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Um estado fora da lei:

Israel rompe o cessar fogo e ameaça assassinar o líder do Hezbollah

Por Patrick Martin
26 de agosto de 2006

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 21 de agosto de 2006

21 de agosto de 2006

No sábado as forças israelenses violaram de maneira flagrante o cessar fogo na fronteira entre Líbano e Israel, ao realizar dezenas de ataques militares à vila de Boudai, perto de Baalbek, no Vale Bekaa, a leste do Líbano. A invasão foi a primeira ruptura em grande escala no cessar fogo entre israelenses e as forças do Hezbollah ao sul do território libanês, surtindo efeito já na segunda-feira, 14 de agosto.

Tanto os libaneses quanto os oficiais das Nações Unidas denunciaram a invasão. O primeiro Ministro Libanês, Frouad Siniora, fez uma declaração à imprensa em Beirute chamando o ataque de uma “flagrante violação” da resolução de cessar fogo da ONU, enquanto o secretario da ONU, General Kofi Annan, disse que ele estava “profundamente preocupado em relação à violação da interrupção dos ataques por parte de Israel”.

Israel justificou o ataque como uma tentativa de interceptar carregamentos de armas vindos da Síria para os militantes do Hezbollah próximos a Baalbek. No entanto, as Forças de Defesa Israelenses (IDF) não encontraram arma alguma. Não há a mínima evidência de que tais carregamentos eram de fato o alvo para a invasão noturna. O mais provável é que a intenção dos comandos fosse a de seqüestrar um dos líderes do Hezbollah, Sheik Mohammed Yazbeck, para trocá-lo pelos dois soldados da IDF retidos pelo Hezbollah no mês passado, o que, aliás, tem sido o pretexto para os ataques Israelenses que vêm ocorrendo há um mês no Líbano.

De acordo com reportagens da imprensa libanesa, com base numa testemunha ocular local, os soldados israelenses aterrisaram de helicóptero a leste do Monte Líbano, vestidos com uniformes do Exército Libanês, conversando em árabe, com o objetivo de não serem identificados. Dessa maneira, conseguiram cruzar pelos postos do Hezbollah na estrada para Baalbek. Eles se dirigiam a uma escola que imaginavam ser de Yazbeck, que nasceu em Boudai, embora não more mais na região.

Todavia, a invasão foi um fracasso. Os guerrilheiros do Hezbollah descobriram o plano israelense - por causa do sotaque dos falsos soldados palestinos - e abriram fogo contra eles. Inicialmente, o conflito envolveu somente dez soldados do Hezbollah. Não durou muito para a mobilização de cerca de 300 pessoas, que pegaram em armas e foram à luta, obrigando o exército israelense a recuar.

Os combatentes libaneses afirmaram para o Los Angeles Times “que acharam muito estranha a maneira como os israelenses, que estavam num veículo esportivo, fizeram um tradicional cumprimento árabe. Eles foram pegos no posto posterior, onde o Hezbollah os atacou, afugentando-os para os campos de tabaco. ‘Quando os israelenses vieram, todos lutaram contra eles’, disse um trabalhador agrícola do governo, Faouzat Chamas, 51, que diz ter participado da pequena batalha. Helicópteros Apache atiraram do alto, enquanto helicópteros maiores resgatavam os homens e seus veículos, disseram os combatentes”.

Suzanne Mazloun, a esposa de 22 anos do prefeito de Boudai (Suleiman Chamas), contou à imprensa que “todos - não somente o Hezbollah - lutaram. Toda a população da vila trouxe suas armas e lutou. Garotos de quinze anos trouxeram armas”. Um dos soldados israelenses foi morto e ao menos dois foram feridos, e a unidade foi pega pelo helicóptero somente uma hora depois.

Moradores da vila que falaram à imprensa americana disseram que a invasão falhou completamente, mostrando evidências de ferimentos deixadas pelos israelenses em fuga, como bandagens ensangüentadas e seringas. “Eles falharam completamente”, contou o catador de sucata Sadiq Hamdi ao New York Times. “Eles ainda estavam na estrada quando o Hezbollah foi para cima deles. Eles não conseguiram nem um por cento do que pretendiam”.

Um porta-voz militar israelense confirmou tanto a invasão quanto as perdas, acrescentando que as aeronaves de guerra de Israel entraram em combate para possibilitar a cobertura aérea, enquanto os soldados pegos eram resgatados. Isso exigiu bombardeios e a destruição de uma ponte, para que o Hezbollah não conseguisse reforços. As informações quanto às perdas sofridas pelo Hezbollah são incertas, variando de zero a três mortos, além de três feridos.

No domingo, ao observar a devastação ao sul de Beirute, Siniora caracterizou a guerra de Israel contra seu país como “um crime contra a humanidade”. Em entrevista à repórteres, ele disse que “vemos hoje a imagem do crime que Israel cometeu. Não existe outra descrição que não seja a de um ato criminoso que demonstra o ódio de Israel”.

Oficiais israelenses continuaram a defender a invasão de sábado alegando que seu objetivo era evitar a ajuda síria e iraniana ao Hezbollah, sem apresentar, mais uma vez, nenhuma evidência. Nenhuma pessoa síria ou iraniana esteve envolvida no incidente, que foi conduzido inteiramente por libaneses sob a liderança do Hezbollah. A administração de Bush, como era de se esperar, endossou tanto a invasão quanto a justificativa.

A invasão em Boudai é como uma metáfora para toda a guerra: a arrogância de Israel e sua vantagem no espaço aéreo agridem uma precária resistência popular, formada por milícias locais, mas é derrotada por ela. Até mesmo a imprensa americana, que assume manifestamente uma posição pró-Israel, cujos editoriais invariavelmente caracterizam o Hezbollah como uma organização terrorista equivalente à Al Qaeda, sentiu-se obrigada a reconhecer o apoio das massas à milícia Shia.

O New York Times de sexta-feira, por exemplo, apresentou o seguinte parágrafo: “guerrilhas do Hezbollah, conhecidas no Líbano como ‘a resistência’, têm operado no sul há anos. Quase todos os seus membros são originados da própria região. São homens embrutecidos pelos dezoito anos de ocupação israelense, que iniciou com a invasão de 1982. Naquela época, eles trabalharam e viveram em suas vilas nativas, construindo e elaborando redes de serviços sociais e amplas fortificações ocultas, além de um moderno arsenal, que surpreendeu Israel ao longo de um mês de amargos confrontos. ‘Ninguém sabia que eles possuíam essas coisas, nem as armas, nem a inteligência’, afirmou reservadamente um general do Exercito Libanês, bastante surpreso.

A erupção da guerra de um mês representou um desastre estratégico de Israel e de Bush. Ambos prepararam a guerra anteriormente, esperando somente um pretexto que servisse para disparar o supostamente imbatível poder da força aérea israelense, de sua artilharia e de seus tanques, diante de uma guerrilha que dispunha apenas de pedras e armas menores. O objetivo era criar condições para consolidar um regime flexível pró-EUA no Líbano, que serviria como uma base contra a Síria e o Irã.

A invasão de sábado é uma das muitas tentativas dos governos americano e israelense para manipular a opinião pública, diminuindo o impacto da guerra na consciência popular, tanto dos paises árabes quanto em Israel.

Esse interesse deve, ao menos em parte, ser também responsável pela extraordinária entrevista que um general (não identificado) do alto escalão israelense concedeu ao New York Times, publicada no domingo, sob o título “Israel comprometida com bloqueio de armas e assassinato de Nasrallah”. Citando esse “alto comandante israelense”, o Times noticiou que “Israel tem a intenção de fazer o seu melhor... matar o líder da milícia, Sheik Hassan Nasrallah...”

“Há apenas uma solução para ele”, contou o oficial israelense ao Times, referindo-se a Nasrallah. “Esse homem precisa morrer”.

Não existe no mundo nenhum outro país que pode afirmar tão abertamente sua intenção de assassinar um proeminente inimigo político, tendo a certeza de que não será censurado, nem nos EUA nem na imprensa da maior parte dos países europeus. É possível imaginar o desespero que causaria uma situação inversa, isto é, se o Sheik Nasrallah declarasse sua determinação em assassinar o Primeiro Ministro Israelense Ehud Olmert ou o Ministro da Defesa, Peretz.

Tais comentários demonstram não somente a impunidade apoiada por um regime que abertamente ostenta o desprezo pela legislação internacional, mas também o crescente desespero de tal regime. O governo de Olmert sabe, evidentemente, que o extermínio do líder do Hezbollah poderia significar o início da destruição da organização, o que faria com que seu governo ficasse reconhecido o vitorioso na guerra, tanto pelos expectadores nacionais quanto internacionais.

Numa provocação anterior, no sábado, as forças israelenses prenderam o vice-Primeiro Ministro da autoridade palestina. Nasser Shaer foi surpreendido por tropas que cercaram sua casa em Ramallah, antes do amanhecer e prenderam-no por ser um membro do Hamas. Depois de duas semanas do inicio da guerra no Líbano, Shaer é o mais elevado oficial da Autoridade Palestina a ser preso, desde o início do ataque israelense em Gaza.

Havia diversos sinais de que o instável acordo de cessar fogo decidido no dia 11 de agosto no Conselho de Segurança da ONU seria desintegrado em poucos dias. Um alto representante da ONU na região, Reje Roed-Larsen, disse que o acordo de uma semana poderia tornar-se “um abismo de violência e derramamento de sangue” se houvessem maiores violações posteriores. Ele ainda alertou de que a invasão israelense e a ameaça de novas invasões poderiam desencorajar os países a enviar tropas para as forças de paz da UNIFIL (UN Interim Force in Lebanon) .

A França, que mais duramente pediu a expansão da UNIFIL e estava ensaiando lidera-la, ofereceu somente 200 soldados, além dos 200 já instalados no sul do Líbano. Diante da necessidade de 15.000 homens, a quantidade enviada pela França é irrisória. A expectativa era de que cada nação européia enviasse cerca de 3.000 homens, o que deixaria a ONU, a administração Bush e Israel sem alternativa. No domingo, o Primeiro Ministro Olmert telefonou ao Primeiro Ministro italiano Romano Prodi pedindo que a Itália liderasse as tropas.

Os israelenses procuram também realizar um veto à composição das forças de paz da ONU. No domingo, Olmert se opôs à inclusão de tropas de países que se recusem a reconhecer o estado de Israel, o que descartaria a Indonésia, a Malásia e Bangladesh, todos países de maioria muçulmana que não possuem relações diplomáticas com Israel. Uma vez que os três países são os únicos que oferecem unidades armadas para a linha de frente da UNIFIL, isso pode representar um obstáculo às futuras ações militares de Israel.