Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 07 de dezembro de 2006.
No dia 4 de dezembro, a corte eleitoral nacional do Equador
anunciou oficialmente que o novo presidente do país é
Rafael Correa. Ele fará o juramento no próximo dia
15 como o 56º presidente do Equador, o sétimo a ocupar
o posto desde que o poder legislativo depôs o presidente
Abdala Bucaram, há dez anos, em meio a uma crise que devastou
o país.
No mês passado Correa venceu o segundo turno das eleições
com 58% dos votos, contra 42% de Álvaro Noboa. No final
do primeiro turno das eleições, realizado em outubro,
Correa estava em segundo lugar, com 22,8% dos votos. Noboa obteve,
no primeiro turno, 26,8% dos votos.
Correa é um economista de 46 anos, formado nos Estados
Unidos e na Bélgica. Teve uma breve participação
no governo de Alfredo Palacios como ministro da economia. Correa
foi professor universitário por muito tempo. O vice-presidente
é o empresário Lênin Morales, novato em política.
Noboa é considerado o homem mais rico da nação.
Ele é herdeiro de uma fortuna acumulada por meio da produção
de banana. Seu estilo política é uma combinação
de paternalismo com anti-sindicalismo. Ele demitiu trabalhadores
de suas plantações por terem se filiado aos sindicatos.
Em 2002, Noboa contratou assassinos de aluguel, que atacaram e
balearam dois trabalhadores que estavam em greve.
O partido de Correa, Alianza PAÍS, é um
partido burguês nacionalista, embora se considere como parte
de uma corrente progressista que está se espalhando
pela América Latina e Caribenha que se propõe a
libertar o Equador dos 500 anos de exploração.
Sua declaração de princípios, emitida em
espanhol e em quíchua (a língua dos incas), faz
referências ao pan-americanismo de Simon Bolívar
e à luta dos povos nativos do Equador, e chama para a formação
de uma nova ordem baseada na igualdade entre as etnias,
no desenvolvimento ecologicamente sustentável e na renegociação
da dívida externa.
Correa transmitiu aos seus seguidores, em espanhol e quíchua,
uma mensagem populista com doses pesadas de doutrina social católicaele
é devoto do catolicismo evangélico. Ao mesmo tempo,
ele reafirmou à elite do Equador e aos investidores internacionais
que não ultrapassará os limites das relações
de propriedade capitalistas. A respeito disso, a escolha do vice-presidente,
Lênin Morales, um executivo que coordena a Federação
Nacional de Câmaras de Turismo, é significativa.
Durante a campanha, ambos os candidatos fizeram promessas demagógicas
de dar casas aos pobres e desenvolver programas de bem estar social.
Correa se apresentou como alguém que luta contra a corrupção
e que é contrário ao tratado de livre comércio
com os Estados Unidos. Ele acusou seu oponente de destruir a soberania
nacional e transformar o Equador na república da banana.
Correa ainda pediu neutralidade em relação
ao Plano Colômbia, o programa colombiano-americano cujo
aparente objetivo é combater o tráfico de drogas,
mas que, no fundo, tem como propósito principal a garantia
dos suprimentos petrolíferos colombianos às companhias
transnacionais norte-americanas. Ele propôs que o Equador
não renovasse o aluguel da Base Aérea de Manta para
os EUA. O contrato expira em 2009.
Correa se opôs ao pacto de comércio com os EUA,
porque, segundo ele, isso poderia abrir as portas para produtos
agrícolas norte-americanos subsidiados, afetando assim
os interesses dos camponeses e dos pequenos fazendeiros equatorianos.
Inicialmente, ele propôs que o governo passasse a controlar
a movimentação de capital de curto prazo para dentro
e para fora do país, e levantou a possibilidade de suspender
o pagamento da dívida ao Fundo Monetário Internacional
(FMI) e a outras agências internacionais, admitindo que
deveria ser feita ainda a renegociação dos termos.
Em seguida, diante da pressão do setor empresarial, ele
abriu mão das duas propostas. Durante a campanha do segundo
turno das eleições, Correa se esforçou para
garantir aos credores internacionais que seus investimentos não
seriam afetados, caso ele fosse eleito.
Sob a pressão de massivas manifestações
de trabalhadores e da população indígena,
o legislativo do Equador já depôs seis presidentes
nos últimos 10 anos. Correa e o Alianza PAÍS
pretendem organizar um referendo para uma Convenção
Nacional que reformaria a constituição, a fim de
impedir o congresso de depor os presidentes. Essa medida daria
um poder ainda maior ao executivo. Um executivo forte poderá
garantir que Estado seja capaz de controlar efetivamente uma convulsão
social. Caso não consiga por em prática este projeto,
o futuro de Correa como presidente estará nas mãos
do congresso.
O Equador é um exemplo de desastre causado pelas políticas
de livre mercado impostas na região pelo FMI,
pelo Banco Mundial e pelo Departamento de Estado dos EUA. Iniciadas
em 1980, essas novas políticaslivre movimentação
de capital, privatização e cortes drásticos
nos programas sociais do governotiveram um impacto devastador
em setores como educação, saúde e segurança
social.
Entre 1980 e 2000, o Equador apresentou um crescimento médio
da renda per capita de 4% ao ano e uma diminuição
de 14% no produto interno bruto (PIB). Desde então, a renda
per capita cresceu apenas 8% em cinco anos.
Como resultado, o PIB per capita médio em 2005$4.300foi
menor que o existente em 1980. Aproximadamente metade dos 13 milhões
de equatorianos vive na pobreza; 30% vivem com menos de um dólar
por dia.
Em 2000, o governo substituiu a moeda equatoriana, o sucre,
pelo dólar americano, uma medida que colocou o sistema
monetário do Equador sob o controle do Banco Central norte-americano
(FED). Isso tirou o controle monetário das mãos
do Banco Central do Equador e, de forma combinada com as severas
restrições ditadas pelo FMI e pelo Banco Mundial
em relação aos gastos sociais, colocou as políticas
fiscais e monetárias nas mãos das instituições
financeiras internacionais dominadas por Washington.
O empobrecimento da população foi drástico,
sobretudo nas áreas rurais, como a Amazônia equatorial,
e entre as populações indígenas. A taxa de
pobreza em 2000 já era 30% mais alta do que a de 1993.
Mais de 85% dos índios sobrevivem abaixo da linha de
pobreza. O trabalho infantil está crescendo permanentementeinclusive
nas fazendas de Noboa. Em conseqüência, a freqüência
escolar está diminuindo. A desnutrição infantil
chega aos 26% (59% desta estão entre os nativos). Os cortes
no orçamento dos programas sociais destruíram o
sistema de saúde do país. Cerca de 22% da população
migrou para outros países. O desemprego e o subemprego
encontram-se em níveis lastimáveis.
A proposta de Correa por uma reforma constitucional é
resultado da crise social, que atinge proporções
históricas. O moderado crescimento econômico alcançado
neste ano, estimulado pelos altos preços do petróleo
(o Equador produz 500.000 barris por dia, sendo que exporta 450.000
ao dia), foi algo ínfimo se comparado à catastrófica
queda do padrão de vida.
Cerca de 43% do orçamento estatal depende da exportação
do petróleo. Durante a década de 1970, o débito
equatoriano com os bancos de Wall Street aumentou, baseado na
expectativa de alta dos rendimentos do petróleo. Com a
queda nos preços do petróleo nos anos subseqüentes,
o Equador caiu numa profunda crise, da qual ainda não se
recuperou totalmente. Apesar das repetidas renegociações
com os bancos e com o FMI, um terço do orçamento
estatal está comprometido com o pagamento da dívida.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU classificou
o Equador, no ano de 1999, na 69ª posição entre
175 nações. Em 2004, o país caiu para o 100º
lugar. A classificação do IDH dos países
se dá de acordo com o rendimento per capita, com a expectativa
de vida e com os níveis de saúde e de educação.
A catástrofe econômica do Equador desencadeou
um processo de revoltas sociais. Em abril de 2005, dezenas de
milhares de pessoas tomaram as ruas exigindo o afastamento de
todos os políticos. Os manifestantes lutaram com a polícia
nas ruas. O protesto de massa contribuiu para a remoção
do então presidente Lucio Gutierrez.
Em março passado, milhares de trabalhadores das empresas
de petróleo fizeram greve contra as empreiteiras privadas
contratadas pela Petroecuador. As forças de segurança
do governo se enfrentaram com os grevistas, ferindo três
trabalhadores. O governo do ex-presidente Alfredo Palácios
decretou a lei marcial nas três províncias produtoras
de petróleo, prendendo vários trabalhadores.
A questão do petróleo tem sido uma fonte de tensão
na empobrecida região norte do país, desencadeando
protestos nas cidades e vilas da região por causa da destruição
ambiental e da contaminação da água potável,
em conseqüência da procura e exploração
do petróleo. Em meio às greves e interrupções
da produção, o Equador cancelou alguns dos aluguéis
da companhia norte-americana Occidental Petroleum e transferiu-os
para a Petroecuador, a companhia nacional de petróleo.
O último presidente eleito, Lucio Gutierrez, um aliado
do presidente George W. Bush, foi deposto em abril de 2005 em
meio à greve geral causada pelos imensos cortes nos gastos
públicos, implementados em decorrência do acordo
com o FMI. Gutierrez se elegeu com base na promessa de aumentar
os programas sociais e reformas. Correa fez o mesmo. Ambos buscaram
apoio nas organizações indígenas. Ao assumir
o governo, Gutierrez mudou sua posição ao concordar
com o programa de austeridade imposto pelo FMI.
Correa faz parte do grupo de líderes de esquerda
na América Latina que, em diferentes graus, desafiaram
as exigências dos EUA em relação à
abertura das economias dos países para o capital norte-americano
e ao corte das despesas com os programas sociais, com o fim de
saldar os compromissos com os credores estrangeiros. Nesse grupo
encontram-se Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, Nestor
Kirchner na Argentina, Hugo Chavez na Venezuela e Evo Morales
na Bolívia. Todos eles chegaram ao governo representando
uma grande esperança popular, combinando a demagogia nacionalista
com o interesse de empresários, que, por sua vez, buscavam
proteger seus lucros e suas propriedades.
Não existe nada de novo a respeito dessa tão
falada corrente progressista. Os nacionalistas burgueses
de esquerda na América Latina ameaçam
a oligarquia financeira internacional, apontando a instabilidade
e o caos social com o objetivo de conseguir empréstimos,
concessões comerciais e de neutralizar a crise social em
seus países. Entretanto, seu principal papel é de
impedir o desenvolvimento de um movimento político da classe
trabalhadora independente. Como sempre ocorreu na história,
os períodos nos quais a burguesia de esquerda
governa são sempre seguidos pela crescente exploração
econômica e pelo crescimento da repressão política.
Apenas dois dias depois de sua vitória, Correa recebeu
os cumprimentos do presidente Bush. Descrevendo a conversa, ele
se referiu ao líder norte-americano como uma pessoa
nobre.
Correa ainda se encontrou com a embaixadora norte-americana
no Equador, Linda Jewell. No encontro, Correa agradeceu aos EUA
por ter expandido um acordo comercial bilateral que favorece as
exportações equatorianas aos EUA. Um representante
do Departamento de Estado dos EUA afirmou que o governo Bush está
colaborando com a Bolívia de Morales e espera trabalhar
da mesma forma com Correa.