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Tumulto na China contra a deterioração da saúde pública

Por John Chan
7 Dezembro 2006

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 27 de Novembro de 2006.

Duas mil pessoas se juntaram e saquearam um hospital a sudoeste na cidade chinesa de Guangan, na província de Sichuan, no dia 10 de novembro, depois da suposta recusa em tratar uma criança de três anos de idade antes do pagamento da consulta. O tumulto é outra indicação da crescente frustração em relação ao agravamento das condições sociais, neste caso resultado das reformas médicas do “usuário-pagante” de Beijing.

De acordo com a base de informações do Centro para os Direitos Humanos e Democracia de Hong Kong, a manifestação foi ocasionada pela notícia de que um pequeno menino, Xiong Zerong, foi levado às pressas por duas pessoas ao hospital local de Guangan no dia 8 de Novembro depois de ter ingerido um pesticida. A equipe do hospital, entretanto, não atendeu o menino porque seu avô possuía apenas 123 yuan (cerca de 33 reais), muito aquém da tarifa completa de 639 yuan. Os médicos pediram para que ele voltasse para casa para pegar mais dinheiro, mas a criança morreu antes que o avô voltasse.

A família pediu indenização, mas o hospital público concordou em pagar apenas 500 yuan. Quando os parentes tentaram reclamar ao governo municipal, foram rechaçados pelos seguranças. Um grupo de estudantes locais ajudou a família a organizar um protesto, que rapidamente atraiu muitas pessoas que estão revoltadas diante da má qualidade do atendimento no hospital e do alto custo dos serviços de saúde. A multidão enfurecida quebrou janelas e equipamentos no hospital público. Por volta de 100 policiais armados foram chamados para dar fim à manifestação—dez pessoas foram feridas, cinco foram presas e três camionetes da polícia foram queimadas.

Um operador de telefones local falou à agência de notícias da imprensa no dia seguinte: “Eu vi muitos policiais armados nas ruas. Eles usavam auto-falantes para dizer às pessoas para não acreditarem nos rumores e acreditar no governo”.

Tanto o Governo Municipal quanto o Nacional isentaram o hospital de qualquer responsabilidade. A imprensa estatal afirmou que o hospital havia providenciado tratamento de emergência para o menino. Uma investigação de médicos especialistas associados à Universidade de Sichuan constatou que o hospital havia imediatamente sondado o estômago e colocado soro no menino, mas ele teria morrido por ter ingerido muito pesticida.

É interessante que a história real seja encoberta. Mesmo que a criança tenha realmente sido tratada, o incidente revela intensa hostilidade popular em relação às políticas pró-mercado de Beijing. Muitas pessoas obviamente acreditam que os administradores dos hospitais são perfeitamente capazes de permitir que pacientes morram caso eles, ou sua família, não puderem pagar pelas taxas cobradas pelos hospitais. A introdução do regime do “usuário pagante” nos anos 90 fez com que milhões de pessoas não pudessem mais utilizar os serviços básicos de atendimento médico-hospitalar por não terem como pagar.

Uma das conquistas sociais da Revolução Chinesa de 1949 foi o estabelecimento de um sistema de saúde, apesar de rudimentar, gratuito. Saúde pública, juntamente com outros serviços essenciais, têm sido seriamente comprometidos desde o começo das ‘reformas de mercado” de 1979.

Apesar de uma média anual de 10% na taxa de crescimento econômico durante os últimos 27 anos, os benefícios sociais têm se concentrado nas mãos de uma nova elite capitalista associada ao regime do Partido Comunista Chinês (PCC). Saúde, educação e habitação têm se tornado uma pesada carga financeira para a classe trabalhadora.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, das 191 nações do mundo, a China ocupa 188º lugar em termos de igualdade de recursos médicos para seus 1,3 bilhões de habitantes. A participação do governo central na porção total do fundo de saúde caiu de 40% em 1980 para apenas 16% em 2004. Um artigo publicado no mês passado no Diário Oficial da China observou, em relação à zona rural: “uma vez que a sirene de uma ambulância toca, um porco é levado ao mercado; uma vez que uma cama de hospital é utilizada, um ano de lavoura desce pelo cano; e quando alguém fica gravemente doente, dez anos de economias são jogados fora”.

O jornal comentou as profundas divisões entre os ricos e os pobres e entre as áreas urbanas e rurais. Quase dois terços do fundo do governo para a saúde vai para as áreas urbanas, deixando 800 milhões de camponeses, a maioria da população, com mínimo acesso aos recursos básicos de saúde.

Ao mesmo tempo, 80% do fundo médico público nas cidades são usados por 8,5 milhões de pessoas—uma minoria privilegiada formada por menos que 0,007% da população. Um relatório do governo central admitiu que os hospitais chineses são agora “clubes para os ricos”. Alarmado pelo crescimento das tensões sociais, o governo implementou um sistema limitado de seguro social, incluindo atendimento médico, no final dos anos de 1990, supostamente para proteger trabalhadores e camponeses. Entretanto, a maior parte das pessoas não consegue pagar para ter os benefícios dos seguros, exceto uma pequena camada das classes médias urbanas e fazendeiros com boas condições financeiras.

O ministro da saúde estima que aproximadamente 90% da população rural não têm nenhum seguro saúde; nas cidades este número gira em torno de 60%. A última pesquisa médica em 2003 revelou que 73% dos camponeses que precisavam de atendimento médico preferiam não procurá-lo por causa das altas taxas. O mesmo ocorria com 64% dos moradores urbanos.

Em 2003, Beijing estabeleceu um esquema de cooperativa médica rural, que exige que os camponeses paguem 10 yuan por ano. Entretanto, apenas 156 milhões de pessoas, menos de um quinto da população rural, aderiu ao plano. Muitos trabalhadores rurais pobres não tem como pagar 10 yuan e o esquema cobre no máximo 65% das despesas médicas. Ainda que Beijing tenha prometido 20 bilhões de yuans para um sistema de saúde voltado aos camponeses para os próximos 5 anos, a crise permanecerá.

Li Ling, uma professora na Universidade de Pequim, apontou as causas fundamentais da crise. Ela declarou ao Diário Chinês que as reformas na saúde de 1990 foram “um fracasso do governo e um fracasso de mercado”. Li disse que os crescentes custos médicos é conseqüência do fato de que os médicos e hospitais “pensam cada vez mais no lucro”. Isto leva à corrupção, a prescrição exagerada de medicamentos devido ao suborno por companhias de medicamentos. Os preços para os remédios e tratamentos médicos nunca foram tão altos.

Em Agosto, a Comissão Nacional Chinesa de Reforma e Desenvolvimento emitiu a 19ª tabela de preços para os medicamentos a fim de tentar controlar o aumento dos preços dos remédios. Mas, de acordo com Li, a última tabela, assim como as anteriores, fazem pouca diferença, uma vez que os fabricantes de remédios simplesmente aumentam os preços através da mudança do nome e das embalagens dos seus produtos.

A cada ano há dezenas de milhares de protestos de trabalhadores e camponeses na China revoltados diante da desigualdade social, da corrupção, da falta de emprego e de outros males sociais. Mas o último tumulto tem um significado particular. Guangan é a cidade natal de Deng Xiaoping, o arquiteto da reforma de mercado, que sustentou a falsa esperança de que estas políticas trariam grandes benefícios para todos.