Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 21 de agosto de 2006
21 de agosto de 2006
No sábado as forças israelenses violaram de maneira
flagrante o cessar fogo na fronteira entre Líbano e Israel,
ao realizar dezenas de ataques militares à vila de Boudai,
perto de Baalbek, no Vale Bekaa, a leste do Líbano. A invasão
foi a primeira ruptura em grande escala no cessar fogo entre israelenses
e as forças do Hezbollah ao sul do território libanês,
surtindo efeito já na segunda-feira, 14 de agosto.
Tanto os libaneses quanto os oficiais das Nações
Unidas denunciaram a invasão. O primeiro Ministro Libanês,
Frouad Siniora, fez uma declaração à imprensa
em Beirute chamando o ataque de uma flagrante violação
da resolução de cessar fogo da ONU, enquanto o secretario
da ONU, General Kofi Annan, disse que ele estava profundamente
preocupado em relação à violação
da interrupção dos ataques por parte de Israel.
Israel justificou o ataque como uma tentativa de interceptar
carregamentos de armas vindos da Síria para os militantes
do Hezbollah próximos a Baalbek. No entanto, as Forças
de Defesa Israelenses (IDF) não encontraram arma alguma.
Não há a mínima evidência de que tais
carregamentos eram de fato o alvo para a invasão noturna.
O mais provável é que a intenção dos
comandos fosse a de seqüestrar um dos líderes do Hezbollah,
Sheik Mohammed Yazbeck, para trocá-lo pelos dois soldados
da IDF retidos pelo Hezbollah no mês passado, o que, aliás,
tem sido o pretexto para os ataques Israelenses que vêm
ocorrendo há um mês no Líbano.
De acordo com reportagens da imprensa libanesa, com base numa
testemunha ocular local, os soldados israelenses aterrisaram de
helicóptero a leste do Monte Líbano, vestidos com
uniformes do Exército Libanês, conversando em árabe,
com o objetivo de não serem identificados. Dessa maneira,
conseguiram cruzar pelos postos do Hezbollah na estrada para Baalbek.
Eles se dirigiam a uma escola que imaginavam ser de Yazbeck, que
nasceu em Boudai, embora não more mais na região.
Todavia, a invasão foi um fracasso. Os guerrilheiros
do Hezbollah descobriram o plano israelense - por causa do sotaque
dos falsos soldados palestinos - e abriram fogo contra eles. Inicialmente,
o conflito envolveu somente dez soldados do Hezbollah. Não
durou muito para a mobilização de cerca de 300 pessoas,
que pegaram em armas e foram à luta, obrigando o exército
israelense a recuar.
Os combatentes libaneses afirmaram para o Los Angeles Times
que acharam muito estranha a maneira como os israelenses,
que estavam num veículo esportivo, fizeram um tradicional
cumprimento árabe. Eles foram pegos no posto posterior,
onde o Hezbollah os atacou, afugentando-os para os campos de tabaco.
Quando os israelenses vieram, todos lutaram contra eles,
disse um trabalhador agrícola do governo, Faouzat Chamas,
51, que diz ter participado da pequena batalha. Helicópteros
Apache atiraram do alto, enquanto helicópteros maiores
resgatavam os homens e seus veículos, disseram os combatentes.
Suzanne Mazloun, a esposa de 22 anos do prefeito de Boudai
(Suleiman Chamas), contou à imprensa que todos -
não somente o Hezbollah - lutaram. Toda a população
da vila trouxe suas armas e lutou. Garotos de quinze anos trouxeram
armas. Um dos soldados israelenses foi morto e ao menos
dois foram feridos, e a unidade foi pega pelo helicóptero
somente uma hora depois.
Moradores da vila que falaram à imprensa americana disseram
que a invasão falhou completamente, mostrando evidências
de ferimentos deixadas pelos israelenses em fuga, como bandagens
ensangüentadas e seringas. Eles falharam completamente,
contou o catador de sucata Sadiq Hamdi ao New York Times.
Eles ainda estavam na estrada quando o Hezbollah foi para
cima deles. Eles não conseguiram nem um por cento do que
pretendiam.
Um porta-voz militar israelense confirmou tanto a invasão
quanto as perdas, acrescentando que as aeronaves de guerra de
Israel entraram em combate para possibilitar a cobertura aérea,
enquanto os soldados pegos eram resgatados. Isso exigiu bombardeios
e a destruição de uma ponte, para que o Hezbollah
não conseguisse reforços. As informações
quanto às perdas sofridas pelo Hezbollah são incertas,
variando de zero a três mortos, além de três
feridos.
No domingo, ao observar a devastação ao sul de
Beirute, Siniora caracterizou a guerra de Israel contra seu país
como um crime contra a humanidade. Em entrevista à
repórteres, ele disse que vemos hoje a imagem do
crime que Israel cometeu. Não existe outra descrição
que não seja a de um ato criminoso que demonstra o ódio
de Israel.
Oficiais israelenses continuaram a defender a invasão
de sábado alegando que seu objetivo era evitar a ajuda
síria e iraniana ao Hezbollah, sem apresentar, mais uma
vez, nenhuma evidência. Nenhuma pessoa síria ou iraniana
esteve envolvida no incidente, que foi conduzido inteiramente
por libaneses sob a liderança do Hezbollah. A administração
de Bush, como era de se esperar, endossou tanto a invasão
quanto a justificativa.
A invasão em Boudai é como uma metáfora
para toda a guerra: a arrogância de Israel e sua vantagem
no espaço aéreo agridem uma precária resistência
popular, formada por milícias locais, mas é derrotada
por ela. Até mesmo a imprensa americana, que assume manifestamente
uma posição pró-Israel, cujos editoriais
invariavelmente caracterizam o Hezbollah como uma organização
terrorista equivalente à Al Qaeda, sentiu-se obrigada a
reconhecer o apoio das massas à milícia Shia.
O New York Times de sexta-feira, por exemplo, apresentou
o seguinte parágrafo: guerrilhas do Hezbollah, conhecidas
no Líbano como a resistência, têm
operado no sul há anos. Quase todos os seus membros são
originados da própria região. São homens
embrutecidos pelos dezoito anos de ocupação israelense,
que iniciou com a invasão de 1982. Naquela época,
eles trabalharam e viveram em suas vilas nativas, construindo
e elaborando redes de serviços sociais e amplas fortificações
ocultas, além de um moderno arsenal, que surpreendeu Israel
ao longo de um mês de amargos confrontos. Ninguém
sabia que eles possuíam essas coisas, nem as armas, nem
a inteligência, afirmou reservadamente um general
do Exercito Libanês, bastante surpreso.
A erupção da guerra de um mês representou
um desastre estratégico de Israel e de Bush. Ambos prepararam
a guerra anteriormente, esperando somente um pretexto que servisse
para disparar o supostamente imbatível poder da força
aérea israelense, de sua artilharia e de seus tanques,
diante de uma guerrilha que dispunha apenas de pedras e armas
menores. O objetivo era criar condições para consolidar
um regime flexível pró-EUA no Líbano, que
serviria como uma base contra a Síria e o Irã.
A invasão de sábado é uma das muitas tentativas
dos governos americano e israelense para manipular a opinião
pública, diminuindo o impacto da guerra na consciência
popular, tanto dos paises árabes quanto em Israel.
Esse interesse deve, ao menos em parte, ser também responsável
pela extraordinária entrevista que um general (não
identificado) do alto escalão israelense concedeu ao New
York Times, publicada no domingo, sob o título Israel
comprometida com bloqueio de armas e assassinato de Nasrallah.
Citando esse alto comandante israelense, o Times
noticiou que Israel tem a intenção de fazer
o seu melhor... matar o líder da milícia, Sheik
Hassan Nasrallah...
Há apenas uma solução para ele,
contou o oficial israelense ao Times, referindo-se a Nasrallah.
Esse homem precisa morrer.
Não existe no mundo nenhum outro país que pode
afirmar tão abertamente sua intenção de assassinar
um proeminente inimigo político, tendo a certeza de que
não será censurado, nem nos EUA nem na imprensa
da maior parte dos países europeus. É possível
imaginar o desespero que causaria uma situação inversa,
isto é, se o Sheik Nasrallah declarasse sua determinação
em assassinar o Primeiro Ministro Israelense Ehud Olmert ou o
Ministro da Defesa, Peretz.
Tais comentários demonstram não somente a impunidade
apoiada por um regime que abertamente ostenta o desprezo pela
legislação internacional, mas também o crescente
desespero de tal regime. O governo de Olmert sabe, evidentemente,
que o extermínio do líder do Hezbollah poderia significar
o início da destruição da organização,
o que faria com que seu governo ficasse reconhecido o vitorioso
na guerra, tanto pelos expectadores nacionais quanto internacionais.
Numa provocação anterior, no sábado, as
forças israelenses prenderam o vice-Primeiro Ministro da
autoridade palestina. Nasser Shaer foi surpreendido por tropas
que cercaram sua casa em Ramallah, antes do amanhecer e prenderam-no
por ser um membro do Hamas. Depois de duas semanas do inicio da
guerra no Líbano, Shaer é o mais elevado oficial
da Autoridade Palestina a ser preso, desde o início do
ataque israelense em Gaza.
Havia diversos sinais de que o instável acordo de cessar
fogo decidido no dia 11 de agosto no Conselho de Segurança
da ONU seria desintegrado em poucos dias. Um alto representante
da ONU na região, Reje Roed-Larsen, disse que o acordo
de uma semana poderia tornar-se um abismo de violência
e derramamento de sangue se houvessem maiores violações
posteriores. Ele ainda alertou de que a invasão israelense
e a ameaça de novas invasões poderiam desencorajar
os países a enviar tropas para as forças de paz
da UNIFIL (UN Interim Force in Lebanon) .
A França, que mais duramente pediu a expansão
da UNIFIL e estava ensaiando lidera-la, ofereceu somente 200 soldados,
além dos 200 já instalados no sul do Líbano.
Diante da necessidade de 15.000 homens, a quantidade enviada pela
França é irrisória. A expectativa era de
que cada nação européia enviasse cerca de
3.000 homens, o que deixaria a ONU, a administração
Bush e Israel sem alternativa. No domingo, o Primeiro Ministro
Olmert telefonou ao Primeiro Ministro italiano Romano Prodi pedindo
que a Itália liderasse as tropas.
Os israelenses procuram também realizar um veto à
composição das forças de paz da ONU. No domingo,
Olmert se opôs à inclusão de tropas de países
que se recusem a reconhecer o estado de Israel, o que descartaria
a Indonésia, a Malásia e Bangladesh, todos países
de maioria muçulmana que não possuem relações
diplomáticas com Israel. Uma vez que os três países
são os únicos que oferecem unidades armadas para
a linha de frente da UNIFIL, isso pode representar um obstáculo
às futuras ações militares de Israel.