Brasil: as nomeações de Lula apontam para mais
rigorosa austeridade
Por Bill Vann
31 Dezembro 2002
Enquanto milhões de trabalhadores brasileiros e gente
pobre proporcionaram a Lula e a seu Partido dos Trabalhadores
(PT) esmagadora vitória nas eleições de outubro
último, sua equipe econômica governamental foi escolhida
para defender os interesses da banca internacional, dos investidores
estrangeiros e da elite financeira brasileira.
Na quarta-feira, o nomeado de Lula para presidir o Banco Central,
Henrique Meirelles, expôs no Senado Federal sua intenção
de prosseguir na política de austeridade monetária
destinada a restringir a inflação às custas
do trabalho e do padrão de vida da classe trabalhadora
brasileira.
A escolha de Meirelles foi o aceno mais claro possível
aos banqueiros internacionais e ao Fundo Monetário Internacional
de que suas políticas e interesses nortearão as
ações do governo entrante. Ele, Meirelles, foi diretor
geral do Fleet Boston Financial Group, onde seu salário
anual era de um milhão e meio de dólares antes de
deixar o cargo para pugnar por um mandato político no Brasil.
Ele concorreu com êxito como adepto do PSDB, o partido governante
que Lula derrotou na eleição presidencial.
Meirelles afirmou na Comissão de Assuntos Econômicos
do Senado que não haveria surpresas em sua
política, enquanto afirmava que haveria continuidade na
política de seu predecessor, Armínio Fraga, que
antes de assumir a direção do Banco Central administrou
a empresa internacional de especulação monetária
de mercados emergentes do megainvestidor Soros.
Quando Meirelles falava, o Banco do Central aumentou sua taxa
de principal para empréstimos em três pontos percentuais
alcançando 25%, seu nível mais alto desde maio de
1999, providência destinada a acalmar os investidores estrangeiros
enquanto deprimia ainda mais a economia doméstica do Brasil.
Um em cada cinco brasileiros já está desempregado
no Brasil, e espera-se que as contínuas altas das taxas
de juros elevem ainda mais o índice de desemprego. Enquanto
Lula fazia sua campanha eleitoral, prometia criar um milhão
de postos de trabalho e dobrar o salário mínimo
que permanece em menos de 55 dólares mensais. Ambas as
promessas foram arquivadas.
O ex-diretor da FleetBoston também anunciou que Lula
concordou em estabelecer inteira autonomia do Banco Central, desta
forma assegurando aos mercados financeiros que seu governo não
empreenderá nenhuma política de estímulo
financeiro com o objetivo de atender a demandas de empregos ou
de expansão dos serviços sociais. Tanto o Banco
Central quanto o FMI tem desde longa data apoiado tal independência.
O empenho de Meirelles repercutiu na designação
do ministro da fazenda de Lula, Antonio Palocci. Anteriormente
prefeito de Ribeirão Preto, cidade do Estado de São
Paulo, declarou que não se afastaria dos níveis
programados de inflação do atual governo e indicou
que a próxima administração petista cumpriria
integralmente as determinações do FMI.
Meu nível de conservantismo é igual ao
de Palocci, afirmou Meirelles à imprensa, em Brasília,
na quinta-feira. Como prefeito, Palocci conseguiu o apoio do empresariado
ao executar uma agressiva política de privatizações
enfrentando sindicatos.
Palocci aderiu ao PT e subiu em suas fileiras após entrar
na política através de uma organização
estudantil radical formada por um grupo brasileiro ligado à
Organização Comunista Internacional (OCI) francesa.
A OCI rompeu com o movimento trotskista, com o Comitê Internacional
da Quarta Internacional, em 1971, e aderiu à direita, adaptando-se
à linha do Partido Socialista Francês, de Mitterand.
Em anos recentes, a imprensa francesa tem publicado revelações
de que o ex-primeiro-ministro Lionel Jospin foi, por longo tempo,
membro da OCI.
A trajetória política de Palocci é semelhante
à do PT como um todo. Enquanto milhões votaram pelo
partido na esperança de conseguir mudança fundamental,
os meios financeiros brasileiros e internacionais decidiram que
podem utilizar a prévia associação do
PT com políticas esquerdistas e até mesmo com
uma vaga concepção de socialismo, como meio de conter
contradições sociais, simultaneamente introduzindo
políticas econômicas e sociais ainda mais draconianas.
Outras nomeações anunciadas por Lula têm
confirmado que o próximo governo petista estará
comprometido com a defesa dos grandes capitais. Ele atraiu Luiz
Fernando Furlan, diretor-presidente da empresa global processadora
de alimentos Sadia, para ministro do desenvolvimento. Roberto
Rodrigues vai tornar-se ministro da agricultura. Ocupou ele o
mesmo posto no governo direitista e corrupto Fernando Collor de
Mello. Mais recentemente, foi presidente de uma associação
de empresas agrícolas, representante de conglomerado de
pesos pesados domésticos e multinacionais ou agribusiness.
O que é reconhecido como ala esquerda do PT tem se queixado
das designações, apontando que nenhuma delas foi
discutida pelo partido antes do anúncio da imprensa. Não
tem demonstrado qualquer inclinação para combatê-las,
todavia. Verifica-se que a liderança partidária
ameaçou expulsar qualquer representante congressional que
vote contra os nomeados.
Heloisa Helena, senadora por Alagoas e o principal membro do
PT da Tendência Socialista Democrática, condenou
a designação de Meirelles. Não votarei
em favor de uma pessoa que durante toda sua vida serviu ao sistema
financeiro internacional, disse ela. Ele não
tem nenhuma afinidade com o PT e o partido não foi consultado
sobre sua nomeação. Mas, quando chegou a hora
para o voto na comissão senatorial, Helena absteve-se -
como explicou outro legislador petistaa fim de assegurar
o voto unânime do facção partidária.
Enquanto no começo deste ano a perspectiva de um governo
de Lula desencadeava forte pressão sobre a moeda brasileira,
o real, e sobre as obrigações do governo,
o PT conseguiu obter o apoio dos mais decisivos setores empresariais
braseiros e crescentemente ganhou a confiança de Wall Street.
Selecionou como candidato a vice-presidente José Alencar,
líder da ala direitista do Partido Liberal. Alencar é
o principal magnata têxtil brasileiro, presidindo uma corporação
que sujeita 15.000 operários a intensa exploração,
negando-lhes o direito à sindicalização e
submetendo-os a jornadas de 12 horas diárias com salários
miseráveis. Ele e outros industriais brasileiros e grandes
proprietários rurais apoiaram o PT em busca de uma política
econômica mais nacionalista visando ao ganho de parcelas
maiores dos mercados domésticos e estrangeiros.
Incrementando esta agenda, o PT tem defendido um pacto
social entre o capital e o trabalho, cujo propósito
será o de reduzir salários e piorar as condições
de trabalho, desta forma tornando o capitalismo brasileiro mais
competitivo.
Lula pediu que os sindicatos se subordinem a suas políticas
governamentais, e sua administração tem explicitado
a intenção de executar vasta reforma
do sistema de pensões que diminuirá as contribuições
governamentais e privatizará as contas existentes.
Tradução de Odon Porto de Almeida. Caruaru,
23 de dezembro de 2002.