Quando o Partido dos Trabalhadores de Lula começou a
surgir como um partido operário de massas, a partir das
grandes greves metalúrgicas de 1978 a 1980, muitos intelectuais
ditos "marxistas" sustentavam que finalmente teríamos
um partido operário "legítimo". Finalmente,
diziam eles, o marxismo ultrapassaria "as seitas autoritárias
leninistas" e surgiria o partido socialista democrático,
aquele que seria rico pela sua diversidade, pela sua valorização
da democracia, pela sua atividade a portas abertas, pela sua criatividade
em encontrar novos caminhos para a transformação
socialista do país. De fato, desde o fim da década
de 80, o PT estava totalmente longe das seitas marxistas que o
ajudaram a nascer. Começou a eleger deputados, cada vez
em maior número, a ganhar prefeituras, depois governos
estaduais e finalmente em 2002, atingiu o governo federal com
a vitória de Lula para a presidência da república.
Mas, o que ocorreu nesse percurso de vinte e seis anos? Foi surgindo
uma tendência dominante no partido, aquela chamada de "Articulação",
centrada em grande parte na figura de José Dirceu, ex-stalinista,
hábil homem da máquina partidária que foi
aglutinando e organizando uma verdadeira casta partidária
embasada, sobretudo, na burocracia sindical (particularmente dos
bancários e dos metalúrgicos) e em uns poucos intelectuais
(cada vez, em menor número) que ainda permaneceram no partido.
Desde 1990, os rumos do partido na direção da
atual catástrofe, já eram previsíveis para
qualquer bom observador. Dinheiro dos fundos sindicais dos trabalhadores
e das prefeituras controladas por petistas começou a correr
para os cofres do partido, alimentando as campanhas, arregimentando
cabos eleitorais e ganhando mais e mais votos, mais e mais eleições.
Afora isso, uma série sempre crescente de empresas e capitalistas
começou a contribuir com aqueles que apareciam agora como
os novos "donos do poder". Evidentemente, quando Lula
ganhou as eleições presidenciais em 2002, a conta
bancária e o modo de vida da camada dirigente do PT haviam
mudado substancialmente, mas, não se sabia ainda a dimensão
da mudança. Lembro-me que o saudoso Florestan Fernandes,
um dos poucos intelectuais e deputados do partido que jamais traiu
as suas convicções originais, certa vez me disse
(ainda no final da década de 80) com certa indignação:
"Genoíno (então deputado federal) somente usa
ternos de tropical inglês!". Ora, Florestan Fernandes,
que ainda morreu como petista, teve sorte de não ver o
que todos viram depois da posse de Lula: dólares na cueca
sendo transportados pelo assessor do irmão de Genoíno,
malas de dinheiro sendo pagas a deputados e empréstimos
de milhões de reais, sendo avalizados, sem garantia, por
Genoíno (então presidente nacional do PT) e Delúbio
Soares (tesoureiro do partido); Marcelo Sereno e Sílvio
Pereira (altos dirigentes do partido), assim como o ministro Gushiken
envolvidos em desvio de verbas das estatais e dos fundos de pensão;
o ministro Palocci caindo envolvido em escândalos com prostitutas
e por quebrar o sigilo bancário de um humilde caseiro;
finalmente, conforme relatório apresentado esta semana
pelo Ministério Público, José Dirceu e o
PT, como um todo, sendo acusados de formação de
quadrilha para se perpetuar no poder.
Mas, o que representa tal trajetória desse partido do
ponto de vista marxista? Pensamos que expressa um percurso político
muito preciso e previsível desde o começo, ou seja,
desde 1980. Naquela época, o PT era apresentado pelos seus
ideólogos como alternativa centrista, como alternativa
democrática e não-leninista de organização
partidária. Recusava claramente a fórmula de "ditadura
do proletariado" e propunha um caminho democrático-popular
para o socialismo. Seus teóricos "democráticos"
(Álvaro Moisés, Weffort, Marilena Chauí,
Marco Aurélio Garcia, entre outros) desenvolviam, então,
a ideologia da conquista da "cidadania" e o elogio absoluto
da "democracia" como grande caminho para o "socialismo
brasileiro". Ora, como afirmara Trotsky, diversas vezes,
na "Teoria da Revolução Permanente", os
partidos centristas e pequeno-burgueses que não optam claramente
por um projeto político que seja dirigido pelo proletariado,
certamente, após diversas vacilações, terminam
de forma submissa nos braços do capital financeiro. Trotsky,
em certa passagem dessa obra lembra inclusive certas palavras
de Lênin, na qual este nos advertia: "A economia da
sociedade capitalista é tal que somente o capital ou o
proletariado que o derruba podem ser uma força dominante.
Não há outras formas na economia desta sociedade".
Exatamente esta experiência foi vivenciada pelo PT. Para
avançar na sua via "democrática para o socialismo",
primeiramente, criou uma enorme burocracia partidária,
originada na burocracia sindical, que foi, pouco a pouco, encontrando
os meios para chegar aos seus fins "democráticos".
Mas, estes meios foram aburguesando mais e mais mesmo aqueles
que um dia, como Lula, foram operários. Quando em 2002
finalmente chegou ao poder, o partido já era claramente
um partido pequeno-burguês, cujas raízes operárias
tinham se extraviado há muito na poeira de muitas eleições
burguesas e contribuições financeiras do capital.
Mas, este era apenas o começo de algo muito pior que ainda
estava por vir. O partido, como se podia prever pela análise
marxista, se aliaria, finalmente, de forma aberta e franca ao
capital financeiro. Esta aliança, porém, teria tal
dimensão que toda a cúpula da burocracia sindical
tornar-se-ia uma verdadeira nova "classe", ou melhor,
uma nova camada burguesa a serviço do capital financeiro.
E assim foi!
Apesar de nada realizar de significativo, apesar de fazer o
país crescer abaixo do crescimento médio da América
Latina e mundial, o governo do Partido dos Trabalhadores, que
tomou posse no Brasil em janeiro de 2003, em curto prazo de três
anos conseguiu uma grande façanha: criou 37.543 cargos
públicos no período entre sua posse e o último
mês de fevereiro de 2005, o que representa um aumento de
7,72% sobre o contingente de servidores civis da ativa que o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva encontrou quando assumiu a presidência.
Agora mesmo, há duas semanas, através de uma medida
provisória (recurso ditatorial que impõe ao congresso
a vontade do poder executivo), Lula ainda conseguiu aprovar a
criação de mais 4.175 cargos para Defesa, Transporte,
Desenvolvimento e Saúde. O aumento de contratações
no domínio público, longe de significar uma tendência
esquerdista ou socialista do governo Lula, expressa um grande
assalto ao Estado brasileiro, conduzido por essa "nova classe",
a burocracia sindical que embasou o PT nas suas origens em 1980.
Entre os postos que criou, 2.268 integram os cargos de confiança
da administração federal, com os salários
mais altos, integrados todos por petistas ou seus aliados diretos.
Mas, mesmo entre os outros mais de 35.000 cargos que exigem concurso
público, como se sabe, sempre é possível
favorecer os "amigos do PT", e provavelmente, assim
foi feito. Mesmo porque o processo começa pela escolha
regional e em que local preciso são criados os cargos.
Por exemplo, entre o número de cargos universitários
criados, aquela que aparece com grande destaque é a Universidade
do AB,c com 1.911 cargos. Trata-se de uma nova universidade federal
fundada exatamente no local de nascimento do PT, onde Lula começou
o seu trabalho político e onde possui o maior número
de "companheiros", tais como o deputado federal Professor
Luizinho, o deputado Vicentinho, o deputado Menegheli e outros
ex-burocratas sindicais, hoje aliados fiéis do capital
financeiro. Quanto à fortaleza desta aliança entre
a burocracia sindical e o capital financeiro, não podem
restar dúvidas. No recente balanço apresentado pelos
principais bancos que atuam no país, foram registrados
os maiores e mais fantásticos lucros de toda a sua história,
contrastando, visivelmente, com o restante da economia do país
que, como dissemos, cresceu muito abaixo da média latino-americana
e mundial. Lula e a burocracia petista da sua central sindical,
a CUT, controlam as massas, impõem as maiores taxas de
juros do mundo e o capital financeiro lhes garante cargos, altos
salários e desvios do dinheiro público.
Eis aí uma pequena história do PT e da via "democrática"
para o socialismo.