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Lula: de Porto Alegre a Davos

Por Bill Vann
27 Janeiro 2003

O recém-empossado presidente do Brasil, Luis Inácio “Lula” da Silva voou à Suíça na noite sexta-feira, a fim de participar do Fórum Econômico Mundial em Davos. Lula tomou o avião horas após fazer um discurso no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, estado sulino brasileiro. A última reunião anual de ativistas antiglobalização, inclusive de afiliados do próprio Partido dos Trabalhadores de Lula, foi iniciada três anos antes em oposição frontal à assembléia mundial de banqueiros e chefes de estados.

“Outro mundo é possível”, tem sido o slogan tanto do Fórum Social quanto do PT. Mas, depois algumas semanas no poder, a administração encabeçada por Lula tornou claro que no que lhe toca, o Fundo Monetário Internacional e o mundo financeiro continuará a ditar restrições às possibilidades do Brasil.

Adeptos do governo do PT têm procurado acalmar os protestos dos ativistas em Porto Alegre em relação à viagem de Lula a Davos, alegando que ele vai participar de uma reunião da elite financeira para justificar uma campanha global contra a pobreza e a fome, ou “globalização com solidariedade.”

Uma dirigente do PT em São Paulo, a prefeita Marta Suplicy, chegou a ponto de caracterizar a ida de Lula a Davos como um ato revolucionário. “Lenine disse que o proletariado não devia recusar qualquer audiência para expor suas idéias”, declarou ela.

As principais idéias que Lula e seu séqüito estarão partilhando com os figurões do capital financeiro mundial na Suíça, todavia, nada têm a ver com marxismo ou revolução social. Expressam muito mais o instrumental do FMI e dos bancos. Sua tarefa será a de convencer os investidores internacionais de que, a despeito de todas as divergências, seu governo continuará a extrair da combalida economia nacional recursos para o pagamento de 260 bilhões de dólares de uma dívida que muitos vêem como insuportável ou insustentável.

Antes da reunião, a administração Lula aumentou os juros para 25,5%—seu nível mais elevado nos últimos quatro anos—sinalizando para os investidores internacionais que assumiria um posicionamento ainda mais rígido contra a inflação que o seu antecessor, não importa o impacto em termos de aumento do desemprego e da pobreza. O Ministro da Fazenda, Antonio Palocci foi além, num discurso aos empresários em Porto Alegre, afirmando que o governo pretendia aumentar o superávit no orçamento federal a fim de assegurar o pagamento da dívida.

Anteriormente estudante ativista de esquerda, transformou-se num conservador em matéria fiscal após eleger-se para prefeito de Ribeirão Preto, cidade do Estado de São Paulo, Palocci não titubeou em apresentar sua proposta de austeridade por trás dos protestos anticapitalistas do Fórum Social Mundial. “Não posso fazer diferentes declarações em diferentes lugares,” afirmou às vésperas do vôo a Davos.

Palocci declarou que sua principal preocupação era tornar claro aos investidores internacionais que o Brasil se submeteria às condições de austeridade do acordo do governo anterior com o Fundo Monetário Internacional relativamente ao resgate da dívida. Em épocas passadas, o repúdio da dívida foi ponto primordial da plataforma de campanhas do PT.

Falando em Davos, Anne Krieger, vice-presidente do FMI, elogiou a política econômica da administração Lula. “O governo brasileiro vem se conduzindo muito bem até agora”, disse Krieger que tem dirigido a desastrosa operação econômica contra a Argentina. “Ele tem correspondido às expectativas muito bem e tem uma visão responsável dos problemas”.

Lula tomou posse em Brasília no início do ano, diante de manifestações de até um milhão de adeptos. Alguns dos esquerdistas pequenos burgueses da América Latina consideraram a investidura do ex-metalúrgico e sindicalista na presidência o advento do primeiro “governo operário” da região.

Não pode haver dúvida de que, refletido na maciça votação do PT, estava o desejo da maioria do povo brasileiro de mudanças radicais num país dentre os mais socialmente desiguais do mundo. De acordo com algumas pesquisas, apenas 1% dos brasileiros abocanha uma fatia maior da renda nacional que os restantes 50% da população.

No final, porém, Lula transformou-se no candidato favorito dos setores mais influentes do capital nacional e internacional também, precisamente por causa de repetidas garantias do PT de que não tinha a intenção de adotar tais mudanças.

Na corrida para as eleições, o PT deu passos extremos para ganhar esta confiança. Estes compreendiam a escolha de um magnata da indústria têxtil e evangélico de direita como companheiro de chapa de Lula, fato que constitui explícito compromisso para execução, à letra, dos acordos com o FMI de seu predecessor e, por último, a nomeação de um banqueiro de investimento ligado a Wall Street para a presidência do Banco Central do Brasil.

Ernesto Zedillo, ex-presidente do México que emergiu como proeminente porta-voz de corporações transnacionais e defensor da globalização capitalista, sumarizou a atitude dos círculos dirigentes em relação a Lula num recente artigo para a Forbes Magazine:

“Eu sinceramente acredito que, paradoxalmente, o presidente eleito provará aos desconfiados mercados e também às entusiásticas massas populares adeptos que ambos estavam enganados E ele desiludirá seus numerosos colegas populistas por toda a América Latina, os quais se sentem redimidos com sua eleição...

“Durante sua campanha e certamente desde a eleição, da Silva tem demonstrado notável capacidade de endossar políticas a que, por não longo tempo, se opunha vigorosamente.” Esta, para Zedillo, é a mais alta forma de elogio.

Zedillo argumenta que se Lula falhar na implementação de uma implacável política econômica de austeridade, o valor da moeda nacional, o real, despencará ainda mais, subirão agudamente as já altíssimas taxas de juros e o Brasil enfrentará o tipo de ruína que derrubou a Argentina, com “generalizadas falências, ruinosos níveis de inflação e dramáticos aumentos dos índices de desemprego e de pobreza, bem como de perturbações sociais e políticas.... Muito simplesmente: o inferno.”

Continua ele: “Contudo, falando honestamente a alternativa não é o paraíso. Para restaurar a confiança e repor a economia do Brasil no caminho do crescimento ...o sr. da Silva terá de implementar políticas que de maneira alguma serão populares. Ele terá de cortar ainda mais gastos governamentais, até mesmo de áreas social e politicamente sensíveis, elevar impostos, estabelecer uma autonomia formal e efetiva do Banco Central e acelerar reformas estruturais a fim de tornar a economia mais competitiva.... Para ser claro, o sr. da Silva deve administrar até mesmo remédio mais amargo do que o prescrito pelo Fundo Monetário Internacional”.

Fundamentalmente, é para isto que Lula foi alçado ao poder. Ele foi convocado a fim de utilizar seu prestígio como ex-líder sindical aprisionado durante a ditadura, com o objetivo de empreender ataques até mesmo mais impiedosos à classe trabalhadora e às massas oprimidas do que o instrumental aplicado pelos governantes de direita anteriores.

A nova administração tem promovido um chamamento para um “pacto social”, incorporando homens de negócio e burocratas sindicais, para levar a cabo uma agenda que reestruture o setor manufatureiro brasileiro, tornando-o mais competitivo no mercado mundial. As mudanças propostas incluem a revogação de leis limitantes aos poderes patronais de demitir trabalhadores, reduzir salários e eliminar benefícios; concessão de favores fiscais para as empresas; “reforma” do sistema de pensões do país.

Um dos fundadores do alternativo Fórum Social Mundial de Porto Alegre apelou publicamente a Lula, insistindo para que não comparecesse à reunião da Suíça. “Lula não devia ir ao banquete dos responsáveis pela miséria do mundo; não devia emprestar seu prestígio a este partido de um punhado de banqueiros responsáveis pela fome na África, na Ásia, na América Latina e aqui no próprio Brasil. Lula não devia ficar do outro lado da barricada,” escreveu Emir Sader, sociólogo brasileiro, assessor do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST).

Todavia, lá está ele. E nenhum volume de retórica e douramento da pílula no intuito de apresentar uma globalização "compassiva" tem condições de disfarçar que este é um governo conduzido ao poder no esforço de abafar uma explosão social. Inevitavelmente, as grandes expectativas das massas de trabalhadores e de pobres surgirão num confronto violento com a realidade da administração petista de políticas de direita.