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O papel da AFL-CIO no golpe venezuelano

Por Bill Vann
1 Octubre 2003

Uma agência dirigida pela federação sindical americana AFL-CIO (American Federation of Labour-Congress of Industrial Organizations, ou seja, Federação Trabalhista Americana-Congresso de Organizações Industriais) jogou um papel chave ao financiar e aconselhar aqueles que organizaram a tentativa fracassada de golpe militar em abril de 2002 na Venezuela. O papel da AFL-CIO no golpe apoiado pelos EEUU enfatiza o fato de que mesmo enquanto o instrumento sindical se torna cada vez mais irrelevante como um fator significativo na política americana e nas vidas de trabalhadores dos EEUU, ele continua a conspirar internacionalmente contra os direitos democráticos e os interesses da classe trabalhadora.

As revelações quanto ao envolvimento da AFL-CIO referem-se ao papel do Centro Americano para a Solidaridade Trabalhista Internacional (ACILS—American Center for International Labor Solidarity) na Venezuela, uma agência dirigida pela AFL-CIO que é largamente financiada pelo governo dos EEUU.

Evidência da participação dos EEUU na tentativa de golpe de 11-12 de abril tem continuado a crescer em semanas recentes. Uma investigação oficial pelo governo venezuelano revelou que dois importantes oficiais dos EEUU se aliaram aos comandantes militares venezuelanos que apoiou o golpe no Forte Tiuna, a maior base militar de Caracas, onde o presidente Hugo Chavez foi mantido após ser capturado pelos soldados que apoiavam a derrubada de seu governo.

De acordo com essa investigação, o tenente Coronel James Rodgers, adido militar dos EEUU em Caracas, teria orientado os generais que se voltaram contra Chavez, , permanecendo com eles por 48 horas, até que o golpe desmoronou diante de demonstrações maciças e motins, e fraturas dentro do estabelecimento militar venezuelano. O segundo oficial, Coronel do exército dos EEUU Ronald MacCammon, teria estado também presente durante todo o golpe, oficiais venezuelanos relataram.

“Diversos oficiais venezuelanos implicados no golpe mencionaram que estavam cientes da presença deste oficial [MacCammon] durante os eventos”, uma fonte próxima da investigação disse à agência de notícia francesa AFP. “Eles foram assegurados de que o movimento teve plena sustentação dos Estados Unidos e por esta razão participaram”.

Washington negou estes relatórios, fazendo a reivindicação incrível de que dois oficiais dos EEUU teriam meramente feito, “de carro”, uma vistoria dos centros de operação do golpe. “Eles nunca saíram de seu veículo,” um oficial do Departamento de Estado insistiu.

Mas o escritório de Rodgers era situado no quinto andar do edifício principal de Fort Tiuna. Os EEUU foi o único país cujo adido militar teve este privilégio. Chavez havia requisitado que o escritório fosse removido, mas as forças armadas venezuelanas nunca executaram suas instruções.

O Pentágono, entrementes, anunciou que está realizando sua própria investigação. “Nós queremos apenas estar certos de que ninguém estava agindo por si mesmo”, um porta-voz do Departamento de Defesa disse.

Não há nenhuma indicação de que a AFL-CIO esteja conduzindo uma investigação similar, embora não haja nenhuma dúvida de que seus representantes em Caracas estavam intimamente envolvidos na tentativa de golpe de um governo eleito. Um porta-voz da federação trabalhista não retornou uma chamada à procura de um comentário.

A participação da AFL-CIO ocorreu através de uma organização chamada Centro Americano para a Solidariedade Trabalhista Internacional (ACILS—American Center for International Labor Solidarity), que forneceu auxílio e “conselheiros técnicos” à Confederação dos Trabalhadores Venezuelanos—CTV.

O presidente da CTV, Carlos Ortega, foi um dos principais participantes na tentativa de golpe, aliando-se aos cabeças das principais associações dos grandes negócios para organizar uma marcha contra o governo em frente ao palácio presidencial. Mais de uma dúzia de pessoas foi morta a bala, a maioria delas defensores de Chavez atingidos na cabeça por balas de pistoleiros. As forças armadas responsabilizaram as matanças a Chavez e se agarraram a isso como pretexto para depor o presidente.

Pedro Carmona Estanga, líder do grupo empresarial FEDECAMARAS, foi proclamado o presidente de um “governo ínterim”, uma junta dominada por oficiais militares de alto escalão e elementos da extrema direita. Ele requisitou rapidamente a dissolução da legislatura nacional, a abolição da constituição e a revogação de todas as leis passadas nos quatro anos precedentes sob a presidencia de Chavez.

Depois que o golpe fracassou, Ortega, da CTV, permaneceu escondido por semanas, enquanto advertia que a Venezuela explodiria em “guerra civil” a menos que Chavez fizesse grandes concessões àqueles que tentaram derrubá-lo.

A derrubada de Chavez foi preparada nos dois meses precedentes por uma série de greves e protestos organizados pela CTV com o suporte protetor das empresas venezuelanas, culminando em uma greve geral comum de trabalhadores e patrões no dia do golpe.

Durante o mesmo período, o ACILS expandiu suas operações dentro da Venezuela conjuntamente com outras três “organizações não-governmentais”, representando os partidos Democrático e Republicano e os grandes negócios dos EEUU.

Todos são financiados pela agência Reservas para a Democracia National (NED—Endowment for Democracy), fundada em 1983 pela administração de Reagan com o objetivo de fornecer uma estrutura legal para as operações que previamente haviam sido realizadas secretamente pela CIA. Entre os diretores fundadores da agência estavam Henry Kissinger, Secretário de Estado de Nixon e Conselheiro de Segurança Nacional, bem como o então presidente da AFL-CIO Lane Kirkland e o presidente da Federação Americana de Professores Albert Shanker, dois dos burocratas trabalhistas com ligações mais próximas ao Departamento de Estado.

Nos últimos dois anos, o NED quadruplicou seu fundo para operações venezuelanas para quase USA$1 milhão. Deste, USA$154.377 foram passados ao ACILS para financiar suas atividades com a CTV, que incluiu ajuda para organizar as eleições internas que eram enforçadas pela burocracia trabalhista do governo de Chavez. A AFL-CIO, que tem mantido relações bem próximas com a burocracia corrupta da CTV, trabalhou para assegurar-se de que seus oficiais superiores retivessem o poder.

Além disso, o ACILS trabalhou conjuntamente com um quarto grupo patrocinado pela agência NED representando os grandes negócios dos EEUU para organizar “um debate democrático bem informado sobre a legislação que afeta a reforma econômica, os impostos e a propriedade privada”. Os interesses empresariais de ambos, dos EEUU e venezuelanos, opuseram-se fortemente às medidas limitadas de reforma executadas pelo governo de Chavez para redistribuir a terra não utilizada e para limitar o controle estrangeiro dos recursos extensivos do petróleo do país.

Nos EEUU, até mesmo mais dinheiro foi dirigido a duas agências americanas que funcionam como asas da política externa dos partidos Democrático e Republicano. Mais de USA$210.000 foram alotados ao Instituto Democrático Nacional para os Assuntos Internacionais, a fim de “aconselhar” funcionários do governo local, enquanto o Instituto Republicano Internacional recebeu uma concessão de quase USA$340.000 para as atividades de “construção de partido”.

Enquanto o jornal The New York Times citava um funcionário não-identificado do Departamento de Estado que teria dito que mais fundo havia sido colocado na reserva para garantir que não fosse usado “para financiar a derrubada inconstitutional do governo da Venezuela”, a administração de Bush negou rapidamente o relatório, indicando que outro milhão de dólares teria já sido encaminhado para o próximo ano fiscal.

Com seu endosso sonoro do golpe, o presidente do Instituto Republicano Internacional, George Folsom, pois por baixo as negações da administração de Bush e do NED quanto à participação dos EEUU. “O povo venezuelano levantou-se para defende a democracia em seu país,” Folsom disse. “Os venezuelanos foram levados à ação em conseqüência da repressão sistemática do governo de Hugo Chavez”. Esta reivindicação não é validada pelos fatos. Sejam quais forem suas falhas, o governo de Chavez não tem nenhum prisioneiro político e tem tolerado os meios de comunicação controlados pelos empresários que abertamente colaboraram com a tentativa de golpe.

Nos meses que conduziram ao golpe militar, o Instituto Republicano Internacional organizou viagens a Washington para figuras políticas venezuelanas opostas a Chavez para reuniões com funcionários de alto escalão da administração de Bush.

O que é o ACILS?

Previamente, a AFL-CIO realizou suas operações dentro da América Latina atravéz de uma agência conhecida como Instituto Americano para o Desenvolvimento Livre do Trabalho, ou AIFLD (American Institute for Free Labor Development). Com décadas de colaboração com o governo dos EEUU, o AIFLD tornou-se conhecido internacionalmente como a “frente trabalhista” da CIA, dedicado a subverter sindicatos militantes independentes e provocar revolta “trabalhista” contra governos alvejados por Washington.

Na Guatemala, esse instituto ajudou a organizar um sindicato aprovado pela United Fruit Company (Companhia Fruta Unida) e pelas forças armadas para impor calma aos trabalhadores das plantações de banana. Na Guiana, no final dos anos de 1960, o AIFLD instituiu uma série de greves e atiçou tensões raciais entre trabalhadores do leste indiano e afro-cararibenhos a fim causar a derrubada do regime nacionalista de Cheddi Jagan. No Brasil, líderes do sindicato dos trabalhadores das comunicações, treinados pelo AIFLD, ajudaram as forças armadas na apreensão do poder em 1964, e no Chile o AIFLD serviu como canal para o financiamento da CIA para empregados profissionais e gerentes, como também para os “sindicatos” dos proprietários de caminhão, que realizaram greves para perturbar a economia e preparar o terreno para a apreensão do poder pelas forças armadas em setembro de 1973.

Durante a “guerra suja” financiada pelos EEUU em El Salvador, os conselheiros do AIFLD inundaram o país, trabalhando para construir uma associação de camponeses pro-militares e projetando uma “reforma da terra” modelada nos programas de contra-insurgência desenvolvidos durante a guerra no Vietnam.

Com o final da Guerra Fria e a subseqüente mudança na liderança do próprio AFL-CIO, o novo presidente da federação, John Sweeney, procurou uma mudança cosmética na frente internacional, assim criando o ACILS, que herdou a rede de escritórios internacionais bem como o pessoal do AIFLD e outras três organizações regionais mantidas conjuntamente pela burocracia trabalhista e pelo governo americano.

O ACILS recebe ainda a parte do leão de seu financiamento de fontes do governo americano, aproximadamente USa$15 milhões por ano. Isto inclui uma concessão, a ser distribuída durante cinco anos, da Agência para o Desenvolvimento Internacional de USA$45 milhões; USA$4 milhões do NED; USA$1 milhão a cada dois anos do Departamento de Estado e USA$300.000 do Departamento Trabalhista. O próprio AFL-CIO recebe outro USA$1 milhão por ano.

O que o governo dos EEUU obtem com esse pagamento? Anúncios de ofertas de emprego colocados recentemente pelo ACILS avisam os candidatos de que suas responsabilidades incluirão fornecer “informação sobre as condições do país e assuntos trabalhistas conforme solicitado pelos escritórios do governo dos EEUU baseados em Washington”.

Enquanto o ACILS continua o papel do AIFLD de braço da política estrangeira imperialista dos EEUU, incluindo as intrigas contra-revolucionárias da CIA, a burocracia do sindicato tem tentado apresentá-lo como uma organização nova, dedicada à organização internacional dos trabalhadores contra a super-exploração em ambiente de trabalho inadequado (sweatshops). Na realidade, ela promove uma forma de protecionismo, de nacionalismo do tipo “compre o americano” com fachada de “direitos humanos”.

O diretor executivo do ACILS é Harry Kamberis, um veterano do Instituto Americano-Asiático do Trabalhador Livre (AAFLI—Asian American Free Labor Institute), o equivalente asiático do AIFLD. Antes disso, ele trabalhou por muitos anos como um funcionário do Departamento de Estado americano, alocado na Grécia, em Bangladesh e no Paquistão.

A experiência “trabalhista” principal de Kamberis ocorreu nas Filipinas, onde os esforços do AAFLI foram dedicados a sustentar o Congresso da União de Sindicatos das Filipinas (TUCP - Trade Union Congress of the Philippines), uma instituição criada por Ferdinand Marcos para defender sua ditadura. Entre 1983 e 1989, quando Kamberis era ativo nas Filipinas, o AAFLI deu à federação trabalhista pró-Marcos cêrca de USA$6 milhões.

O TUCP usou esse fundo para conter a emergência de sindicatos mais militantes, particularmente aqueles sob a asa do Centro Trabalhista KMU (Kilusang Mayo Uno). Neste ponto, e sob a direção de seus “conselheiros” dos EEUU, o TUCP aliou-se com a ditadura, os patrões, a polícia e os esquadrões da morte da direita.

Tendo falhado em estabelecer qualquer oposição ao roubo da eleição de 2000 por Bush e a direita Republicana, a liderança de Sweeney do AFL-CIO tem nos últimos 2 anos se aproximado ainda mais dos Republicanos. Em parte, isto apenas identifica o fato político de que o Partido Democrático não fornece nenhuma alternativa à defesa desavergonhada por parte dos Republicanos dos interesses empresariais. Entretanto, o AFL-CIO deu boas-vindas também ao apoio da administração de Bush para o militarismo irrestrito como uma oportunidade de provar o seu valor como um defensor leal dos interesses dos imperialistas americanos.

Agora, os burocratas trabalhistas dos EEUU estão trabalhando intimamente com um grupo de conspiradores da ultra-direita, veteranos das conspirações ilegais da administração de Reagan na América Central nos anos de 1980. Manipulando os planos do golpe venezuelano e finalmente dirigindo as atividades da “frente trabalhista” do ACILS estão homens tais como Otto Reich, o Sub-Secretário de Estado para os Assuntos Latino Americanos. Reich, um militante anti-comunista cubano exilado, serviu anteriormente como o cabeça de um esforço ilegal do governo americano para espalhar a propaganda falsa contra o governo Sandinista da Nicarágua, apoiando os mercenários financiados pela CIA que lutaram contra o governo nicaragüense.

O episódio sórdido na Venezuela coloca claramente que o AFL-CIO continua a executar seus serviços contra-revolucionários para o governo dos EEUU no exterior, mesmo enquanto passa por cima de uma série infinita de traições, derrotas, concessões e dispensas para trabalhadores sindicalizados nos EEUU.