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Rafael Correa é declarado novo presidente do Equador

Por Rafael Azul
13 Dezembro 2006

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 07 de dezembro de 2006.

No dia 4 de dezembro, a corte eleitoral nacional do Equador anunciou oficialmente que o novo presidente do país é Rafael Correa. Ele fará o juramento no próximo dia 15 como o 56º presidente do Equador, o sétimo a ocupar o posto desde que o poder legislativo depôs o presidente Abdala Bucaram, há dez anos, em meio a uma crise que devastou o país.

No mês passado Correa venceu o segundo turno das eleições com 58% dos votos, contra 42% de Álvaro Noboa. No final do primeiro turno das eleições, realizado em outubro, Correa estava em segundo lugar, com 22,8% dos votos. Noboa obteve, no primeiro turno, 26,8% dos votos.

Correa é um economista de 46 anos, formado nos Estados Unidos e na Bélgica. Teve uma breve participação no governo de Alfredo Palacios como ministro da economia. Correa foi professor universitário por muito tempo. O vice-presidente é o empresário Lênin Morales, novato em política.

Noboa é considerado o homem mais rico da nação. Ele é herdeiro de uma fortuna acumulada por meio da produção de banana. Seu estilo política é uma combinação de paternalismo com anti-sindicalismo. Ele demitiu trabalhadores de suas plantações por terem se filiado aos sindicatos. Em 2002, Noboa contratou assassinos de aluguel, que atacaram e balearam dois trabalhadores que estavam em greve.

O partido de Correa, Alianza PAÍS, é um partido burguês nacionalista, embora se considere como parte de uma “corrente progressista que está se espalhando pela América Latina e Caribenha que se propõe a libertar o Equador dos 500 anos de exploração”. Sua declaração de princípios, emitida em espanhol e em quíchua (a língua dos incas), faz referências ao pan-americanismo de Simon Bolívar e à luta dos povos nativos do Equador, e chama para a formação de uma “nova ordem” baseada na igualdade entre as etnias, no desenvolvimento ecologicamente sustentável e na renegociação da dívida externa.

Correa transmitiu aos seus seguidores, em espanhol e quíchua, uma mensagem populista com doses pesadas de doutrina social católica—ele é devoto do catolicismo evangélico. Ao mesmo tempo, ele reafirmou à elite do Equador e aos investidores internacionais que não ultrapassará os limites das relações de propriedade capitalistas. A respeito disso, a escolha do vice-presidente, Lênin Morales, um executivo que coordena a Federação Nacional de Câmaras de Turismo, é significativa.

Durante a campanha, ambos os candidatos fizeram promessas demagógicas de dar casas aos pobres e desenvolver programas de bem estar social. Correa se apresentou como alguém que luta contra a corrupção e que é contrário ao tratado de “livre comércio” com os Estados Unidos. Ele acusou seu oponente de destruir a soberania nacional e transformar o Equador na república da banana.

Correa ainda pediu “neutralidade” em relação ao Plano Colômbia, o programa colombiano-americano cujo aparente objetivo é combater o tráfico de drogas, mas que, no fundo, tem como propósito principal a garantia dos suprimentos petrolíferos colombianos às companhias transnacionais norte-americanas. Ele propôs que o Equador não renovasse o aluguel da Base Aérea de Manta para os EUA. O contrato expira em 2009.

Correa se opôs ao pacto de comércio com os EUA, porque, segundo ele, isso poderia abrir as portas para produtos agrícolas norte-americanos subsidiados, afetando assim os interesses dos camponeses e dos pequenos fazendeiros equatorianos.

Inicialmente, ele propôs que o governo passasse a controlar a movimentação de capital de curto prazo para dentro e para fora do país, e levantou a possibilidade de suspender o pagamento da dívida ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e a outras agências internacionais, admitindo que deveria ser feita ainda a renegociação dos termos. Em seguida, diante da pressão do setor empresarial, ele abriu mão das duas propostas. Durante a campanha do segundo turno das eleições, Correa se esforçou para garantir aos credores internacionais que seus investimentos não seriam afetados, caso ele fosse eleito.

Sob a pressão de massivas manifestações de trabalhadores e da população indígena, o legislativo do Equador já depôs seis presidentes nos últimos 10 anos. Correa e o Alianza PAÍS pretendem organizar um referendo para uma Convenção Nacional que reformaria a constituição, a fim de impedir o congresso de depor os presidentes. Essa medida daria um poder ainda maior ao executivo. Um executivo forte poderá garantir que Estado seja capaz de controlar efetivamente uma convulsão social. Caso não consiga por em prática este projeto, o futuro de Correa como presidente estará nas mãos do congresso.

O Equador é um exemplo de desastre causado pelas políticas de “livre mercado” impostas na região pelo FMI, pelo Banco Mundial e pelo Departamento de Estado dos EUA. Iniciadas em 1980, essas novas políticas—livre movimentação de capital, privatização e cortes drásticos nos programas sociais do governo—tiveram um impacto devastador em setores como educação, saúde e segurança social.

Entre 1980 e 2000, o Equador apresentou um crescimento médio da renda per capita de 4% ao ano e uma diminuição de 14% no produto interno bruto (PIB). Desde então, a renda per capita cresceu apenas 8% em cinco anos.

Como resultado, o PIB per capita médio em 2005—$4.300—foi menor que o existente em 1980. Aproximadamente metade dos 13 milhões de equatorianos vive na pobreza; 30% vivem com menos de um dólar por dia.

Em 2000, o governo substituiu a moeda equatoriana, o sucre, pelo dólar americano, uma medida que colocou o sistema monetário do Equador sob o controle do Banco Central norte-americano (FED). Isso tirou o controle monetário das mãos do Banco Central do Equador e, de forma combinada com as severas restrições ditadas pelo FMI e pelo Banco Mundial em relação aos gastos sociais, colocou as políticas fiscais e monetárias nas mãos das instituições financeiras internacionais dominadas por Washington.

O empobrecimento da população foi drástico, sobretudo nas áreas rurais, como a Amazônia equatorial, e entre as populações indígenas. A taxa de pobreza em 2000 já era 30% mais alta do que a de 1993.

Mais de 85% dos índios sobrevivem abaixo da linha de pobreza. O trabalho infantil está crescendo permanentemente—inclusive nas fazendas de Noboa. Em conseqüência, a freqüência escolar está diminuindo. A desnutrição infantil chega aos 26% (59% desta estão entre os nativos). Os cortes no orçamento dos programas sociais destruíram o sistema de saúde do país. Cerca de 22% da população migrou para outros países. O desemprego e o subemprego encontram-se em níveis lastimáveis.

A proposta de Correa por uma reforma constitucional é resultado da crise social, que atinge proporções históricas. O moderado crescimento econômico alcançado neste ano, estimulado pelos altos preços do petróleo (o Equador produz 500.000 barris por dia, sendo que exporta 450.000 ao dia), foi algo ínfimo se comparado à catastrófica queda do padrão de vida.

Cerca de 43% do orçamento estatal depende da exportação do petróleo. Durante a década de 1970, o débito equatoriano com os bancos de Wall Street aumentou, baseado na expectativa de alta dos rendimentos do petróleo. Com a queda nos preços do petróleo nos anos subseqüentes, o Equador caiu numa profunda crise, da qual ainda não se recuperou totalmente. Apesar das repetidas renegociações com os bancos e com o FMI, um terço do orçamento estatal está comprometido com o pagamento da dívida.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU classificou o Equador, no ano de 1999, na 69ª posição entre 175 nações. Em 2004, o país caiu para o 100º lugar. A classificação do IDH dos países se dá de acordo com o rendimento per capita, com a expectativa de vida e com os níveis de saúde e de educação.

A catástrofe econômica do Equador desencadeou um processo de revoltas sociais. Em abril de 2005, dezenas de milhares de pessoas tomaram as ruas exigindo o afastamento de todos os políticos. Os manifestantes lutaram com a polícia nas ruas. O protesto de massa contribuiu para a remoção do então presidente Lucio Gutierrez.

Em março passado, milhares de trabalhadores das empresas de petróleo fizeram greve contra as empreiteiras privadas contratadas pela Petroecuador. As forças de segurança do governo se enfrentaram com os grevistas, ferindo três trabalhadores. O governo do ex-presidente Alfredo Palácios decretou a lei marcial nas três províncias produtoras de petróleo, prendendo vários trabalhadores.

A questão do petróleo tem sido uma fonte de tensão na empobrecida região norte do país, desencadeando protestos nas cidades e vilas da região por causa da destruição ambiental e da contaminação da água potável, em conseqüência da procura e exploração do petróleo. Em meio às greves e interrupções da produção, o Equador cancelou alguns dos aluguéis da companhia norte-americana Occidental Petroleum e transferiu-os para a Petroecuador, a companhia nacional de petróleo.

O último presidente eleito, Lucio Gutierrez, um aliado do presidente George W. Bush, foi deposto em abril de 2005 em meio à greve geral causada pelos imensos cortes nos gastos públicos, implementados em decorrência do acordo com o FMI. Gutierrez se elegeu com base na promessa de aumentar os programas sociais e reformas. Correa fez o mesmo. Ambos buscaram apoio nas organizações indígenas. Ao assumir o governo, Gutierrez mudou sua posição ao concordar com o programa de austeridade imposto pelo FMI.

Correa faz parte do grupo de líderes de “esquerda” na América Latina que, em diferentes graus, desafiaram as exigências dos EUA em relação à abertura das economias dos países para o capital norte-americano e ao corte das despesas com os programas sociais, com o fim de saldar os compromissos com os credores estrangeiros. Nesse grupo encontram-se Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, Nestor Kirchner na Argentina, Hugo Chavez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia. Todos eles chegaram ao governo representando uma grande esperança popular, combinando a demagogia nacionalista com o interesse de empresários, que, por sua vez, buscavam proteger seus lucros e suas propriedades.

Não existe nada de novo a respeito dessa tão falada “corrente progressista”. Os nacionalistas burgueses de “esquerda” na América Latina ameaçam a oligarquia financeira internacional, apontando a instabilidade e o caos social com o objetivo de conseguir empréstimos, concessões comerciais e de neutralizar a crise social em seus países. Entretanto, seu principal papel é de impedir o desenvolvimento de um movimento político da classe trabalhadora independente. Como sempre ocorreu na história, os períodos nos quais a burguesia de “esquerda” governa são sempre seguidos pela crescente exploração econômica e pelo crescimento da repressão política.

Apenas dois dias depois de sua vitória, Correa recebeu os cumprimentos do presidente Bush. Descrevendo a conversa, ele se referiu ao líder norte-americano como uma “pessoa nobre”.

Correa ainda se encontrou com a embaixadora norte-americana no Equador, Linda Jewell. No encontro, Correa agradeceu aos EUA por ter expandido um acordo comercial bilateral que favorece as exportações equatorianas aos EUA. Um representante do Departamento de Estado dos EUA afirmou que o governo Bush está colaborando com a Bolívia de Morales e espera trabalhar da mesma forma com Correa.