Desde o início do ano, têm ocorrido protestos,
principalmente contra a transformação dos benefícios
sociais em pagamento à vista de quantias substancialmente
menores.
A propaganda governamental tem procurado atribuir o crescimento
dos protestos a problemas relacionados com a implementação
da nova legislação de benefícios sociais,
e insiste também que as próprias leis são
necessárias e inevitáveis. No entanto, os protestos
dos pensionistas constituem apenas a ponta do iceberg. A causa
fundamental das cada vez maiores manifestações de
descontentamento é o enorme índice de desigualdade
social resultante da introdução do capitalismo na
ex-União Soviética.
Na mensagem de Ano Novo, o presidente Vladimir Putin assegurou
que a situação social da maioria dos russos melhorara
no ano passado. Apenas alguns dias mais tarde, todavia, a erupção
de protestos indicava o que amplas setores populacionais pensavam
sobre o assunto.
Mesmo ligeiro exame da situação social na Rússia
moderna revela uma sociedade profundamente dividida. Uma mancheia
de estatísticas espelham a realidade de dois mundos distintos
dificilmente em contacto um com o outro. Umo mundo da riqueza
e do luxoé habitado por insignificante minoria. O
outroo mundo do declínio social e de árdua
luta pela sobrevivência - é habitado por milhões
e milhões.
Números reveladores da distribuição da
riqueza descrevem a gritante natureza da polarização
social. De acordo com informes governamentais, a renda dos membros
mais ricos da sociedade russa é l5 vezes superior à
dos mais pobresum dos mais elevados níveis de desigualdade
social registrados nos principais paises. Em Moscou, esta diferença
é 53 vezes maior.
Abaixo da linha de pobreza
Conforme números divulgados pelo Banco Mundial, no fim
do ano, 20 por cento da população russa vivem abaixo
do nível de pobreza, definido pela renda mensal de 1.000
rublosmenos de 30 Euros ou de 38 dólares.
A esmagadora maioria das famílias russas jaz à
margem da pobreza. O Banco Mundial calculou que um decréscimo
médio de 10% da renda implicaria numa elevação
de 50% na taxa de pobreza. A maioria dos pobres da Rússia
acha-se entre famílias operárias sustentadas por
adultos com nível técnico médio e em famílias
com crianças.
A maior parte dos trabalhadores pobres trabalha no setor público,
inclusive professores, médicos e servidores de nível
inferior. As ocupações de rendas mais baixassem
exclusão dos empregados nos serviços de saúde,
tais como enfermeiros e demais servidores relacionados. Os empregos
de rendas inferioresincluindo aqueles dos serviços
de saúde, tais como enfermeiras e paramédicossão
de grande importância social. As míseras condições
do pessoal destes setores contribuem para o descalabro das estruturas
sobre as quais assenta a sociedade.
Os bem-sucedidos são detentores de privilégios
e benefícios maiores do que os pobres ou quase pobres.
O Banco Mundial registra que as pensões sociais de nível
médio (com exceção das destinadas a crianças),
pagas aos relativamente ricos, ultrapassam as recebidas pelas
camadas sociais mais pobres.
O Departamento Nacional de Estatísticas classifica oficialmente
um total de 31 milhões de indivíduos (22% da população)
como pobres. Outras pesquisas, todavia, elevam o percentual de
pobreza para 40% ou mais.
O Centro de Pesquisas do Padrão de Vida de Todas as
Rússias divulgou os seguintes números para s vários
graus de pobreza:
No final de 2003, a renda média foi calculada em 2.l21
rublos (60 Euros ou 77 dólares) mensais, aqueles que trabalham
percebendo 2.300 rublos (65 Euros ou 83 dolares) e pensionistas
que ganham 1.600 rublos (45 Euros/58 dóares). Aqueles cujas
rendas caem para níveis inferiores a estes são definidos
como pobres. Uma segunda categoria é a dos que estão
em situações piores, inclusive famílias em
que a renda per capita fica entre 2.121 e 4.400 rublos
(60-120 Ruros/77-161 dólares). Uma seção
significativa da população pode ser incluída
nestas duas categorias.
O Centro de Estudos dos Níveis de Vida classifica de
"camadas médias" lares detentores de uma renda
per capita entre 4.400 e 15.000 rublos (126-430 Euros/161-550
dólares). Pelos padrões ocidentais, estes níveis
de renda representariam pobreza.
Pensionistas e jovens formam os setores mais pobres da sociedade
russa. O Fundo de Avaliações Sociais verificou que
praticamente nenhuma pessoa jovemexatamente 1%economiza
para a velhice. Dois terços dos jovens que foram indagados
afirmaram que não podiam adquirir coisa alguma. Os jovens
que vivem na zona rural ou em pequenas cidades, correm o risco
de ser os mais pobres. Contrastando com os paises ocidentais,
onde a pobreza é freqüentemente concentrada nos grandes
núcleos urbanos, os pobres na Rússia vivem nas aldeias
e nas pequenas cidades.
Famílias com crianças estão expostas ao
constante risco da pobreza, particularmente as de dois ou mais
filhos.
Crianças de famílias de baixa renda têm
substancialmente diminuídas as chances de conseguirem um
aprendizado após o término do curso secundário.
Apensas 15% dos filhos de famílias pobres freqüentam
escolas técnicas especializadas ou universidades. Baixo
nível educacional constitui importante fator na persistência
da pobreza.
Os pobres adoecem mais freqüentemente ou sucumbem ao alcoolismo.
A incidência de tuberculose na Rússia é 10
vezes maior do que na Europa ocidental.
Cientistas calculam que desde o início da década
de 1990, algo em torno de 8 milhões de russos morreram
prematuramente. O índice de mortalidade elevou-se uma vez
e meia no decorrer do mesmo período. Em 2003, este indicador
alcançou o ponto alto de l6,4 mortes por 1.000 habitantes.
O russo comum pode esperar viver somente 58 anos. Isto significa
que mulheres casadas, em média, ficam viúvas por
15 anos. Deve-se tal fato tanto à maior expectativa de
vida das mulheres quanto ao fato de estas se casarem mais cedo.
A despeito das adversidades da vida cotidiana na União
Soviética, para a maior parte do povo a situação
era substancialmente melhor do que a prevalecente na Rússia
contemporânea. Hoje, o salário médio cobre
apenas 27% das necessidades de sustento de um adulto em idade
economicamente produtiva; a assistência à infância
custeia exatamente 3% dos gastos indispensáveis de uma
criança, e a pensão mínima chega apenas a
46% dos gastos médios de um pensionista.
Na União Soviética, o salário mínimo
alcançava uma vez e meia o mínimo necessário
do consumo. O salário mínimo russo teria de ser
triplicado para que cobrisse o nível médio de consumo.
Uma luta séria contra a pobreza torna-se impossível
sem uma reforma real do sistema educacional e dos serviços
de saúde. Ambos teriam de tornarem-se acessíveis
às amplas camadas populacionais. Todavia a tendência
aponta na direção oposta.
Para um crescente número de russos, está se tornando
claro que ulteriores "reformas" capitalistas não
significarão melhorias de suas condições.
O ponto extremo do espectro da riqueza
E aí surge a outra Rússia. Ela encontra sua personificação
em tipos como Roman Abramovich, governador da remota região
de Tchukotkaexatamente do outro lado do estreito de Behring
partindo do Alaskadetentor do controle acionário
do gigante petrolífero russo Sibeft. É considerado
o homem mais rico da Grã-Bretanha, onde agora reside. Há
dois anos, ele adquiriu o clube de futebol Chelsea por soma astronômica.
A Rússia ocupa o terceiro lugar no mundo pelo número
de bilionários, e o 13º pelo número das maiores
empresas.
Considerada integralmente as fortunas dos bilionários
russos, estas alcançam quase a metade do valor das maiores
empresas nacionais. Em comparação, nos Estados Unidos
esta soma atinge apenas seis por cento.
O maior quinhão dos controles acionários das
maiores empresas russas encontra-se nas mãos de diminuta
camada social. De acordo com o Banco Mundial, em 2003 os 23 maiores
grupos empresariais detinham 57 por cento de toda produção
industrial russa.
A revista Forbes calculou que, computada relativamente
à produção do país (458 bilhões
de dólares), há mais bilionários na Rússia
(36) do que em qualquer outro ponto do mundo. Os ativo totais
destes 36 russos mais ricos importam em 110 bilhões de
dólares24% da produção nacional.
O conjunto dos bilionários e multimilionários
russos controla as matérias primas e suas indústrias
associadas. Conforme a Forbes, este cômputo aplica-se
a 66 dos russos mais ricos. Os outros 34 construíram suas
riquezas em novos campos de negóciosacima de tudo
telecomunicações, construção, produção
de alimentos e comércio varejista.
Os rendimentos dos mais altos executivos são também
incomparavelmente maiores do que a dos cidadãos comuns
ou pensionistas. O Gazeta.ru cita dados demonstrativos
de que eles recebem anualmente entre 1 milhão e 3 milhões
de dólares.
O presidente da Lukoil recebe l,5 milhão de dólares.
Se os negócios alcançam determinadas metas, ele
desfruta de uma gratificação de 2,2 milhões
de dólares. O vice consegue 800 mil dólares anuais,
com até um milhão e cem mil dólares de bonificação.
O quadro era o mesmo na Yukos, até ser liquidada pelo estado.
Em empresas de alto porte, a exemplo da United Mechanical Engineering
Works e a companhia petrolífera Tyumen, os salários
básicos dos executivos alcançam 500 mil dólares
e até mais. Oleg Derispaka, o chefão da indústria
de alumínio Basis Element, pagou impostos no valor de 294
milhões de dólares em 2001 sobre rendimentos auferidos
na Khakassia, uma república siberiana. Sua remuneração
representava 10% da receita total da república.
Os "novos russos", como são algumas vezes
chamados, amiúde vivem no estrangeiro, onde podem ser encontrados
em hotéis, restaurantes e clubes VIP.
Possuem cavalos de corrida, iates e mansões. Praticamente
todo bilionário tem seu próprio iate e aeroplano.
Particularmente deleitam-se em comprar antiguidades e jóias
de alto valor, como também imóveis nas áreas
mais dispendiosas das capitais européias. Londres constitui
para eles uma atração especial.
Os russos representam um terço de todos os investidores
estrangeiros no mercado imobiliário londrino. No decorrer
dos últimos dez anos, o número de vistos britânicos
concedidos a russos multiplicou-se por oito. Dos 250 mil russos
que vivem em Londres, 700 são multimilionários.
As celebrações de Ano Novo constituem o ponto
alto da prodigalidade dos novos ricos russos. O International
Herald Tribune noticiou recentemente que cerca de 20.000 russos
"chafurdam no fausto, comem, bebem e vão às
compras" nas butiques luxuosas das estações
de esqui de Courchevel, situadas nos recantos nevados dos Alpes
franceses. Nestas estações encontram-se hotéis
cinco estrelas, a exemplo do Les Grandes Alpes, onde um quarto
custa de 500 a l.250 Euros (704 a l.600 dólares) o pernoite.
No restaurante do hotel, pode-se tomar vinho por meros 1.750 Euros
(2.239 dólares) a garrafa. Uma nova suíte recentemente
inaugurada no hotel Byblos des Neiges, de 220 metros quadrados,custa
6.500 Euros (8.318 dólares) uma noite.
O International Herald Tribune publicou que professores
russos de esqui estão sendo contratados para atender a
onda de turistas russos de Courchevel, ao mesmo tempo que anúncios
russos podem ser vistos por toda parte."É um negócio
maravilhoso para nós," explica um proprietário
local de hotel quatro estrelas.
Esta é a realidade por trás das conclamações
de "união nacional" do governo Putin. Não
admira que os russos comuns crescentemente demonstrem seu descontentamento
e protesto contra o agravamento de sua situação.
Estes protestos inevitavelmente continuarão e se intensificarão
sob as condições nas quais não surge qualquer
solução para os problemas sociais da Rússia
que se avolumam.