Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia12 de agosto de 2006
Mesmo antes que sejam revelados maiores detalhes do alegado
plano terrorista de explodir aviões transatlânticos,
o povo americano já é submetido, novamente, a uma
campanha supervisionada pela Casa Branca, que visa disseminar
o medo e a intimidação.
O intuito dessa propaganda dirigida, apoiada pela mídia,
é tratar toda e qualquer oposição à
guerra no Iraque e às políticas da administração
Bush em geral, como sendo ligadas à conspiração
ou fruto da capitulação ao terrorismo e aos assassinatos
em massa.
O governo não esperou nem mesmo o anúncio das
prisões para começar sua campanha. O vice-presidente
Dick Cheney, numa repulsiva declaração feita na
quarta-feira (09/08) em uma rara teleconferência com a imprensa,
comentou a primeira derrota democrata sofrida pelo senador Joseph
Lieberman, de Connecticut. Homem de poucas palavras, candidato
democrata à vice-presidência em 2000, Lieberman foi
derrotado pelo iniciante Ned Lamont, que se mostrou crítico
à guerra no Iraque, atacando Lieberman por seu apoio à
mesma.
Cheney descreveu a derrota sofrida por Lieberman que, no Partido
Democrata, tem sido o mais servil colaborador das políticas
adotadas pelo governo, mostrando-se preocupado, particularmente
com respeito aos esforços nacionais na guerra global
ao terror.
O que mais perturba em relação a isso,
continuou Cheney, é o fato de que, nesse conflito,
nossos adversários estejam claramente apostando na destruição
da força de vontade do povo americano e da nossa habilidade
em continuar na luta e completar nossa tarefa.
A mensagem foi clara: a maioria dos democratas de Connecticut,
que entrou nas seções eleitorais na terça-feira
e votou num candidato contrário à guerra, estaria
dando ajuda e sustentação à Al Qaeda.
No momento em que pronunciava tais provocativas palavras, Cheney,
assim como Bush, era informado da investigação policial
britânica e ficava sabendo que mais perseguições
e prisões continuariam ocorrendo, sempre combinadas com
o furor da mídia contra o terrorismo.
O porta-voz da Casa Branca Tony Snow declarou à imprensa
que, no mesmo dia, os democratas hasteavam a bandeira branca
pela guerra ao terror.
Os mesmos sentimentos foram ecoados por Lieberman depois de
anunciadas as prisões no Reino Unido. O senador, repudiado
nas urnas pelos eleitores de seu próprio partido, está
desafiando as pesquisas eleitorais ao concorrer como um independente
contra Lamont. O apoio a Lamont, declarou, poderia ser entendido
como uma tremenda vitória das mesmas pessoas que quiseram
explodir os aviões nesse plano forjado na Inglaterra.
Entre a declaração de Cheney e a de Lieberman
foi difundida ao vivo, em rede nacional de televisão, mais
uma declaração por parte do presidente Bush contribuindo
para a política de propagação do medo. Esta
nação está em guerra contra islâmicos
fascistas que farão uso de qualquer meio para destruir
aqueles que amam a liberdade, para ferir nossa nação,
declarou, acrescentando que a população americana
precisa saber que vivemos num mundo perigoso, mas que nosso governo
fará tudo o que puder para defender nosso povo de tais
perigos.
Pouco se sabe ainda sobre a identidade e a ideologia dos suspeitos
no citado plano de explodir aviões britânicos. Se
há alguma coisa que soa como fascismo incipiente, todavia,
são os deploráveis enunciados de Cheney e Lieberman.
Em momentos anteriores da guerra global ao terrorismo
conduzida por Bush, o presidente dos EUA fez infames declarações
ao mundo: ou você está conosco ou está
contra nós. Agora, a mesma mensagem é difundida
à população norte-americana em termos muito
claros. Divergências e oposições, mesmo as
mais brandas, endereçadas ao governo, à sua política
exterior e aos ataques aos direitos democráticos, todas
elas, representariam um apoio ao terrorismo.
Os esforços de Cheney, Bush e Lieberman em caracterizar
os seus oponentes como tolos, cúmplices do terrorismo,
têm a intenção clara de desviar a atenção
pública de seus próprios crimes, ao arrastar o povo
americano a uma guerra ilegal, baseada em mentiras. Esses esforços
são, além disso, direcionados para distrair a opinião
pública em relação ao desastre que a aventura
imperialista no Iraque representou.
Não há nada de novo nessas informações.
Durante a última eleição nacional, em 2004,
aproximadamente no mesmo período do calendário eleitoral,
o público foi submetido a outro susto. Alertas do Código
Laranja foram declarados nas cidades de New York, Washington
e Newark, Nova Jersey e brigadas de armas especiais foram posicionadas
no entorno das principais instituições financeiras
nas três cidades. Depois, descobriu-se que as fontes nas
quais a inteligência havia se baseado eram de 3 ou 4 anos
atrás, e a maioria das informações havia
sido reunida em programas de internet. Não havia nenhuma
ameaça de qualquer ataque iminente.
(Naquela época, foi Lieberman quem atacou o democrata
Howard Dean por denunciar a motivação política
existente no anúncio do alegado perigo. Ninguém
em sã consciência pensaria que o presidente ou o
secretário de segurança nacional poderia levantar
um alerta e aterrorizar a população por razões
políticas, declarou ele).
Ainda está por ser descoberto que tipo de provas e evidências
são utilizadas no presente momento. É necessário,
todavia, ter em mente que o histórico das autoridades inglesas
nessas questões não é melhor que o de sua
réplica americana. Em junho último, a polícia
britânica realizou uma invasão e busca numa casa
em Forest Gate (leste de Londres), na qual um homem levou um tiro
e outros foram fisicamente agredidos diante de uma grande quantidade
de policiais, que chegaram ao local vestidos com trajes à
prova de armas químicas. Nenhuma evidência foi encontrada
e ninguém foi preso.
Em julho passado, houve o assassinato-execução
do imigrante brasileiro Jean Charles de Menezes, um trabalhador
inocente que foi tratado como um suspeito terrorista pelos comandantes
da polícia britânica.
Em 2003, houve o tão falado plano terrorista da
ricina, envolvendo um suposto laboratório da Al Qaeda
ao norte de Londres que fabricava armas de destruição
em massa. O caso caducou logo que se provou não haver
plano terrorista algum, nem armas, nem meios para fabricá-las.
A história completa acerca da presente onda de terror
é ainda um enigma. É inegável que existam
condições políticas para tal ataque; é
inegável também que elas têm sido estimuladas,
tanto pela ocupação americana no Iraque como pelo
apoio incondicional de Washington à investida israelense
no Líbano. Mas é preciso considerar o histórico
das autoridades e de sua polícia, que mostra ser impossível
aceitar, sem críticas, as declarações dos
governos americano e britânico; afinal, há motivos
de sobra para submetê-las a rigorosa averiguação
baseada sempre em fatos concretos.
A intenção de Cheney, Lieberman e outros em explorar
as notícias de Londres é um exercício de
cinismo desenfreado. No campo republicano as notícias do
suposto plano frustrado foram recebidas com franca alegria.Semanas
antes do 11 de setembro (de 2006), isso vai dar o que falar,
declarou um oficial da Casa Branca à Agência France
Press. Ele acrescentou ainda que alguns candidatos democratas
não serão mais tão admirados, à luz
desses acontecimentos.
O Wall Street Journal, cujas páginas editoriais
usualmente refletem com exatidão o ponto de vista dos círculos
de direita que dominam a Casa Branca, agarrou-se ao alegado plano
para justificar todos os crimes cometidos por Bush, de guerras
de agressão, passando por seqüestros e torturas, chegando
até a espionagem ilegal.
A verdadeira lição do sucesso contra o
terror na Inglaterra ontem, concluiu o jornal, é
que a ameaça ainda é forte e que o governo americano
precisa utilizar todos os meios legais para derrotá-lo.
Todavia, os métodos citados pelo jornal são certamente
ilegais.
Milhões de americanos já esboçaram suas
próprias conclusões a respeito do contínuo
apelo à luta contra o terror como justificativa para tais
crimes. O ceticismo em relação às declarações
do governo e a descrença em relação aos motivos
alegados se manifestaram numa pesquisa de intenção
de votos realizada em maio pela Zogby International, revelando
que 42% dos entrevistados acreditam que a administração
de Bush acobertou os fatos sobre os ataques de 11 de setembro
de 2001 - ataques que foram incansavelmente usados pelo governo
como pretexto para as suas políticas.
O contexto político atual serve, por um lado, para atacar
Lieberman e leva-lo à derrota eleitoral e, por outro, para
acusar as seções do Partido Democrata de serem simpatizantes
dos terroristas. Mas, no fundo, tanto os democratas quanto os
republicanos têm como perspectiva perpetuar a luta contra
o terrorismo. Esse é o eixo bipartidário da política
externa norte-americana. As disputas entre democratas e republicanos
restringem-se à discussão dos meios para prosseguir
com tal guerra.
Tal é o caso do político anti-guerra
democrata Ned Lamont, vencedor do primeiro turno em Connecticut.
Ele não clama por uma imediata e incondicional retirada
das tropas americanas do Iraque, mas, ao contrário, defende
uma estratégia para ganhar, envolvendo o reposicionamento
das forças americanas na região de maneira consistente
com a meta de dominar as riquezas petrolíferas do Oriente
Médio.
Os dois partidos apoiaram as mudanças na estrutura de
poder das forças de segurança nacional, sancionadas
pelo USA Patriot Act, que, juntamente com o Departamento
de Segurança Nacional, o Comando do Norte, comissões
militares e vastos programas de espionagem, constituem um prenúncio
do aprofundamento do caráter policial do Estado norte-americano.
Os democratas vêm constantemente construindo os seus
ataques à política no Iraque no sentido de enfatizar
seu apoio à guerra ao terrorismo, ridicularizando
a aberta ocupação do Iraque como uma distração
da real guerra ao terrorismo. Alguns deles defendem
que as forças americanas sejam recolocadas no Afeganistão,
que já está fugindo do controle; outros exigem medidas
mais duras contra o Irã e a Coréia do Norte. Na
prática todos exigem maiores investimentos na segurança
nacional.
No fim das contas, ambos os partidos representam uma elite
financeira, cujos interesses são diametralmente opostos
àqueles da população trabalhadora que corresponde
à vasta maioria da sociedade. A colossal lacuna social
que divide esse extrato dominante do restante da população
não deixa lugar para a genuína democracia nos EUA,
e sustenta o ascenso de políticas militaristas no exterior
e políticas repressivas em território nacional.
A luta para acabar com a guerra, com as condições
de pauperização e opressão que ultimamente
fizeram nascer o terrorismo e a defesa dos direitos democráticos,
podem ser levadas adiante somente por meio de um rompimento decisivo
com o Partido Democrata e com todo o sistema de dois partidos.
É necessária uma mobilização política
independente da classe trabalhadora baseada num programa socialista
internacionalista que vise à unificação dos
trabalhadores nos EUA com os trabalhadores do Oriente Médio
e de todo o mundo, numa luta comum contra o sistema do lucro.
Para avançar nessa perspectiva, com base nesse programa,
e para estabelecer a fundação de um novo movimento
de massas da classe trabalhadora independente é que o Socialist
Equality Party está intervindo nas eleições
de 2006.