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A inabilidade européia em opor-se à política de guerra americana-israelense

Por Ulrich Rippert
3 de agosto de 2006

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em alemão, no dia 21 de Julho de 2006.

Quando o governo Bush lançou sua guerra contra o Iraque, três anos atrás, um bom número de governos europeus alertou sobre os riscos que essa empreitada poderia levar, podendo conduzir a um desastre político e militar. Em particular, círculos da elite em Berlim e Paris alertaram publicamente sobre uma incontrolável selvageria que poderia espalhar-se através do Oriente Médio.

Hoje, após esses temores terem sido confirmados em sua forma mais terrível, os que anteriormente mostravam-se críticos dessa política na Europa agora decidiram se alinhar junto à ofensiva de guerra travada pelos EUA e por Israel. Isto é o significado da declaração conjunta que foi emitida pelo encontro do G8 em São Petersburgo. Enquanto o presidente francês levantou a exigência por um cessar-fogo e questionou o propósito dos bombardeios israelenses, o ministro do exterior alemão apoiou incondicionalmente a proposta americana, feita no encontro, para um completo e acrítico apoio a Jerusalém.

Dois dias após o encontro, quando o exército israelense começou sua brutal ofensiva militar contra o Líbano e, frente aos olhos do mundo, bombardeou o aeroporto mais importante do país, Angela Merkel efusivamente deu as boas-vindas ao presidente americano quando este aterrissou na Alemanha.

O que está por trás dessa mudança de rumo? É insuficiente mostrar que foi claro que, há três anos atrás, Merkel e outros membros da liderança da aliança entre União Cristã Democrática (CDU) e da União Social Cristã (CSU) então apoiaram a administração Bush. Essas mudanças momentâneas na linha política não são decididas por indivíduos, mas tem origens mais profundas.

O problema fundamental que está desafiando os círculos políticos da Europa é que a guerra do Iraque, envolvendo o terror diário de amplas camadas da população—terror que agora está sendo estendido ao Líbano e à Palestina, e logo poderá ser estendido à Síria e ao Irã—representa um ponto histórico de mudança. Três anos atrás, o governo Bush ignorou as Nações Unidas e todas as restrições legais internacionais existentes e começou sua guerra ilegal. Ao fazer isso, deixou claro que tão cedo não seria detido por contratos, acordos e pela lei internacional, mas sim, orientava-se somente por sua enorme força militar, embasando-se somente nela.

Em outras palavras, o sistema político estabelecido sobre os escombros deixados pela Segunda Guerra Mundial, segundo o qual obriga que cada país obedeça a leis e regras internacionais, deixou de existir. A guerra do Iraque e a sua extensão ao Líbano e à Palestina representa um retorno às políticas imperialistas em sua forma mais agressiva e brutal.

Esses fatos colocaram os governos europeus em um dilema. Eles prefeririam muito mais uma solução diplomática para a guerra—ou para ser mais preciso: eles preferem assegurar seus interesses energéticos e geo-estratégicos através da arbitragem internacional, mas para fazer isso eles precisam da cooperação do governo norte-americano, que não possui, absolutamente, nenhum interesse em fazer isso.

Essa contradição atualmente assume formas estranhas. Os círculos dominantes europeus e a imprensa estão conscientes de um grande número de fatos: primeiro. a guerra do Iraque e a ocupação norte-americana tiveram conseqüências desastrosas para o Iraque e a região inteira; segundo, o governo israelense nunca poderia ter realizado a operação, que agora pôs em execução no Líbano, sem consultar o Pentágono e receber aprovação; terceiro, o governo dos EUA está seguindo um plano de ação definido para manter o Iraque sob seu controle—se necessário usando a força—para garantir o acesso às reservas de petróleo e gás na bacia do Cáspio. Entretanto, a demanda central que pode ser escutada na Europa, neste momento, é que o governo norte-americano deve intensificar seu envolvimento no Oriente Médio.

Um dos primeiros a enfatizar este ponto de vista foi o social-democrata Karsten Voigt, que é coordenador para as relações alemãs-americanas do governo alemão. No dia em que o exército israelense destruiu o aeroporto internacional em Beirute, com a aprovação de Washington e com armas “made in USA”, Voigt disse a uma rádio alemã : “Primeiramente, uma coisa está correta, ou seja, que o Oriente Médio é uma área onde queremos maior presença americana, não menos. E isso é o que os críticos normais dos EUA também dizem, porque sem os norte-americanos não será possível acalmar a situação.”

Estariam assumindo que as conseqüências desastrosas da política americana no Iraque e no Oriente Médio— que alguns desses governos alertaram no passado—fortaleceram o papel das burguesias européias. Ainda que de fato tenho ocorrido exatamente o oposto, essa tem sido a posição dos europeus. Sob condições de uma situação explosiva e o perigo da conflagração de uma guerra irrestrita por todo o Oriente Médio, os europeus agora pedem pela intervenção do principal incendiário do mundo.

De maneira similar a Voigt, o anterior ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Joschka Fischer (Partido Verde) argumentou em uma entrevista ao jornal Die Zeit: “ Tudo depende dos EUA, de sua liderança, mas se agirem por si próprios podem ficar sobrecarregados”. Quando o Die Zeit levantou a objeção que Washington está “totalmente amarrado, neste momento, no Iraque” e, conseqüentemente, também está sobrecarregado, Fischer respondeu: “Não irá haver nenhuma solução sem uma América determinada. O Iraque e o vácuo de poder que lá existe colocou os EUA e todos os seus aliados em consideráveis problemas. Mas a questão decisiva não é o Iraque, e sim o Irã.”

Um comentário na quarta-feira (19 de Julho), o diário francês Le Monde também escreveu: “Então, o que pode ser feito? Aproximadamente tudo já foi tentado—a não ser um engajamento mais maciço da comunidade internacional, em particular dos Estados Unidos, por comprometimento já notório, incluindo uma presença militar na região.”

Os fatos mostram, entretanto, que a presença militar sob a liderança dos EUA levou a um desastre na região. Frágeis são portanto as esperanças dos europeus pensando que poderiam diminuir o fogo lançando mais óleo. Na verdade, deixam claro que as potências falidas de Berlim e de Paris não possuem absolutamente nenhum meio de opor-se à política de guerra norte-americana. Ao mesmo tempo, estão impressionados e intimidados pela forma em que o governo Bush segue seus objetivos calculados a sangue frio e com força nua.

O terror brutal das bombas em Bagdá, Fallujah, Basra e agora em Beirute e Gaza—amanhã possivelmente em Damasco e Teerã—é instrumental nesse sentido. Também significante é a forma que o governo norte-americano demonstra seu poder sobre a Europa, com ataques ilegais a alegados “terroristas”, com a manutenção de prisões de tortura e a rejeição a qualquer tipo de limite legal, que deixou sua marca e reforçou os mais reacionários elementos políticos.

Não foi preciso mais para intimidar os governos europeus. Além disso, apenas poucos meses antes das cerimônias que visam celebrar o meio século desde a assinatura do Tratado de Roma na primavera de 1957, que iniciou o processo da unificação européia, a elite política européia chega à conclusão que, apesar da moeda comum, a unificação européia não está apenas não se completando, mas ameaçando reverter-se. A expansão da União Européia ao leste provou ter falhado, e os egoísmos nacionais e contradições estão explodindo através de toda a Europa.

As relações européias com a Rússia também mudaram. Por sua parte, o governo alemão favorece uma relação balanceada que alcance, ao mesmo tempo, o leste e o oeste. Isso é necessário face à alta dependência alemã de energia vinda de Moscou. Entretanto, como as tensões intensificaram-se entre a Rússia e os EUA, andar sempre em corda-bamba não é possível. Ao mesmo tempo, a Rússia sob o governo de Vladimir Putin é muito diferente da Rússia de Boris Yeltsin. A decisão do governo do Kremlin em cortar os suprimentos de gás da Ucrânia no início deste ano enviou ondas de choque à Berlim. Aquelas vozes alertando sobre uma super-dependência de Moscou cresceram mais, e os contatos com Washington se intensificaram no mesmo nível.

Há, entretanto, um fator adicional que levou os governos europeus a permanecerem sob o forte poder imperialista de Washington: o crescimento da crise social na Europa e um marcante aumento dos conflitos sociais. Isso se aplica, em particular, à Alemanha.

Desde o início, a grande coalizão política alemã foi afetada por um defeito de nascimento. Ela surgiu de uma eleição na qual a chamada “esquerda”, compreendendo os Sociais Democratas, os “Verdes” e o Partido Socialista, recebeu mais votos que a “ala direita” da união dos partidos conservadores e o partido do “mercado livre” FDP. Merkel foi capaz de tornar-se primeira-ministra apenas após o SPD se dispor a formar uma grande coalizão.

Pouco tempo após a formação do novo governo alemão, demonstrações de massa ocorreram na França em oposição às tentativas do governo francês em acabar com as leis de proteção ao emprego. Sob a pressão dos protestos, que envolveu milhões, o governo de Villepin foi obrigado a fazer um recuo temporário.

Sob essas condições, o governo de Merkel procedeu mais cautelosamente em suas políticas internas, que por sua vez mereceu a ira de influentes lobistas do mercado para quem o desmantelamento do estado de bem-estar social alemão não estava sendo rápido o suficiente.

A decisão de agora ficar ao lado dos senhores da guerra no atual conflito no Oriente Médio—mesmo com a vasta maioria da população contra a guerra do Iraque e indo às ruas para protestar contra ela—representa uma mudança de rumo. No futuro, o governo alemão estará pronto para demonstrar o mesmo grau de crueldade contra sua própria população como hoje acontece com o povo do Líbano, da Palestina e do Iraque.

Em última análise, a nova orientação política em Paris e Berlim surge da característica de classe desses governos. Independentemente daqueles críticos que se queixam de um “predatório capitalismo americano,“ as elites européias perseguem interesses econômicos e políticos semelhantes, e sob condições em que crescem as tensões em casa e por toda parte, decidiram-se por alinhar-se com a potência imperialista mais poderosa.

Não há nenhuma forma de resolver o crescimento das tensões junto às grandes potências, e irão fazer pouco para aliviá-las. Em vez disso inauguram um novo estágio de violentos ataques aos direitos sociais e democráticos.