as formas de desigualdade social e econômica.
Se os Democratas não querem e nem podem armar uma defesa
deste tipo, é porque como partido eles representam não
o interesse da maioria, mas o 1% do topo da população
- Hillary Clinton entre eles - que acumulou vasta fortuna pessoal
precisamente através do crescimento irrestrito da desigualdade
social.
Além disso, políticas como Clinton são
incapazes de desvelar os esforços dos Republicanos - que
utilizam os assim chamados temas sociais, como o casamento
gay, para desviar a opinião pública de assuntos
como a guerra no Iraque e desigualdade social - precisamente porque
não representam uma alternativa política nestas
questões fundamentais. Hillary Clinton apóia a guerra
e recentemente votou pela continuação da ocupação
militar no Iraque por tempo indefinido. Ela representa os interesses
das corporações e de Wall Street.
Ela mesma tentou ultrapassar os Republicanos ao posar como
defensora dos mesmos valores duvidosos, co-patrocinando
uma lei federal anti-queima da bandeira e juntando-se aos senadores
Sam Brownback e Rick Santorum (Republicanos da ala da direita),
em uma campanha contra jogos de video game inapropriados.
Meu partido, o Socialist Equality Party, sustenta o direito
irrestrito de casamento entre pessoas do mesmo sexo como um tema
básico de igualdade e direitos democráticos. Mas
o SEP insiste que tais direitos não podem ser defendidos
somente no âmbito das liberdades civis e resistindo a ataques
a normas constitucionais.
Direitos iguais perante a lei não podem se concretizar
numa sociedade em que a desigualdade social e econômica
é onipresente. A defesa de tais direitos só pode
avançar se como parte de uma luta mais ampla, que una os
trabalhadores contra o estrangulamento exercido por uma oligarquia
financeira sobre a vida política e seu crescente monopólio
da riqueza da sociedade. Em última análise, a defesa
e a extensão de direitos democráticos são
inseparáveis da mobilização política
independente da classe trabalhadora na luta pela transformação
socialista da sociedade.