O recém-empossado presidente do Brasil, Luis Inácio
Lula da Silva voou à Suíça na
noite sexta-feira, a fim de participar do Fórum Econômico
Mundial em Davos. Lula tomou o avião horas após
fazer um discurso no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre,
estado sulino brasileiro. A última reunião anual
de ativistas antiglobalização, inclusive de afiliados
do próprio Partido dos Trabalhadores de Lula, foi iniciada
três anos antes em oposição frontal à
assembléia mundial de banqueiros e chefes de estados.
Outro mundo é possível, tem sido
o slogan tanto do Fórum Social quanto do PT. Mas, depois
algumas semanas no poder, a administração encabeçada
por Lula tornou claro que no que lhe toca, o Fundo Monetário
Internacional e o mundo financeiro continuará a ditar restrições
às possibilidades do Brasil.
Adeptos do governo do PT têm procurado acalmar os protestos
dos ativistas em Porto Alegre em relação à
viagem de Lula a Davos, alegando que ele vai participar de uma
reunião da elite financeira para justificar uma campanha
global contra a pobreza e a fome, ou globalização
com solidariedade.
Uma dirigente do PT em São Paulo, a prefeita Marta Suplicy,
chegou a ponto de caracterizar a ida de Lula a Davos como um ato
revolucionário. Lenine disse que o proletariado não
devia recusar qualquer audiência para expor suas idéias,
declarou ela.
As principais idéias que Lula e seu séqüito
estarão partilhando com os figurões do capital financeiro
mundial na Suíça, todavia, nada têm a ver
com marxismo ou revolução social. Expressam muito
mais o instrumental do FMI e dos bancos. Sua tarefa será
a de convencer os investidores internacionais de que, a despeito
de todas as divergências, seu governo continuará
a extrair da combalida economia nacional recursos para o pagamento
de 260 bilhões de dólares de uma dívida que
muitos vêem como insuportável ou insustentável.
Antes da reunião, a administração Lula
aumentou os juros para 25,5%seu nível mais elevado
nos últimos quatro anossinalizando para os investidores
internacionais que assumiria um posicionamento ainda mais rígido
contra a inflação que o seu antecessor, não
importa o impacto em termos de aumento do desemprego e da pobreza.
O Ministro da Fazenda, Antonio Palocci foi além, num discurso
aos empresários em Porto Alegre, afirmando que o governo
pretendia aumentar o superávit no orçamento federal
a fim de assegurar o pagamento da dívida.
Anteriormente estudante ativista de esquerda, transformou-se
num conservador em matéria fiscal após eleger-se
para prefeito de Ribeirão Preto, cidade do Estado de São
Paulo, Palocci não titubeou em apresentar sua proposta
de austeridade por trás dos protestos anticapitalistas
do Fórum Social Mundial. Não posso fazer diferentes
declarações em diferentes lugares, afirmou
às vésperas do vôo a Davos.
Palocci declarou que sua principal preocupação
era tornar claro aos investidores internacionais que o Brasil
se submeteria às condições de austeridade
do acordo do governo anterior com o Fundo Monetário Internacional
relativamente ao resgate da dívida. Em épocas passadas,
o repúdio da dívida foi ponto primordial da plataforma
de campanhas do PT.
Falando em Davos, Anne Krieger, vice-presidente do FMI, elogiou
a política econômica da administração
Lula. O governo brasileiro vem se conduzindo muito bem até
agora, disse Krieger que tem dirigido a desastrosa operação
econômica contra a Argentina. Ele tem correspondido
às expectativas muito bem e tem uma visão responsável
dos problemas.
Lula tomou posse em Brasília no início do ano,
diante de manifestações de até um milhão
de adeptos. Alguns dos esquerdistas pequenos burgueses da América
Latina consideraram a investidura do ex-metalúrgico e sindicalista
na presidência o advento do primeiro governo operário
da região.
Não pode haver dúvida de que, refletido na maciça
votação do PT, estava o desejo da maioria do povo
brasileiro de mudanças radicais num país dentre
os mais socialmente desiguais do mundo. De acordo com algumas
pesquisas, apenas 1% dos brasileiros abocanha uma fatia maior
da renda nacional que os restantes 50% da população.
No final, porém, Lula transformou-se no candidato favorito
dos setores mais influentes do capital nacional e internacional
também, precisamente por causa de repetidas garantias do
PT de que não tinha a intenção de adotar
tais mudanças.
Na corrida para as eleições, o PT deu passos
extremos para ganhar esta confiança. Estes compreendiam
a escolha de um magnata da indústria têxtil e evangélico
de direita como companheiro de chapa de Lula, fato que constitui
explícito compromisso para execução, à
letra, dos acordos com o FMI de seu predecessor e, por último,
a nomeação de um banqueiro de investimento ligado
a Wall Street para a presidência do Banco Central do Brasil.
Ernesto Zedillo, ex-presidente do México que emergiu
como proeminente porta-voz de corporações transnacionais
e defensor da globalização capitalista, sumarizou
a atitude dos círculos dirigentes em relação
a Lula num recente artigo para a Forbes Magazine:
Eu sinceramente acredito que, paradoxalmente, o presidente
eleito provará aos desconfiados mercados e também
às entusiásticas massas populares adeptos que ambos
estavam enganados E ele desiludirá seus numerosos colegas
populistas por toda a América Latina, os quais se sentem
redimidos com sua eleição...
Durante sua campanha e certamente desde a eleição,
da Silva tem demonstrado notável capacidade de endossar
políticas a que, por não longo tempo, se opunha
vigorosamente. Esta, para Zedillo, é a mais alta
forma de elogio.
Zedillo argumenta que se Lula falhar na implementação
de uma implacável política econômica de austeridade,
o valor da moeda nacional, o real, despencará ainda
mais, subirão agudamente as já altíssimas
taxas de juros e o Brasil enfrentará o tipo de ruína
que derrubou a Argentina, com generalizadas falências,
ruinosos níveis de inflação e dramáticos
aumentos dos índices de desemprego e de pobreza, bem como
de perturbações sociais e políticas.... Muito
simplesmente: o inferno.
Continua ele: Contudo, falando honestamente a alternativa
não é o paraíso. Para restaurar a confiança
e repor a economia do Brasil no caminho do crescimento ...o sr.
da Silva terá de implementar políticas que de maneira
alguma serão populares. Ele terá de cortar ainda
mais gastos governamentais, até mesmo de áreas social
e politicamente sensíveis, elevar impostos, estabelecer
uma autonomia formal e efetiva do Banco Central e acelerar reformas
estruturais a fim de tornar a economia mais competitiva.... Para
ser claro, o sr. da Silva deve administrar até mesmo remédio
mais amargo do que o prescrito pelo Fundo Monetário Internacional.
Fundamentalmente, é para isto que Lula foi alçado
ao poder. Ele foi convocado a fim de utilizar seu prestígio
como ex-líder sindical aprisionado durante a ditadura,
com o objetivo de empreender ataques até mesmo mais impiedosos
à classe trabalhadora e às massas oprimidas do que
o instrumental aplicado pelos governantes de direita anteriores.
A nova administração tem promovido um chamamento
para um pacto social, incorporando homens de negócio
e burocratas sindicais, para levar a cabo uma agenda que reestruture
o setor manufatureiro brasileiro, tornando-o mais competitivo
no mercado mundial. As mudanças propostas incluem a revogação
de leis limitantes aos poderes patronais de demitir trabalhadores,
reduzir salários e eliminar benefícios; concessão
de favores fiscais para as empresas; reforma do sistema
de pensões do país.
Um dos fundadores do alternativo Fórum Social Mundial
de Porto Alegre apelou publicamente a Lula, insistindo para que
não comparecesse à reunião da Suíça.
Lula não devia ir ao banquete dos responsáveis
pela miséria do mundo; não devia emprestar seu prestígio
a este partido de um punhado de banqueiros responsáveis
pela fome na África, na Ásia, na América
Latina e aqui no próprio Brasil. Lula não devia
ficar do outro lado da barricada, escreveu Emir Sader, sociólogo
brasileiro, assessor do Movimento dos Trabalhadores sem Terra
(MST).
Todavia, lá está ele. E nenhum volume de retórica e douramento da pílula no intuito de apresentar uma globalização
"compassiva" tem condições de disfarçar que este é um governo conduzido ao poder
no esforço de abafar uma explosão social. Inevitavelmente,
as grandes expectativas das massas de trabalhadores e de pobres surgirão num confronto violento
com a realidade da administração petista de políticas
de direita.