Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em alemão,
no dia 21 de Julho de 2006.
Quando o governo Bush lançou sua guerra contra o Iraque,
três anos atrás, um bom número de governos
europeus alertou sobre os riscos que essa empreitada poderia levar,
podendo conduzir a um desastre político e militar. Em particular,
círculos da elite em Berlim e Paris alertaram publicamente
sobre uma incontrolável selvageria que poderia espalhar-se
através do Oriente Médio.
Hoje, após esses temores terem sido confirmados em sua
forma mais terrível, os que anteriormente mostravam-se
críticos dessa política na Europa agora decidiram
se alinhar junto à ofensiva de guerra travada pelos EUA
e por Israel. Isto é o significado da declaração
conjunta que foi emitida pelo encontro do G8 em São Petersburgo.
Enquanto o presidente francês levantou a exigência
por um cessar-fogo e questionou o propósito dos bombardeios
israelenses, o ministro do exterior alemão apoiou incondicionalmente
a proposta americana, feita no encontro, para um completo e acrítico
apoio a Jerusalém.
Dois dias após o encontro, quando o exército
israelense começou sua brutal ofensiva militar contra o
Líbano e, frente aos olhos do mundo, bombardeou o aeroporto
mais importante do país, Angela Merkel efusivamente deu
as boas-vindas ao presidente americano quando este aterrissou
na Alemanha.
O que está por trás dessa mudança de rumo?
É insuficiente mostrar que foi claro que, há três
anos atrás, Merkel e outros membros da liderança
da aliança entre União Cristã Democrática
(CDU) e da União Social Cristã (CSU) então
apoiaram a administração Bush. Essas mudanças
momentâneas na linha política não são
decididas por indivíduos, mas tem origens mais profundas.
O problema fundamental que está desafiando os círculos
políticos da Europa é que a guerra do Iraque, envolvendo
o terror diário de amplas camadas da populaçãoterror
que agora está sendo estendido ao Líbano e à
Palestina, e logo poderá ser estendido à Síria
e ao Irãrepresenta um ponto histórico de mudança.
Três anos atrás, o governo Bush ignorou as Nações
Unidas e todas as restrições legais internacionais
existentes e começou sua guerra ilegal. Ao fazer isso,
deixou claro que tão cedo não seria detido por contratos,
acordos e pela lei internacional, mas sim, orientava-se somente
por sua enorme força militar, embasando-se somente nela.
Em outras palavras, o sistema político estabelecido
sobre os escombros deixados pela Segunda Guerra Mundial, segundo
o qual obriga que cada país obedeça a leis e regras
internacionais, deixou de existir. A guerra do Iraque e a sua
extensão ao Líbano e à Palestina representa
um retorno às políticas imperialistas em sua forma
mais agressiva e brutal.
Esses fatos colocaram os governos europeus em um dilema. Eles
prefeririam muito mais uma solução diplomática
para a guerraou para ser mais preciso: eles preferem assegurar
seus interesses energéticos e geo-estratégicos através
da arbitragem internacional, mas para fazer isso eles precisam
da cooperação do governo norte-americano, que não
possui, absolutamente, nenhum interesse em fazer isso.
Essa contradição atualmente assume formas estranhas.
Os círculos dominantes europeus e a imprensa estão
conscientes de um grande número de fatos: primeiro. a guerra
do Iraque e a ocupação norte-americana tiveram conseqüências
desastrosas para o Iraque e a região inteira; segundo,
o governo israelense nunca poderia ter realizado a operação,
que agora pôs em execução no Líbano,
sem consultar o Pentágono e receber aprovação;
terceiro, o governo dos EUA está seguindo um plano de ação
definido para manter o Iraque sob seu controlese necessário
usando a forçapara garantir o acesso às reservas
de petróleo e gás na bacia do Cáspio. Entretanto,
a demanda central que pode ser escutada na Europa, neste momento,
é que o governo norte-americano deve intensificar seu envolvimento
no Oriente Médio.
Um dos primeiros a enfatizar este ponto de vista foi o social-democrata
Karsten Voigt, que é coordenador para as relações
alemãs-americanas do governo alemão. No dia em que
o exército israelense destruiu o aeroporto internacional
em Beirute, com a aprovação de Washington e com
armas made in USA, Voigt disse a uma rádio
alemã : Primeiramente, uma coisa está correta,
ou seja, que o Oriente Médio é uma área onde
queremos maior presença americana, não menos. E
isso é o que os críticos normais dos EUA também
dizem, porque sem os norte-americanos não será possível
acalmar a situação.
Estariam assumindo que as conseqüências desastrosas
da política americana no Iraque e no Oriente Médio
que alguns desses governos alertaram no passadofortaleceram
o papel das burguesias européias. Ainda que de fato tenho
ocorrido exatamente o oposto, essa tem sido a posição
dos europeus. Sob condições de uma situação
explosiva e o perigo da conflagração de uma guerra
irrestrita por todo o Oriente Médio, os europeus agora
pedem pela intervenção do principal incendiário
do mundo.
De maneira similar a Voigt, o anterior ministro das Relações
Exteriores da Alemanha, Joschka Fischer (Partido Verde) argumentou
em uma entrevista ao jornal Die Zeit: Tudo depende dos
EUA, de sua liderança, mas se agirem por si próprios
podem ficar sobrecarregados. Quando o Die Zeit levantou
a objeção que Washington está totalmente
amarrado, neste momento, no Iraque e, conseqüentemente,
também está sobrecarregado, Fischer respondeu: Não
irá haver nenhuma solução sem uma América
determinada. O Iraque e o vácuo de poder que lá
existe colocou os EUA e todos os seus aliados em consideráveis
problemas. Mas a questão decisiva não é o
Iraque, e sim o Irã.
Um comentário na quarta-feira (19 de Julho), o diário
francês Le Monde também escreveu: Então,
o que pode ser feito? Aproximadamente tudo já foi tentadoa
não ser um engajamento mais maciço da comunidade
internacional, em particular dos Estados Unidos, por comprometimento
já notório, incluindo uma presença militar
na região.
Os fatos mostram, entretanto, que a presença militar
sob a liderança dos EUA levou a um desastre na região.
Frágeis são portanto as esperanças dos europeus
pensando que poderiam diminuir o fogo lançando mais óleo.
Na verdade, deixam claro que as potências falidas de Berlim
e de Paris não possuem absolutamente nenhum meio de opor-se
à política de guerra norte-americana. Ao mesmo tempo,
estão impressionados e intimidados pela forma em que o
governo Bush segue seus objetivos calculados a sangue frio e com
força nua.
O terror brutal das bombas em Bagdá, Fallujah, Basra
e agora em Beirute e Gazaamanhã possivelmente em
Damasco e Teerãé instrumental nesse sentido.
Também significante é a forma que o governo norte-americano
demonstra seu poder sobre a Europa, com ataques ilegais a alegados
terroristas, com a manutenção de prisões
de tortura e a rejeição a qualquer tipo de limite
legal, que deixou sua marca e reforçou os mais reacionários
elementos políticos.
Não foi preciso mais para intimidar os governos europeus.
Além disso, apenas poucos meses antes das cerimônias
que visam celebrar o meio século desde a assinatura do
Tratado de Roma na primavera de 1957, que iniciou o processo da
unificação européia, a elite política
européia chega à conclusão que, apesar da
moeda comum, a unificação européia não
está apenas não se completando, mas ameaçando
reverter-se. A expansão da União Européia
ao leste provou ter falhado, e os egoísmos nacionais e
contradições estão explodindo através
de toda a Europa.
As relações européias com a Rússia
também mudaram. Por sua parte, o governo alemão
favorece uma relação balanceada que alcance, ao
mesmo tempo, o leste e o oeste. Isso é necessário
face à alta dependência alemã de energia vinda
de Moscou. Entretanto, como as tensões intensificaram-se
entre a Rússia e os EUA, andar sempre em corda-bamba não
é possível. Ao mesmo tempo, a Rússia sob
o governo de Vladimir Putin é muito diferente da Rússia
de Boris Yeltsin. A decisão do governo do Kremlin em cortar
os suprimentos de gás da Ucrânia no início
deste ano enviou ondas de choque à Berlim. Aquelas vozes
alertando sobre uma super-dependência de Moscou cresceram
mais, e os contatos com Washington se intensificaram no mesmo
nível.
Há, entretanto, um fator adicional que levou os governos
europeus a permanecerem sob o forte poder imperialista de Washington:
o crescimento da crise social na Europa e um marcante aumento
dos conflitos sociais. Isso se aplica, em particular, à
Alemanha.
Desde o início, a grande coalizão política
alemã foi afetada por um defeito de nascimento. Ela surgiu
de uma eleição na qual a chamada esquerda,
compreendendo os Sociais Democratas, os Verdes e o
Partido Socialista, recebeu mais votos que a ala direita
da união dos partidos conservadores e o partido do mercado
livre FDP. Merkel foi capaz de tornar-se primeira-ministra
apenas após o SPD se dispor a formar uma grande coalizão.
Pouco tempo após a formação do novo governo
alemão, demonstrações de massa ocorreram
na França em oposição às tentativas
do governo francês em acabar com as leis de proteção
ao emprego. Sob a pressão dos protestos, que envolveu milhões,
o governo de Villepin foi obrigado a fazer um recuo temporário.
Sob essas condições, o governo de Merkel procedeu
mais cautelosamente em suas políticas internas, que por
sua vez mereceu a ira de influentes lobistas do mercado para quem
o desmantelamento do estado de bem-estar social alemão
não estava sendo rápido o suficiente.
A decisão de agora ficar ao lado dos senhores da guerra
no atual conflito no Oriente Médiomesmo com a vasta
maioria da população contra a guerra do Iraque e
indo às ruas para protestar contra elarepresenta
uma mudança de rumo. No futuro, o governo alemão
estará pronto para demonstrar o mesmo grau de crueldade
contra sua própria população como hoje acontece
com o povo do Líbano, da Palestina e do Iraque.
Em última análise, a nova orientação
política em Paris e Berlim surge da característica
de classe desses governos. Independentemente daqueles críticos
que se queixam de um predatório capitalismo americano,
as elites européias perseguem interesses econômicos
e políticos semelhantes, e sob condições
em que crescem as tensões em casa e por toda parte, decidiram-se
por alinhar-se com a potência imperialista mais poderosa.
Não há nenhuma forma de resolver o crescimento
das tensões junto às grandes potências, e
irão fazer pouco para aliviá-las. Em vez disso inauguram
um novo estágio de violentos ataques aos direitos sociais
e democráticos.