Brasil: os 100 primeiros dias de Lulaausteridade para
os pobres, reduções de impostos para os ricos
Por Rafael Azul
13 Octubre 2003
Desde que assumiu há 107 dias, o presidente brasileiro
Luis Inácio da Silva (Lula) tem posto em prática
uma política de austeridade de interesse dos bancos internacionais,
em muitos casos ultrapassando seu predecessor Fernando Henrique
Cardoso. Além de incentivar introdução de
leis que colocariam o Banco Central fora do controle do governo
e dos eleitores nacionais, ele realizou cortes nas despesas públicas
e aumentou as taxas de juros, reduzindo as possibilidades de criar
empregos e prover os serviços sociais.
Ele agora planeja reformar o sistema estatal de pensões.
Em 17 de abril, Lula obteve o consentimento de 27 governadores
do país em apoio de um sistema que ampliará a idade
de aposentadoria e reduzirá os direitos dos funcionários
públicos. "Todos estamos no mesmo barco", declarou
Lula, referindo-se ao déficit no sistema de pensões.
Os novos aposentados teriam seus benefícios restringidos
e taxados.
Enquanto os pensionistas veriam seus benefícios reduzidos,
uma outra proposta baixaria as taxas das poupanças. Lula
e seus assessores fizeram ressurgir as velhas teorias preconizadoras
de que um aumento de disponibilidades para investimento, através
da redução de taxas, elevará a produtividade"
e "que assegura que a ajuda governamental às grandes
empresas, na forma de empréstimos e reduções
de impostos, em última análise beneficiará
os oprimidos, idéias de que foram pioneiros Ronald Reagan
e Margaret Thatcher.
Alega-se que a redução de impostos, particularmente
para os grandes negócios e os ricos, implicará no
crescimento para a economia capitalista brasileira e eventualmente
no aumento de empregos para os pobres.
No decorrer da campanha eleitoral do último outono,
Lula baseou sua campanha em vago programa nacionalista e econômico,
prometendo vigorosas medidas para criar um milhão de empregos
e enfrentar as desigualdades econômico-sociais no país.
Todavia, nas negociações com o Fundo Monetário
Internacional, ele concordou em subordinar suas propostas econômicas
às exigências dos investidores estrangeiros. Após
ganhar as eleições, Lula compôs um time econômico
afinado com políticas conservadoras, similar aos do governo
de Cardoso.
Os argumentos de Lula no tocante a reduções de
impostos, crescimento e suas políticas governamentais têm
o propósito de proteger os interesses dos credores internacionais.
O Brasil deve 250 bilhões de dólares a entidades
financeiras norte-americanas. No último verão, conseguiu
uma linha de crédito de 30 bilhões de dólares
junto ao FMI, condicionada a cortes drásticos no orçamento
federal, a uma política monetária administrada pelos
bancos, a reformas estruturais e à redução
dos custos operacionais empresariais, inclusive a uma reforma
do sistema de pensões.
Antonio Palocci, o ministro da economia, é bem conhecido
médico que desfruta da confiança dos meios bancários
paulistas. Henrique Meirelles mudou-se do First Boston Bank, onde
era alto executivo encarregado dos negócios internacionais,
para assumir o leme do Banco Central. Completando a equipe econômica
no mesmo estilo estão o administrador industrial Luiz Fernando
Furlan, de um conglomerado de alimentos, e Roberto Rodriguez do
Conselho Brasileiro de Agrobusiness.
Lula realmente apresentou um programa para acabar com a fome.
A iniciativa denominada de "fome zero" foi descrita
por Lula como uma medida tornando possível a todos brasileiros
"fazer a refeição matinal, almoçar e
jantar". O plano distribuiria tíquetes para as famílias
indigentes, no valor entre 16 e 80 dólares por mês
- considerada uma família de 5 pessoas.
Os cupons seriam usados para comprar determinadas categorias
de alimentos. Em troca, as famílias beneficiadas teriam
de participar de trabalhos comunitários. Com efeito, a
proposta "fome zero" envolve a criação
de um salário submínimo para os 54 milhões
de pobres e desempregados do país nos quais os recipientes
reduziriam o salário dos trabalhadoreso salário
mínimo brasileiro foi congelado em cerca de 60 dólares
mensais.
Reduzir o salário dos trabalhadores a 16 dólares
por mês beneficiaria principalmente a burguesia brasileira,
enquanto alargaria o buraco entre ricos e pobres. De qualquer
forma, 16 dólares pessoa/mês não é
o suficiente para que o brasileiro ingira o mínimo de calorias
necessário.
Os bancos, de acordo com o Los Angeles Time, celebraram os
100 dias de Lula no poder: "A política macroeconômica
é muito clara, coerente e sólida", afirmou
Paulo Leme, diretor da Goldman Sachs no Brasil.
A solvência fiscal e as reduções orçamentárias
foram essenciais para estabilizar a economia e retomar o crescimento.
Isto se tem conseguido de maneira firme e decisiva, e os efeitos
foram notados muito rapidamente". A vasta maioria dos brasileiros,
todavia, está em situação muito pior. Oficialmente,
o desemprego permanece em 12%, com bolsões de até
23% em algumas cidades industriais. A renda real tem declinado
por três anos seguidos, caindo 3,8% em 2002.
Para que o desemprego não continue a crescer, o Produto
Interno Bruto brasileiro necessita de uma elevação
da ordem de 4% a 6% ao ano. O crescimento econômico em 2002
foi de 1,5%. Para 2003, a taxa de crescimento esperada ficará
entre 1,4% e 1,8% e não se prevê que cresça
em 2004.
Lula tem procurado apresentar-se ao público como um
pragmático que fará o capitalismo funcionar em favor
do brasileiro médio, se lhe for dada uma oportunidade.
Do ponto de vista do FMI e da banca internacional, porém,
sua tarefa é assegurar a exploração crescente
dos recursos e dos trabalhadores brasileiros a fim de que o Brasil
pague suas dívidas.
Em fevereiro, nas negociações com a administração
Bush, o enviado governamental Aloísio Mercadante declarou
que o Brasil tinha a necessidade urgente de um crédito
de curto prazo por cuja concessão os bancos estão
fazendo severas exigências. Fontes governamentais advertem
que sem esses créditos o Brasil enfrentará crescente
desemprego e queda do valor real dos salários.
A habilidade de Lula para pôr em vigor suas medidas de
austeridade até aqui tem estado na dependência da
obtenção da concordância da maior central
sindical brasileira, a CUT, em não organizar protestos
ou greves. O mês passado, dezenas de milhares de metalúrgicos
entraram em greve por aumento salarial nos estados de São
Paulo e Paraná, um indício de que setores da classe
operária já perderam a paciência com Lula
e sua política.
Para combater os efeitos da recessão econômica,
o governo vem tentando fazer avançar seu programa "fome
zero"apenas para tropeçar em numerosos obstáculos
burocráticos
Cheques emitidos em favor do programa por celebridades brasileiras
permaneceram "em ser" durante meses porque o governo
atrasou a abertura de uma conta bancária. Agora, o governo
intenta desacelerar o programa, que ainda vai começar a
alimentar os pobres.