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Riqueza e pobreza na Rússia moderna

Por Vladimir Volkov e Julia Denenberg
7 Junio 2005

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Desde o início do ano, têm ocorrido protestos, principalmente contra a transformação dos benefícios sociais em pagamento à vista de quantias substancialmente menores.

A propaganda governamental tem procurado atribuir o crescimento dos protestos a problemas relacionados com a implementação da nova legislação de benefícios sociais, e insiste também que as próprias leis são necessárias e inevitáveis. No entanto, os protestos dos pensionistas constituem apenas a ponta do iceberg. A causa fundamental das cada vez maiores manifestações de descontentamento é o enorme índice de desigualdade social resultante da introdução do capitalismo na ex-União Soviética.

Na mensagem de Ano Novo, o presidente Vladimir Putin assegurou que a situação social da maioria dos russos melhorara no ano passado. Apenas alguns dias mais tarde, todavia, a erupção de protestos indicava o que amplas setores populacionais pensavam sobre o assunto.

Mesmo ligeiro exame da situação social na Rússia moderna revela uma sociedade profundamente dividida. Uma mancheia de estatísticas espelham a realidade de dois mundos distintos dificilmente em contacto um com o outro. Um—o mundo da riqueza e do luxo—é habitado por insignificante minoria. O outro—o mundo do declínio social e de árdua luta pela sobrevivência - é habitado por milhões e milhões.

Números reveladores da distribuição da riqueza descrevem a gritante natureza da polarização social. De acordo com informes governamentais, a renda dos membros mais ricos da sociedade russa é l5 vezes superior à dos mais pobres—um dos mais elevados níveis de desigualdade social registrados nos principais paises. Em Moscou, esta diferença é 53 vezes maior.

Abaixo da linha de pobreza

Conforme números divulgados pelo Banco Mundial, no fim do ano, 20 por cento da população russa vivem abaixo do nível de pobreza, definido pela renda mensal de 1.000 rublos—menos de 30 Euros ou de 38 dólares.

A esmagadora maioria das famílias russas jaz à margem da pobreza. O Banco Mundial calculou que um decréscimo médio de 10% da renda implicaria numa elevação de 50% na taxa de pobreza. A maioria dos pobres da Rússia acha-se entre famílias operárias sustentadas por adultos com nível técnico médio e em famílias com crianças.

A maior parte dos trabalhadores pobres trabalha no setor público, inclusive professores, médicos e servidores de nível inferior. As ocupações de rendas mais baixas—sem exclusão dos empregados nos serviços de saúde, tais como enfermeiros e demais servidores relacionados. Os empregos de rendas inferiores—incluindo aqueles dos serviços de saúde, tais como enfermeiras e paramédicos—são de grande importância social. As míseras condições do pessoal destes setores contribuem para o descalabro das estruturas sobre as quais assenta a sociedade.

Os bem-sucedidos são detentores de privilégios e benefícios maiores do que os pobres ou quase pobres. O Banco Mundial registra que as pensões sociais de nível médio (com exceção das destinadas a crianças), pagas aos relativamente ricos, ultrapassam as recebidas pelas camadas sociais mais pobres.

O Departamento Nacional de Estatísticas classifica oficialmente um total de 31 milhões de indivíduos (22% da população) como pobres. Outras pesquisas, todavia, elevam o percentual de pobreza para 40% ou mais.

O Centro de Pesquisas do Padrão de Vida de Todas as Rússias divulgou os seguintes números para s vários graus de pobreza:

No final de 2003, a renda média foi calculada em 2.l21 rublos (60 Euros ou 77 dólares) mensais, aqueles que trabalham percebendo 2.300 rublos (65 Euros ou 83 dolares) e pensionistas que ganham 1.600 rublos (45 Euros/58 dóares). Aqueles cujas rendas caem para níveis inferiores a estes são definidos como pobres. Uma segunda categoria é a dos que estão em situações piores, inclusive famílias em que a renda per capita fica entre 2.121 e 4.400 rublos (60-120 Ruros/77-161 dólares). Uma seção significativa da população pode ser incluída nestas duas categorias.

O Centro de Estudos dos Níveis de Vida classifica de "camadas médias" lares detentores de uma renda per capita entre 4.400 e 15.000 rublos (126-430 Euros/161-550 dólares). Pelos padrões ocidentais, estes níveis de renda representariam pobreza.

Pensionistas e jovens formam os setores mais pobres da sociedade russa. O Fundo de Avaliações Sociais verificou que praticamente nenhuma pessoa jovem—exatamente 1%—economiza para a velhice. Dois terços dos jovens que foram indagados afirmaram que não podiam adquirir coisa alguma. Os jovens que vivem na zona rural ou em pequenas cidades, correm o risco de ser os mais pobres. Contrastando com os paises ocidentais, onde a pobreza é freqüentemente concentrada nos grandes núcleos urbanos, os pobres na Rússia vivem nas aldeias e nas pequenas cidades.

Famílias com crianças estão expostas ao constante risco da pobreza, particularmente as de dois ou mais filhos.

Crianças de famílias de baixa renda têm substancialmente diminuídas as chances de conseguirem um aprendizado após o término do curso secundário. Apensas 15% dos filhos de famílias pobres freqüentam escolas técnicas especializadas ou universidades. Baixo nível educacional constitui importante fator na persistência da pobreza.

Os pobres adoecem mais freqüentemente ou sucumbem ao alcoolismo. A incidência de tuberculose na Rússia é 10 vezes maior do que na Europa ocidental.

Cientistas calculam que desde o início da década de 1990, algo em torno de 8 milhões de russos morreram prematuramente. O índice de mortalidade elevou-se uma vez e meia no decorrer do mesmo período. Em 2003, este indicador alcançou o ponto alto de l6,4 mortes por 1.000 habitantes.

O russo comum pode esperar viver somente 58 anos. Isto significa que mulheres casadas, em média, ficam viúvas por 15 anos. Deve-se tal fato tanto à maior expectativa de vida das mulheres quanto ao fato de estas se casarem mais cedo.

A despeito das adversidades da vida cotidiana na União Soviética, para a maior parte do povo a situação era substancialmente melhor do que a prevalecente na Rússia contemporânea. Hoje, o salário médio cobre apenas 27% das necessidades de sustento de um adulto em idade economicamente produtiva; a assistência à infância custeia exatamente 3% dos gastos indispensáveis de uma criança, e a pensão mínima chega apenas a 46% dos gastos médios de um pensionista.

Na União Soviética, o salário mínimo alcançava uma vez e meia o mínimo necessário do consumo. O salário mínimo russo teria de ser triplicado para que cobrisse o nível médio de consumo.

Uma luta séria contra a pobreza torna-se impossível sem uma reforma real do sistema educacional e dos serviços de saúde. Ambos teriam de tornarem-se acessíveis às amplas camadas populacionais. Todavia a tendência aponta na direção oposta.

Para um crescente número de russos, está se tornando claro que ulteriores "reformas" capitalistas não significarão melhorias de suas condições.

O ponto extremo do espectro da riqueza

E aí surge a outra Rússia. Ela encontra sua personificação em tipos como Roman Abramovich, governador da remota região de Tchukotka—exatamente do outro lado do estreito de Behring partindo do Alaska—detentor do controle acionário do gigante petrolífero russo Sibeft. É considerado o homem mais rico da Grã-Bretanha, onde agora reside. Há dois anos, ele adquiriu o clube de futebol Chelsea por soma astronômica.

A Rússia ocupa o terceiro lugar no mundo pelo número de bilionários, e o 13º pelo número das maiores empresas.

Considerada integralmente as fortunas dos bilionários russos, estas alcançam quase a metade do valor das maiores empresas nacionais. Em comparação, nos Estados Unidos esta soma atinge apenas seis por cento.

O maior quinhão dos controles acionários das maiores empresas russas encontra-se nas mãos de diminuta camada social. De acordo com o Banco Mundial, em 2003 os 23 maiores grupos empresariais detinham 57 por cento de toda produção industrial russa.

A revista Forbes calculou que, computada relativamente à produção do país (458 bilhões de dólares), há mais bilionários na Rússia (36) do que em qualquer outro ponto do mundo. Os ativo totais destes 36 russos mais ricos importam em 110 bilhões de dólares—24% da produção nacional.

O conjunto dos bilionários e multimilionários russos controla as matérias primas e suas indústrias associadas. Conforme a Forbes, este cômputo aplica-se a 66 dos russos mais ricos. Os outros 34 construíram suas riquezas em novos campos de negócios—acima de tudo telecomunicações, construção, produção de alimentos e comércio varejista.

Os rendimentos dos mais altos executivos são também incomparavelmente maiores do que a dos cidadãos comuns ou pensionistas. O Gazeta.ru cita dados demonstrativos de que eles recebem anualmente entre 1 milhão e 3 milhões de dólares.

O presidente da Lukoil recebe l,5 milhão de dólares. Se os negócios alcançam determinadas metas, ele desfruta de uma gratificação de 2,2 milhões de dólares. O vice consegue 800 mil dólares anuais, com até um milhão e cem mil dólares de bonificação. O quadro era o mesmo na Yukos, até ser liquidada pelo estado.

Em empresas de alto porte, a exemplo da United Mechanical Engineering Works e a companhia petrolífera Tyumen, os salários básicos dos executivos alcançam 500 mil dólares e até mais. Oleg Derispaka, o chefão da indústria de alumínio Basis Element, pagou impostos no valor de 294 milhões de dólares em 2001 sobre rendimentos auferidos na Khakassia, uma república siberiana. Sua remuneração representava 10% da receita total da república.

Os "novos russos", como são algumas vezes chamados, amiúde vivem no estrangeiro, onde podem ser encontrados em hotéis, restaurantes e clubes VIP.

Possuem cavalos de corrida, iates e mansões. Praticamente todo bilionário tem seu próprio iate e aeroplano. Particularmente deleitam-se em comprar antiguidades e jóias de alto valor, como também imóveis nas áreas mais dispendiosas das capitais européias. Londres constitui para eles uma atração especial.

Os russos representam um terço de todos os investidores estrangeiros no mercado imobiliário londrino. No decorrer dos últimos dez anos, o número de vistos britânicos concedidos a russos multiplicou-se por oito. Dos 250 mil russos que vivem em Londres, 700 são multimilionários.

As celebrações de Ano Novo constituem o ponto alto da prodigalidade dos novos ricos russos. O International Herald Tribune noticiou recentemente que cerca de 20.000 russos "chafurdam no fausto, comem, bebem e vão às compras" nas butiques luxuosas das estações de esqui de Courchevel, situadas nos recantos nevados dos Alpes franceses. Nestas estações encontram-se hotéis cinco estrelas, a exemplo do Les Grandes Alpes, onde um quarto custa de 500 a l.250 Euros (704 a l.600 dólares) o pernoite. No restaurante do hotel, pode-se tomar vinho por meros 1.750 Euros (2.239 dólares) a garrafa. Uma nova suíte recentemente inaugurada no hotel Byblos des Neiges, de 220 metros quadrados,custa 6.500 Euros (8.318 dólares) uma noite.

O International Herald Tribune publicou que professores russos de esqui estão sendo contratados para atender a onda de turistas russos de Courchevel, ao mesmo tempo que anúncios russos podem ser vistos por toda parte."É um negócio maravilhoso para nós," explica um proprietário local de hotel quatro estrelas.

Esta é a realidade por trás das conclamações de "união nacional" do governo Putin. Não admira que os russos comuns crescentemente demonstrem seu descontentamento e protesto contra o agravamento de sua situação. Estes protestos inevitavelmente continuarão e se intensificarão sob as condições nas quais não surge qualquer solução para os problemas sociais da Rússia que se avolumam.